Foto: Fábio Audi

Dainara Toffoli: guarde esse nome. Ela está à frente como diretora-geral de “As Five”, é responsável pela direção da segunda temporada da série, que acaba de estrear no Globoplay. A gaúcha, que debutou como estagiária no set do clássico “Ilha das Flores”, de Jorge Furtado, vem construindo uma carreira extremamente marcante no audiovisual contemporâneo, e com um olhar feminista para as produções.

Além de “As Five”, é dela, ao lado de Luís Pinheiro, a direção das duas temporadas de “Manhãs de Setembro”. A série, protagonizada por Liniker e disponível no Amazon Prime Video, concorre ao prêmio de Melhor Série Dramática na 34ª edição do Glaad Media Awards, prestigiada premiação voltada à comunidade LGBTQIA+, realizada em Los Angeles e Nova York em maio de 2023, respectivamente.

Dainara, 53 anos, também assina a primeira temporada de “De Volta aos 15”, estrelada por Maisa e disponível na Netflix, e o longa-metragem “Mar de Dentro”. Criado, dirigido e coescrito por Dainara, “Mar de Dentro” lança um olhar sensível sobre o puerpério, período que compreende o pós-parto da mulher até que ela se reorganize com a chegada do filho. O longa, protagonizado pela atriz Monica Iozzi, foi lançado nos cinemas em 2022 e atualmente está disponível no Telecine Play.

Quando se volta para identificar o que tem de elo em suas produções, Dainara nota a presença da densidade e das camadas desafiadoras do universo feminino. A temática atravessa a sua filmografia em diferentes etapas da vida da mulher, abordadas sempre com o intuito de refletir os desafios e o papel da mulher no mundo de hoje. Ela também conquistou espaços para as mulheres, no set, atualmente, 62,43% das pessoas são mulheres que atuam na produção.

Jornalista de formação, atuou por um longo período dirigindo publicidade. Estudou roteiro, fez cursos de cinema e de fotografia, já sentia o que viria pela frente.

Leia a seguir entrevista que Bazaar fez com a diretora.

Como nasce a diretora Dainara Toffoli?

Durante a faculdade de jornalismo, eu comecei a me interessar pelo áudio, muito mais pelo audiovisual do que pela escrita. Eu sempre achava que eu não sabia escrever direito etc. Aquelas inseguranças todas que a gente tem na vida, mulheres principalmente. E daí eu acabei me interessando muito pelo audiovisual.

Eu, no jornalismo, cheguei a trabalhar na RBS TV, fazendo programas com uma diretora que gostava de montar, mas não de escrever roteiro. Então eu fazia o roteiro e eu ia com ela para as viagens, para entrevistar, porque ela não gostava de entrevistar. Eu aprendi muito na prática.

Trabalhei muitos anos com publicidade. E na publicidade há muito sobre o processo, porque na publicidade você é obrigado a pegar um roteiro, desenvolver, filmar, ter ideias, fazer, entregar e receber críticas ou elogios. Isso tudo me ajudou muito na minha trajetória.

Quais trabalhos de sua carreira você destacaria?

Ah, é assim, o primeiro sempre é importante. “Um Homem Sério” (1996), cuja direção é minha e do Diego de Godoy. Era sempre muito difícil conseguir um financiamento, sabe? Na época eu brincava que estava sempre todo mundo em busca do próprio menino prodígio. Mas a menina prodígio até hoje não existe e já faz muitos anos isso. Ninguém olha e fala assim: “Aquela ali, é normalmente aquele ali”.

Tem também o “Dona Helena”, eu realmente tenho um carinho muito grande por esse documentário, que conta a história da violeira Helena Meirelles, que foi descoberta quando já era mais uma mulher mais madura. O filme diz muito, fala muito sobre ela, mas fala muito sobre nós. A trajetória da mulher na sociedade brasileira, principalmente no interior, as coisas às quais ela teria que se sujeitar e não se sujeitou. E como foi a vida dela e as consequências que isso trouxe para a vida dela. Uma artista, sim, mas não tinha espaço para uma artista mulher naquela época. E ela foi para o prostíbulo e tal. Então, foi um trabalho que eu aprendi muito, porque ele foi sendo construído durante o processo também.

Claro que todas as “Manhãs de Setembro” é superimportante para mim também. Mas são obras que eu vim para participar delas. Já tinham roteiro. Assim, “Manhãs de Setembro, “As Five”e “De Volta aos 15” não partiram de inquietações minhas. Foi a partir do dia a dia de outras pessoas, às quais eu me juntei para aprofundar, para ampliar, para dar ideias.

“As Five”- Foto: Divulgação/Globoplay

Como surgiu o convite para dirigir “As Five”, série de sucesso do Globoplay?

Foi de um telefonema que minha irmã gêmea, que é produtora, disse que eu receberia da TV Globo, porque ligaram para ela por engano. E ligaram mesmo. Dainara não imaginava que iria entrar para montagem da série porque atua como diretora no audiovisual. Daí eu pensei: “Bom, agora eu vou entrar na montagem”. Era para eu dirigir quatro episódios. No fim, acabou mudando um pouco o esquema de direção, mas eu era responsável por quatro episódios, outro diretor por outros quatro. E foi assim. Então foi muito interessante para mim. Por quê? Justamente porque eu entrei sem preparação, sem nada,  tive que assistir “Malhação” correndo, ler sobre elas, conversar muito com o Belmonte [José Eduardo, à época o diretor-geral], depois entrou o Fabrício Mamberti, que é o diretor artístico da segunda temporada, da terceira também. E tive principalmente que trocar muito com elas [as atrizes].

Como lida com as meninas nas gravações?

Ah, eu acho que eu acho que o nosso trabalho é o trabalho de um diretor. É um trabalho realmente de orquestração – no caso, quando você tem vários talentos que trabalham com você na hora, né? E as pessoas e todos esses talentos, atores, equipe técnica, todo mundo tem o seu olhar artístico, o seu pensamento ideológico, enfim, tem a sua visão sobre aquilo. Então eu acho que a gente tem que, como diretor, abrir um espaço de conversa, entender e escutar. Claro que eu tenho um monte de coisas na minha cabeça, mas eu gosto de escutar, de ouvir gente, principalmente nas leituras de roteiro, colocar questões que eu tenho. Ter essas conversas para que a gente possa afinar isso tudo antes de chegar no set, né? E daí, no set, quando eu preparo as cenas, gosto de preparar o que a gente chama de blocking, que é pensar na movimentação dos atores já meio que no papel, porque não dá tempo. Série é uma correria. É muito rápido, mas a gente tem que preparar tudo. Eu brinco assim é que nem obra, quanto melhor se preparar, menos problema vai ter na hora.

Conte sobre a evolução das personagens.

A evolução das personagens é como eu falei, como todo trabalho. Série de televisão é colaborativa, né? Existe uma evolução, assim como esses personagens evoluíram da novela “Malhação” para a primeira temporada [de “As Five”]. Foi um trabalho do Cao Hamburger com a equipe dele. A partir daí, quando a gente entra, é que, baseado nisso e nas nossas experiências de vida e na troca da cena etc. que começam a contribuir com coisas que têm a ver com o universo, com a experiência, com o universo feminino. Eu acho assim, teve a evolução da primeira temporada para a segunda, que foi uma evolução que eu participei mais porque eu sou diretora-geral da segunda temporada. Eu diria que a gente ficou muito preocupado em não deixar com que essas personagens ficassem paradas no tempo.

Foto: Divulgação

Fale sobre “Manhãs de Setembro”, com Liniker, e que passa na Amazon Prime Video, cujo resultado está concorrendo a prêmios importantes, como Melhor Série Dramática na 34ª edição do Glaad Media Awards.

A gente está super feliz com essa indicação. Uma indicação muito importante, e são muito importantes todos os festivais. Os prêmios são fundamentais para o mercado de entretenimento cinematográfico. Porque a gente tem uma quantidade imensa de produtos sendo lançados todos os anos. Ainda bem. É um produto bom, é uma história sensível, construída de um jeito tão inovador. “Manhãs de Setembro” traz o que falar sobre afeto, fala sobre outras maneiras de família. A gente vive num País onde a gente sabe muito bem que as famílias são de múltiplas formas. Porque a gente tem muitas famílias que só têm mãe e daí tem uma rede de afeto, de amizade etc. Eu fiquei muito feliz quando entrei no projeto, os roteiros já estavam prontos e, como eu te falei, foi um projeto que eu entrei para dirigir.

Qual a importância do streaming hoje no cenário de direção?

Para a gente é muito importante. Eu acho que a entrada dos streamings, principalmente no Brasil, ainda mais se você for pegar a quantidade de mulheres dirigindo, foi fundamental. Por exemplo, no Rio Grande do Sul, durante muitos anos, as diretoras não tinham como atuar no ramo da publicidade. Eu já era diretora de publicidade aqui em São Paulo e não tinha nenhuma em Porto Alegre. Agora tem muitas mulheres que dirigem seus próprios filmes.

Foto: Fábio Audi

Quais são os próximo projetos?

A gente não pode falar. Nada de nada, no momento. Estamos nessa expectativa do Glaad, se a série vai ganhar. Mas assim, só de ser indicada já é maravilhoso. Eu acho que é a única, se não me engano, é a única série original do Prime Video no mundo que foi indicada a esse prêmio. E são várias categorias, né?  Estou estudando algumas coisas. Tem um longa, tem uma série para a TV brasileira, eu não sei o que vai ser…

Tem alguma logística, um método seu de trabalho?

Eu sou uma pessoa métodos (risos). Se não tem um eu invento, não sei viver sem eles. Eu preciso de métodos para poder escrever e enxergar. Então eu foi desenvolvendo uma logística que começa com a leitura do roteiro, e eu vou tendo insights de coisas e vou anotando, tudo eu tenho que anotar, e uso cores para identificar as cenas, se são externas por exemplo. Se eu não faço isso eu não consigo trabalhar, porque preciso ter uma coisa visual para entender a temporalidade. Para entender a fluidez da narrativa da obra para mim é importante fazer essas marcações visuais.