Por Mario Mendes
Morreu a rainha Elizabeth II da Inglaterra. Ou Lilibeth, como era conhecida em família e como nós plebeus ficamos sabendo através da série “The Crown”, via Netflix.
Hoje, mais cedo, quando o Palácio de Buckingham informou que a rainha havia sido colocada sob cuidados – e filhos e netos se dirigiam ao Castelo de Balmoral, na Escócia, onde sua Majestade passava todos os verões – pensei com meus botões: “O século XX finalmente terminou para a Inglaterra”.
Explico: quando morei brevemente em Londres, no final da década de 1990, os ingleses falavam com grande entusiasmo sobre o final do Milênio. Havia expectativa e preparativos para a ocasião de uma maneira ostensiva. Estavam inclusive construindo o Millenium Dome, misto de monumento e tenda de circo que deveria abrigar as festividades da efeméride, durante o Réveillon 2000.
Ouvi então, de um amigo inglês, o porquê de tanto empenho para se comemorar a data. “A chegada do novo milênio sinaliza o momento da Inglaterra enterrar o Império Britânico de uma vez por todas. Let’s move on”, disse, como se a nação tirasse um enorme peso dos ombros.
Nada nem ninguém simbolizava mais, para o mundo inteiro, esse passado glorioso – ou tenebroso para muitos – do que Sua Majestade a Rainha Elizabeth II. O príncipe Charles, agora rei posto, é a nova geração, enquanto seu sucessor natural, o príncipe William, encarna a novíssima. Ambas cada vez mais distantes do mundo onde a mãe e avó reinou soberana.
Alçada ao posto de herdeira da coroa aos 10 anos, em 1936, quando seu tio Eduardo VIII abdicou para se casar com americana duas vezes divorciada Wallis Simpson – naquele tempo divórcio era coisa de gente do cinema – e seu pai, George VI, subiu ao trono, Elizabeth nunca mais pode ser apenas ela mesma. Era preciso personificar um título real e assumir todas as responsabilidades que vinham com ele. A situação só iria se tornar mais portentosa e complexa com o passar dos anos.
Quando subiu ao trono, em 1952, era uma jovem sorridente de 25 anos que oxigenou a monarquia britânica. Ainda estava na memória coletiva a figura de sua trisavó, a rainha Vitória, uma senhora idosa e carrancuda. Curioso notar que os três reinados mais marcantes da Inglaterra tenham sido femininos. Elizabeth I (1558-1603), Vitória (1837-1901) e agora Elizabeth II (1952-2022).
Também podemos dizer que a Rainha foi mais pop que o Papa. Sua coroação foi a primeira a ser transmitida pela TV, assim como a anual fala do trono, no Natal. Nos anos 1960, em plena swingin’London, condecorou os Beatles e estrelou seu próprio documentário sobre a família real – que nunca mais foi exibido desde então. Quando o punk explodiu nas ruas de Londres, seu rosto – com a devida licença gráfica estampou a capa do álbum “Never Mind the Bollocks”, dos Sex Pistols. Sem falar que contracenou com Daniel Craig, como James Bond, no clipe para a abertura dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012.
Mesmo não sendo um ícone fashion como a princesa Margaret Rose, sua irmã baladeira – foi casada com um fotógrafo e dava festas de arromba em sua casa no Caribe – Elizabeth II mandou seu recado no quesito estilo. Seus estilistas de plantão, a partir da coroação e durante muitos anos eram sirs Hardy Amies e Norman Hartnell.
Cores vivas e chapéus um tanto quanto chamativos eram não só uma questão de gosto pessoal mas também de segurança. Por ter baixa estatura o colorido chamava atenção, para ser vista com destaque nas cerimônias públicas tanto pelos súditos que estavam mais distantes quanto pelo forte esquema de segurança.
Ah, e ainda havia as bolsas. Como não lembrar das famosas bolsinhas da rainha? A cantora e atriz americana Bette Midler, em seu show “Divine Madness”, registrado em filme para o cinema, dizia: “Eu daria tudo para saber o que ela leva naquela bolsinha!”. Agora, graças a “The Crown”, sabemos que ela só não entrava de bolsa na banheira.
Anedotas à parte, o que Elizabeth II deixa como legado é um profundo senso de dever, de honra e uma inabalável majestade. Mesmo ao enfrentar chuvas e terremotos, que não foram poucos. Enfrentou um Winston Churchill senil e bateu de frente como Margaret Thatcher. Mas, sobretudo, toureou as intempéries em família. Como a fúria da tempestade Diana. Da madrugada daquele sábado, em 1997, quando a princesa morreu no acidente de automóvel em Paris, até a quinta-feira seguinte, a rainha e a família real mantiveram-se em silêncio sepulcral, encerrados em Balmoral. Enquanto o povo sobrecarregava de flores e lágrimas as entradas dos palácios de Buckingham, St James e Kensington.
Muitos apostavam que era o prego que faltava no caixão da monarquia. Não era. Altiva, encarando nos olhos uma multidão que lhe poderia ser hostil, a rainha caminhou entre os que choravam pela Princesa do Povo e foi recebida com reverência, respeito e algum carinho. Foi bonito. Foi majestático.
Elizabeth II parte pouco mais de um ano depois de seu marido, o príncipe Phillip, Duque de Edimburgo. E viveu um pouco menos que sua mãe, morta aos 102 anos. Porém teve o mais longo reinado da monarquia inglesa, 70 anos de pompa e circunstância.
Charles III, o novo rei, tem uma tarefa e tanto pela frente. Não se quiser apenas cumprir um reinado de transição, entre sua mãe e seu filho, William, o próximo monarca. Porém, se o propósito for encerrar o milênio e inaugurar uma outra era, então “Longa vida ao Rei!”.
Afinal, mesmo em tempos de fugazes existências instagramáveis e performances efêmeras no TikTok, símbolos de grandiosidade ainda são necessários.