Desde muito cedo, Karine Oliveira sabia que a educação era uma ferramenta de transformação. Ao acompanhar a matriarca da família alfabetizando pessoas no entorno da comunidade em que morava, no Engenho Velho da Federação, em Salvador, na Bahia, nascia um desejo em se tornar professora.
Aos 16 anos, teve sua primeira carteira assinada em um estágio ao lado da mãe e, ali, imaginava que trilharia um caminho como funcionária pública – meta atingida aos 22. Depois de um tempo, foi perdendo o encanto e sentiu que faltava algo. À época, cursava Serviço Social no ensino superior e se distanciava daquele sonho juvenil. “O ambiente da universidade ainda é muito fechado e tóxico”, taxa.
Em 2016, fez um curso de empreendedorismo e veio o baque porque já fazia cinco anos que vinha trabalhando com assessoria de pequenos negócios. Mas, novamente, seguindo os ensinamentos de sua mãe, acreditava que só era possível criticar algo quando se tem conhecimento. “Fui aprofundando muito, participando do ecossistema, de todas as pataquadas que tinham. Só que meu incômodo não passou”, recorda. Foi quando teve um estalo: “será que tem mais gente como eu?”.
Esse aporrinhamento vinha muito do linguajar “startupês” e termos técnicos em inglês proferidos nesses ambientes e, apesar de muita gente querer atender empreendedores periféricos, tentar forçar uma inclusão e trazer para perto empreendedoras negras, aquele linguajar não era acessível. “Era como se, para se ter uma empresa, deveria seguir uma receita de bolo, todo mundo só pudesse agora abrir uma startup. E o único jeito de captar recursos seria através da tecnologia ou que só dá para ter empresa com plano de negócio. Mas eu conheço várias que começaram sem ter”, analisa.
Também não acreditava que para se ter uma companhia era preciso ter que aprender tudo do zero. “É sempre uma troca de conhecimento”, reforça. E foi assim que, em 2018, muito incentivada pelo filme “Pantera Negra”, montou a Wakanda Educação, projeto de impacto social a fim de auxiliar empreendedores no mundo dos negócios. “Não é possível ser só fictícia”, brinca ela sobre a cidade africana, toda tecnológica e governada pelo príncipe T’Challa (Chadwick Boseman), no universo Marvel.
Inspirada pelo longa, fez o exercício de imaginar como seria uma comunidade desenvolvida e sem racismo estrutural para usar como trabalho de conclusão na graduação. Mas não achou ninguém que pudesse orientá-la. E, então, se inscreveu em um edital e conseguiu aporte de 50 mil reais para dar os primeiros passos do que viria a ser seu artefato de revolução. Pôs em prática essa metodologia, que usa múltiplas linguagens informais como tecnologia social. “É explicar que não preciso falar brainstorming, mas posso falar chuva de palpites”, defende.
Em sua primeira aula, reuniu 52 mulheres em julho de 2019. Era o início do sonho que começou como impacto social e hoje é uma startup que traduz conteúdos para o baianês, carioquês ou mineirês. Wakanda é uma escola de negócios, que disponibiliza conteúdos sobre empreendedorismo tradicional, traduzidos para uma linguagem informal.
Com seis funcionários, baseada em Salvador, mas atendendo o Brasil inteiro, a plataforma mostra a esses empresários que investir em conhecimento se transforma em evolução, aumentando ganhos e melhorando a saúde e a relação com o trabalho. Mais de mil pessoas já tiveram suas habilidades acompanhadas neste modelo. “A gente aprimora, lapida, melhora, agiliza, acelera para que aquela pessoa consiga ter melhores rendimentos, principalmente financeiros, dentro do negócio”.
De forma prática, o único pré-requisito é que a pessoa já tenha uma empresa em funcionamento. Ela estreita laços e mostra para as startups o quanto esses negócios de rua são resilientes e que pode haver troca de conhecimento mútuo. Se a força de vontade a fez tocar a vida de muitas pessoas, em um futuro próximo tem planos de fortalecer a metodologia, se tornar referência e procurar outras “Karines” em outros estados. Ao olhar para o passado, percebeu que se tornar uma mulher de sucesso foi importante para reconhecer outras que tivessem a sua cara, como Monique Evelle ou Nina Silva.
Prestes a completar 29 anos, e com um sorriso e prosa cativantes, para Karine não basta ser diverso, é preciso incluir e construir espaços para que outras pessoas como ela ocupem posições de liderança. “Senão, diversidade, é só botar gente lá”.