Primeiro foi o Botox. Precisou chegar ao extremo dos rostos congelados para que dermatologistas e pacientes entendessem que menos é mais. Um pouco da toxina botulínica, bem aplicada, faz toda a diferença. Em excesso, é um erro estético. Agora é a vez do ácido hialurônico passar pelo mesmo processo de ajuste. O motivo? “Criou-se uma legião de pessoas com idade indefinida, sem identidade, muito diferentes do que eram, sem expressão, com rosto não muito humano, mas sem qualquer ruga. Nesse cenário, surgem modas como harmonização facial, pillow face (cara de travesseiro), com mídias sociais repletas de fotos de antes e depois e memes, muitos memes”, lembra a cirurgiã plástica Beatriz Lassance, da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
Para além de todo o exagero estético, há um outro efeito adverso do preenchimento excessivo: ele pode, ao contrário do que prega, provocar envelhecimento da pele. É a chamada filler fatigue ou fadiga de preenchedor. “O uso frequente, repetido e de forma inadequada dessas substâncias, ao longo do tempo, distende mais e mais os tecidos, criando a necessidade de cada vez mais preenchedor, piorando os sinais de envelhecimento”, explica a cirurgiã plástica. É exatamente por isso que a corrida aos consultórios agora é por uma outra causa: dissolver o preenchimento.
Segundo a doutora Beatriz, um rosto envelhecido pode ser comparado a um balão vazio: ao encher de ar, fica todo esticado e brilhante. “Mas ao esvaziar fica mais enrugado do que antes, sendo necessária então uma quantidade ainda maior de ar para manter o balão ‘desenrugado’”, diz a médica.
O uso do ácido hialurônico é feito há quase 20 anos – e não para de crescer. A cirurgiã plástica considera os preenchedores ferramentas valiosas quando bem indicados. “Conseguimos restaurar estruturas profundas como a parte óssea, repor compartimentos de gordura perdidos, melhorar a proporção das estruturas da face e até melhorar a qualidade da pele. O problema está no diagnóstico e indicação de quando, como e se há necessidade de preencher”, explica Beatriz Lassance.
Apesar da popularidade persistente dos injetáveis, as reversões do preenchimento estão aumentando. No Brasil, alguns famosos, modelos, cantores e influencers já optaram pela reversão de preenchimentos. “Usamos a enzima hialuronidase para dissolver rostos supercheios, pastosos e distorcidos. O excesso de preenchimento não apenas cria uma estética estranha, mas também pode levar à obstrução do canal linfático e acúmulo de fluido, função muscular limitada (que pode causar expressões tensas) e estiramento permanente dos tecidos moles ao longo do tempo. Mas também dissolvemos para corrigir pequenas imperfeições, como canais lacrimais deixados inchados por um gel mal colocado”, diz a médica Cláudia Merlo, especialista em cosmetologia.
A culpa das distorções em parte pode ser creditada à falta de julgamento estético de alguns médicos. Mas, na outra ponta, está o impulso dismórfico de alguns pacientes, que topam qualquer coisa por uma pele esticada. Os especialistas lembram que o preenchimento deve ser usado para restaurar o volume perdido, não para camuflar flacidez (nesse caso, a indicação são os bioestimuladores de colágeno). A tentativa de “levantar” os tecidos flácidos com ácido hialurônico não pode ser feita sem inflar o rosto.
Outra manobra que pode dar errado é tentar remodelar o rosto, impondo contornos não naturais. “Quantas vezes atendi pacientes querendo operar as bolsas sob os olhos e melhorar as olheiras e tratei com preenchedor na região das maçãs do rosto, sem necessidade de cirurgia. Ou ainda pacientes que vieram para colocar preenchedor nas olheiras e indiquei a cirurgia das pálpebras, retirando as bolsas. Com frequência recebo pacientes lindas que há anos fazem preenchimentos e tratamentos estéticos com dermatologistas, que, enxergando que não é mais possível tratar a flacidez, indicam a cirurgia de face. De forma inversa, muitos pacientes me procuram para realizar lifting e indico tratamentos estéticos, retardando em alguns anos os procedimentos mais invasivos. Ou ainda, durante a cirurgia de face, utilizo preenchedores ou gordura como complemento”, diz a cirurgiã Beatriz.
Há ainda o grupo de pacientes que reagendam prematuramente a injeção da substância, com base em uma crença incorreta de que o preenchedor desaparece em seis meses. O mito amplamente divulgado de que o ácido hialurônico desaparece em um cronograma previsível brota de ensaios clínicos, cujos pontos finais fixos (de 6, 12 ou 24 meses) foram mal interpretados como expectativa de vida dos preenchimentos. Estudos recentes de ressonância magnética mostraram que ele dura muito mais do que o anunciado. “O ácido hialurônico realmente é reabsorvido pelo organismo, pois trata-se de uma substância que produzimos naturalmente. Mas, quando falamos da necessidade de manutenção do procedimento após um ou dois anos, estamos nos referindo à duração do resultado estético e não à presença da substância no organismo. O ácido hialurônico realmente pode demorar bem mais do que dois anos para ser completamente absorvido pelo corpo”, explica a dermatologista Paola Pomerantzeff, da Sociedade Brasileira de Dermatologia. A medida certa do preenchimento? O bom senso, sempre.