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Encontrar o equilíbrio entre o uso de telas e a saúde das crianças é um grande desafio. Embora seja difícil evitar completamente o ambiente digital, a exposição excessiva a telas e à internet durante a infância pode ter impactos negativos. Estudos recentes mostram que crianças com menos de 13 anos podem enfrentar problemas físicos e mentais, dificuldades de comunicação e questões oftalmológicas devido ao uso contínuo de dispositivos como celulares, tablets, computadores e TVs.

Apesar de ser cientificamente comprovado os malefícios, a exposição de crianças e de adolescentes tem sido cada vez maior, e aumentou consideravelmente durante a pandemia. Segundo o Instituto de Pesquisa do Hospital Infantil de Alberta (Canadá) e as Universidades de Calgary (Canadá) e College Dublin (Irlanda), o tempo de acesso dos menores aos equipamentos disparou mais de 50% entre 2020 e 2022. De acordo com o médico neuropediatra do Vera Cruz Hospital, André Leite Gonçalves, os prejuízos são variados, e afetam tanto a saúde quanto o desenvolvimento das crianças. “O uso excessivo de telas pode impactar no sono, aumentar o risco de obesidade e de ter transtorno de jogo pela Internet (TJI), além da queda no rendimento escolar”, explica. 

De modo geral, é recomendado evitar o uso dos aparelhos antes dos dois anos de idade. Após essa idade, é importante supervisionar o tempo com os gadgets, porém, profissionais como a médica psiquiatra Karina Barbi defendem que não existe “idade segura” para o uso de tela.  “Se pensarmos na primeira infância, os prejuízos referem-se principalmente ao desenvolvimento de habilidades cognitivas e sociais. Na segunda infância, o longo período de exposição pode influenciar em aspectos mais elaborados, como na capacidade de se relacionar e no desempenho da aprendizagem. Na adolescência, os perigos alcançam os riscos de experiências que podem ser danosas, como cyberbullying, jogos e desafios que podem incentivar comportamentos nocivos à integridade física, e contato com adultos mal-intencionados.”

Apesar de todos os alertas, as telas fazem parte da vida da geração atual e é algo que não há como se evitar. Logo, uma boa opção é tirar proveito de forma positiva da tecnologia. “Neste sentido, existem estudos que atestam que o uso de aplicativos educacionais ajudam na construção da linguagem e ampliam o aprendizado. Portanto, em termos comparativos, a interação da criança com o aparelho, como no caso de celulares e de tablets, seria melhor do que a interação passiva, que ocorre com a televisão. Mas, independentemente do tipo de equipamento, o mais importante é a responsabilidade dos pais e dos cuidadores em estarem sempre atentos ao tempo, conteúdo e nunca deixar que as telas substituam as horas de brincadeiras analógicas e de sociabilização, fundamentais para a atividade física e a interação com outras crianças”, defende Karina.

Prejuízos à saúde

A lista de prejuízos provocados pelo uso das telas é grande. Evidências sugerem que pode afetar negativamente o sono, aumentando o risco de distúrbios na hora de dormir. “A exposição frequente à luz, principalmente a azul, e a atividade de telas antes de ir para a cama pode reduzir os níveis de melatonina e atrasar ou interromper o sono”, revela o neuropediatra. Mas os malefícios não param por aí. O excesso de uso de mídia também está ligado à obesidade e ao risco cardiovascular ao longo da vida, mas estas associações são observadas começando na primeira infância (até os seis anos). “Existe uma associação entre usar mais de duas horas de tela por dia e a obesidade persiste mesmo ajustando os fatores psicossociais e os problemas comportamentais. Um estudo internacional com quase 300 mil crianças e adolescentes descobriu que assistir entre uma e três horas de tevê por dia levaram ao aumento de 27% no risco de obesidade.”

Riscos de danos oculares

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Há ainda os diversos desconfortos oculares, e um dos problemas mais comuns é a Síndrome da Visão do Computador, que inclui sintomas como olhos irritados e vermelhos, ardor, sensação de olho seco e embaçamento. “Recentemente temos observado diversos estudos apontando para possíveis malefícios causados pelo uso excessivo das telas e compreendem possibilidade de lesão retiniana tardia por excesso de exposição a luz azul emitida por LED’s e para os que forem predispostos, existe ainda o risco de manifestar estrabismo, antes latente ou compensado, e proporcionar o aumento da miopia progressiva durante a fase de desenvolvimento (crianças e adolescentes)”, explica o oftalmologista Fabio Pimenta, chefe do Setor de Estrabismo da Vision One São Paulo.

No que diz respeito à idade segura para a exposição às telas, as sociedades de Pediatria e de Oftalmologia pediátrica recomendam evitar a exposição antes dos dois anos de idade. Nesta fase, a criança está em um momento crucial de formação da psique, personalidade e desenvolvimento visual. “Entre os três e sete anos, é recomendado limitar o tempo de exposição a duas horas por dia, de forma escalonada e sempre sob supervisão. Após os sete anos, não há um consenso específico, mas é importante considerar o impacto psicossocial e o risco de desenvolvimento de miopia e estrabismo”, completa Fabio – e emenda: “Orientamos que seja feita a utilização em vários momentos mais curtos com intervalos para troca da distância de fixação, a sugestão é que a cada 30 e 40 minutos de uso seja feita uma pausa com mudança da atividade e distância. Teoricamente, todas as telas emitem radiação luminosa e podem ser prejudiciais se utilizadas de forma inadequada, quanto mais perto, maior a chance de prejuízos portanto, telas mantidas a distância como de computadores e televisores tendem a ser mais bem toleradas”.

No que diz respeito à visão, o período de desenvolvimento visual mais intenso ocorre até os três anos. Por isso, é recomendado proporcionar experiências visuais variadas nessa fase para estimular ao máximo a capacidade dos olhos. “Após os cinco anos, erros refrativos acabam sendo mais frequentes e a miopia progressiva pode ocorrer de forma mais pronunciada a partir deste momento, sendo mais observada após os sete e oito anos até os 13 e 14 anos. Então, devemos evitar tempo prolongado de tela (mais de 40 minutos), não aproximar demais (manter a distância de 35cm) e aproveitar a exposição à luz natural (ambiente externo) por duas horas ao dia para evitar a progressão inadequada do grau”, finaliza Pimenta.

Uso por idade

Segundo dados da Sociedade Brasileira de Pediatria, para crianças de dois a cinco anos de idade, limitar o uso da tela para uma hora por dia com programação de qualidade, assistindo conjuntamente com seus filhos, ajudando-as a entenderem o que estão vendo e ajudá-las a aplicar o que elas aprendem com o mundo ao redor delas. “Entre seis e dez anos limitar o tempo de telas ao máximo de uma ou duas horas por dia, mantendo a supervisão parental. Já adolescentes, entre 11 e 18 anos, o tempo de telas e jogos de videogames não deve ultrapassar as duas ou três horas por dia”, reitera Karina Barbi.

Orienta-se que a criança tenha pelo menos uma hora de atividade física e de oito a doze horas de sono adequado. Também é recomendado que as crianças não durmam com dispositivos móveis em seus quartos e evitem a presença de computadores e tevê. Para o médico neuropediatra André Leite Gonçalves é preciso desencorajar o uso de telas enquanto faz o dever de casa e ter horários livres de mídias, fazendo atividades como jantar em família, ler, ensinar, conversar e jogar juntos. “Também é necessário comunicar essas diretrizes a outros cuidadores, como babás ou avós, para que as regras em relação ao uso de telas sejam seguidas. Além disso, é preciso se envolver na seleção e covisualização de mídia com seu filho, procurando monitorar e controlar o tempo de tela através de aplicativos de controle parental, principalmente nos celulares e tablets.” 

A indicação do uso de telas ser superior aos dois anos de idade, segundo Fábio Pimenta, acontece porque a criança não saberá o momento de parar para descansar, criando um atalho para sempre buscar o imediatismo, além de atrapalhar o aprendizado sobre relacionamento interpessoal e a atenção a outras pessoas. Após essa fase, é importante continuar acompanhando o uso das telas, pois os conteúdos podem levar a aprendizados inadequados ou precoces. Também é necessário evitar que o uso das telas impeça o a melhoria de habilidades importantes, como paciência, lidar com frustrações e entender o processo de começo, meio e fim. “Os mais velhos ainda estão sujeitos aos danos psicológicos devido à imersão virtual evitando contato interpessoal que pode gerar, inclusive, ansiedade por não saber lidar com problemas e frustrações.”

Mas, vale lembrar, que estudos revelam que o tempo de tela dos pais está intimamente relacionado ao tempo de tela dos filhos. “Sendo assim, é importante que os pais tentem reduzir o uso de eletrônicos em casa. Sempre que possível proporcione tempo de qualidade com seus filhos e preferencialmente sem envolver o uso dos equipamentos”, finaliza Gonçalves.