por Silvana Holzmeister

Yohji Yamamoto, Balenciaga, Maison Margiela e Awake, Verão 2018 – Fotos: Divulgação
Há dois anos, Demna Gvasalia assumia a Balenciaga impondo seu street meio trash ao passado aristocrático da marca.
Tudo bem amarrado por uma calculada desconstrução da alfaiataria. Ele percebeu que, recortando, torcendo e juntando pedaços de roupas, podia propor novas peças, a partir de seu próprio filtro. Não é um exercício simples.
Mas foi possível depois de ter colocado em prática primeiro na Vetements, que toca em paralelo com um coletivo de mentes criativas, todas remanescentes da inquieta Maison Margiela.
Há, aqui, um link interessante. O estilista estudou na Royal College of Fine Art, na Antuérpia, assim como Margiela – precursor na reutilização de peças.
Pela conceituada escola passaram os Seis da Antuérpia – Ann Demeulemeester, Dries Van Noten, Dirk Bikkembergs, Walter Van Beirendonck, Dirk Van Saene e Marina Yee. Inovadores e rotulados de minimalistas e cerebrais, provocaram na moda dos anos 1990 barulho semelhante àquele causado pelos japoneses na década anterior e fizeram da Bélgica lugar de destaque na formação de criativos.
Era inevitável que Gvasalia e seus amigos, incluindo o irmão Guram, subvertessem a ordem trabalhando livremente. O que ninguém imaginava na época é que um designer
underground seria contratado pela Balenciaga.
Mas, quem melhor entenderia o crescente universo das subculturas, a insatisfação dos millennials? Além de revigorar a marca, colocando -a no seleto grupo de grandes labels que faz diferença hoje em dia, o estilista tem papel fundamental na mais recente onda de quebra de paradigmas da alfaiataria, sustentada por marcas que praticam um discurso social afiado.

Céline, Helmut Lang e Y/Project, Verão 2018 – Fotos: Divulgaçã0
Trata-se de um exercício mais do que saudável num momento de relativo retorno ao porto seguro de antigas tradições dentro e fora da moda. Metaforicamente, constrói um diálogo interessante de resistência.
E, na prática, dá forma a silhuetas arquiteturais baseadas numa bem calculada anarquia. Há desde simples inversões, como abotoamentos e golas usadas ao contrário, como na camisaria do Verão 2018 da Prada, até as irreverentes reconfigurações propostas pelo próprio Gvasalia,
ao criar novas peças a partir da colagem de outras duas para a mesma estação na Balenciaga.
Confortável no papel de atual portador da herança desconstrutivista da Maison Margiela, John Galliano segue incisivo na elaboração de shapes inesperados e aspecto inacabado, como se partes da roupa tivessem sido simplesmente arrancadas. Em seu radar está, principalmente, o trench coat.
A peça tem sido repensada desde o Inverno 2016, mas, principalmente, nas coleções de prêt-à-porter e couture das duas últimas temporadas. Numa dinâmica que parece não ter fim, fica claro um extraordinário sentimento de liberdade criativa.
Mesmo impulso que parece ter levado Phoebe Philo a abrir o desfile Verão 2018 da Céline com uma série de experimentações com proporções da alfaiataria e camadas. Já Natalia Alaverdian, que a cada estação fortalece sua A.W.A.K.E, brincou com gêneros para chegar a silhuetas interessantes, como o híbrido de blazer e vestido que puxou sua coleção na última semana de moda de Londres.
A mesma pegada deu o tom nos mais recentes shows das marcas Helmut Lang e Yohji Yamamoto. Enquanto Glenn Martens (Y/Project), outro expoente da Royal Academy, na Antuérpia, exibiu boas sacadas inspirado pela cultura rave europeia. Baseado em desconstruções de blazers e casacos, vestidos assimétricos, blusas compridas e saias elaboradas, este é um momento importante de ressignificação da alfaiataria.
Tendo como forte parceiro o visual street seguido de referências pinçadas do sportswear para uma cartela morna e highlights esporádicos. Pelo jeito, Gvasalia, que já disse nunca ter pretendido perturbar a ordem, acabou, sem querer, contribuindo para fortalecer uma revolução.