Só quem é muito distraído não percebeu, na primeira fila do desfile de estreia da marca Greg Joey na São Paulo Fashion Week, em novembro, as estilistas Rafaella Caniello (da Neriage) e Ana Cecília Gromman (da Anacê) vibrando pelas criações do amigo, o estilista Lucas Danuello. No cenário da moda brasileiro, o trio é destaque não só pelo corpo de trabalho, mas pelas personalidades extraordinariamente únicas que, pela capital paulista, sempre deixam um pouco de si quando vão embora. Se é mesmo que o fazem.
Entre os três, Rafa e Ce – para os íntimos – decidiram fugir do calendário oficial de desfiles e Lucas (que tem ojeriza por apelidos) é o único no line-up da edição mais recente do evento, apresentada no final de maio. Algumas semanas antes de desfilar sua coleção Drowning Marks, ele conversou com Harper’s Bazaar e contou sobre as fontes variadas em que buscou inspiração, de sua leitura mais recente (“Tudo É Rio”, de Carla Madeira – um livro “chiquérrimo”) até “Drowning by Numbers” (1988), filme do diretor Peter Greenaway, “meu artista favorito”. Se policiando para não contar demais, faz um intervalo na explicação para pedir um Dirty Martini, “bem, bem sujo”. A conversa, afinal, aconteceu no balcão do Fel, um dos bares mais descolados do centro de São Paulo.
E é mesmo, por ali, que também andam as outras duas personagens. Na porta do lado, o restaurante Paloma é um dos endereços favoritos de Cecília, que aproveita o cardápio para mergulhar na paixão pelo vinho. “Não entendo nada de rótulos”, brinca, “mas aproveito a experiência. Também já tive a época do Cosmopolitan”. Quando não segue o caminho das uvas, “fico com negroni. Ou whisky, com gelo”, uma paixão que divide com Lucas que, no Fel, começou a noite com um Penicilin. Rafaella, admite, ainda é fiel ao “cosmo” clássico – “bem patricinha”, ela explica rindo.
Vale a observação: não são alcóolatras e muito menos anônimos. Ao contrário, desde que chegaram na metrópole, têm conquistado a moda pela sensibilidade natural e própria de cada um. Nenhum do trio, aliás, é da capital paulista: Lucas é de Bauru, Rafaella de Sorocaba, e Cecília de Embu Guaçu. Em São Paulo, fizeram da cidade um templo criativo. “Acho que, na minha vida, estou sempre procurando me emocionar. Busco beleza, estímulo visual”, conta Lucas. Para Gromann, muito disso tudo surgiu na exploração da cena noturna agitada da capital: “A noite me ajudou muito a construir meu olhar para moda”. Segundo ela, a faísca que acendeu seu olhar para a força da nightlife foi sua primeira vez na festa Versa. “Lá, eu vi uma galera doida, que não tem grana e nem se preocupa em estar montada na label. Faz o que consegue a partir da própria criatividade”, explica. Lucas diz que se mudar para a capital “foi um choque. É um lifestyle completamente diferente. Mas era tudo que eu queria, porque não tinha quem falasse minha língua onde eu estava. Tudo é muito maior aqui. Encontrei minha turma. Hoje, é São Paulo ou nada”. Rafa concorda: “Comecei a descobrir quem eu sou e o que eu gosto quando vim para São Paulo”.
A atração pelo fervo de “Sampa” é compartilhada entre os designers. Não à toa, o club Jerome é um dos spots centrais na rotina de Lucas e Rafaella, inseparáveis desde a universidade – ainda que ele sempre fique algumas horinhas a mais do que ela na pista. “Descobrimos a cidade juntos”, lembra a estilista sobre a amizade. “A noite de São Paulo é magnífica e me ajudou muito no meu processo de autolibertação e descoberta da minha própria sexualidade”. Hoje, porém, confessa que o ritmo já não é mais tão frenético quanto foi. Aos 28 anos, com duas lojas físicas (e mais uma nos planos), trinta funcionários e a primeira-dama do Brasil entre suas clientes, explica que a responsabilidade ganhou a maior parte do espaço: “Sinto que envelheci rápido (risos). E penso sobre trabalho o tempo todo”.
Nos momentos em que consegue relaxar, é capaz de passar um dia inteiro “ouvindo música, bebendo vinho (sempre tinto) e lendo”. A playlist, que ela descreve como “babadeira”, vai de Cazuza até Cigarettes After Sex, e faz parte dos momentos de introspecção cada vez mais frequentes.
“Já fui muito mais ao Jerome e ao Fel… hoje tenho preferido fazer as coisas mais cedo”. E não é a única a se dedicar a rotinas igualmente mais tranquilas. Lucas admite: “Gosto de ter meu tempo sozinho, para assimilar as coisas do meu jeito. Os dias solitários são importantes”. Já Cecília adora aproveitar a cena de arte e design do centro de São Paulo, fazendo roteiros que incluem os edifícios Itália e Louvre, onde fica a Galeria Verve.
Em retrospectiva, ela diz que a amiga fotógrafa, Mariana Maltoni, tinha razão quando a apresentou para Rafaella, dizendo que as duas tinham “uma energia parecida”. Talvez seja o zeitgeist de uma geração que adora se dividir entre o supérfluo e o profissional. Em um momento sério, Rafa conta da próxima coleção que desfilará em agosto: “será um recorde, com quase cinquenta looks, ao contrário do nosso máximo de trinta no passado. E teremos um artista importante envolvido”.
Em um outro, mais descontraído, Ce brinca revelando o que não pode faltar na bolsa quando sai de casa: “Meu documento. Não posso morrer como indigente”.