por Ligia Carvalhosa
O apartamento é iluminado, em tons lavados, com móveis de madeira clara assinados por designers escandinavos. É uma morada minimalista, perfeitamente casada à construção modernista dos anos 1950, assinada pelo arquiteto João Artacho Jurado. Uma tal congruência de estilos que faz todo o sentido na vida de sua proprietária. Seu nome é Rachel Mancini, estilista que encontrou na curadoria de roupas vintage sua real vocação. É ela a figura por trás do Gato Bravo, brechó que, há quatro anos, ocupa o número 37 da Rua Avanhandava, no centro de São Paulo. “Tenho várias identidades e busco diferentes plataformas de expressão”, diz ela. Todas sempre em harmonia – algo que a paulistana aprendeu a orquestrar ao longo de seus 30 anos.
Formada em Moda pela Santa Marcelina, em São Paulo, Rachel foi procurar sua identidade artística em Barcelona, onde estudou fotografia na Elisava. Hoje, cinco anos depois, é seu olhar o responsável pela curadoria e apresentação (em fotos feitas por ela mesma) das peças garimpadas entre Nova York, Londres, Berlim e Los Angeles. Fazer o velho novo se tornou a tradução de todo um estilo e filosofia de vida. Seu closet que o diga. Ali, o vintage fica moderno quando misturado às botas Acne. O novo ganha filtro nostálgico quando fotografado com sua Contax G2 (câmera analógica de 1996).
Não por acaso, encontrou na Gucci de Alessandro Michele reflexo de suas maiores paixões na moda: pluralidade de referências e estilos. “Não gosto de seguir tendências, busco uma imagem que seja original. E o brechó me permite isso, achar uma peça que ninguém mais vai ter.” Outra obsessão atual é a marca Reformation, de roupas criadas a partir de tecidos reutilizados. “Gosto de histórias, mas não de velharia.”
Vem daí a veia experimental de seu brechó, onde roupas cheias de vida servem de moldura para trabalhos artísticos. Foi lá que a fotógrafa e artista plástica Verena Smit exibiu sua série Signos. Christopher Alexander também desenhou uma coleção de bijoux exclusivas para o espaço, e Pedro Pastoriz (da banda Mustache e Os Apaches) escolheu o lugar para fazer sua estreia solo. “É um ambiente de experimentação que me permite explorar caminhos. Ainda estou descobrindo o que posso fazer de interessante lá dentro.”
Enquanto isso, bons projetos vão nascendo. O próximo, no caso, é aposta de Bazaar: coleção em parceria com a Cotton Project, marca do namorado, o designer Rafael Varandas. “É uma troca, estamos no mesmo universo e nos impulsionamos.”
A história ainda está restrita às quatro paredes do apartamento que dividem em Higienópolis, mas enquanto a união do casal não vira roupa, eles vão gerindo outras ideias. Ela dirige (e protagoniza, vez ou outra) campanhas da etiqueta dele, além de ser ótima palpiteira. A coleção de estreia da marca no SPFW, por exemplo, contou com uma boa dúzia de sugestões suas. “Não sou sócia, mas ajudo muito. Ele acredita na minha opinião.” Juntos, se tornaram uma dupla que procura referências pelo mundo. “Viajar é renovar o olhar, volto sempre com mil ideias”, diz Rachel. Los Angeles virou destino recorrente – ele já morou por lá, ela se encantou pelas possibilidades da cidade. “No Brasil, as pessoas ainda têm muito preconceito com a cultura vintage, e lá aprendo com experiências que deram certo.”
Circular pelas ruas de São Paulo com sua Mercedes prata 1995 também é uma constante. Para encontrar a moça, um pit stop no Beluga Café ou no bar Kraut, antes de seguir para as festas no centro da cidade. A noite, aliás, é coisa que ela conhece bem. Era ela quem pilotava os pick-ups da Oui Oui, festa que fez história com ótimos sets eletrônicos. Mulher de personalidade, Rachel não segue modismos, mas o instinto. E é assim que vai conquistando seu lugar. Único, feito ela.
Fotos Christian Maldonado
Styling Rodrigo Yaegashi
Set design Tissy Brauen