Ela é atriz, empresária, escritora, apresentadora, criadora e produtora de conteúdo. Maria Gal está vivendo atualmente Neiva, personagem ícone da novela das 18h da TV Globo, “Amor Perfeito”. Segundo ela, a personagem foi criada em cima de muito afeto, além de uma mulher forte e decidida que cria suas duas filhas sozinha.
Nasceu em Salvador e teve uma infância lúdica. Aprendeu a driblar os problemas de casa – sobretudo o relacionamento de seus pais – bem cedo, durante as aulas de balé que frequentava desde os quatro anos de idade. No mesmo lugar, começou a ter aulas de teatro e se apaixonou totalmente pela arte.
Formada em artes cênicas pela USP, ainda na época da faculdade foi uma das cofundadoras da companhia de teatro Os Crespos, cujos trabalhos viajaram o Brasil e países do exterior.
Para Maria Gal, a representatividade preta no audiovisual ainda tem muito a caminhar, está só no início de uma mudança profunda que precisa acontecer. “Eu acho que satisfatória ainda não é a palavra, acho que está caminhando, estamos no início de uma mudança muito lenta ainda. Tanto que a gente vê essa representatividade só em determinados contextos.”
Já fez tantos trabalhos que assume ter de olhar no Wikipedia, algumas vezes, quando precisa se lembrar de trabalhos já realizados. Cria do teatro, ela encarou cinco anos da novela “Poliana”, no SBT, de onde saiu direto para voltar à Globo na trama das 18h. Emendou uma novela na outra, não era bem os seus planos, queria dar uma descansada, mas a voz da arte falou mais alto e aí ela está.
Leia a seguir entrevista que a atriz concedeu à Bazaar.
Harper’s Bazaar – Voltando lá atrás, qual sentimento te levou para a atuação?
Maria Gal – Uau! (risos) O que me levou para a atuação foi o amor, a coragem, a vontade de arriscar, de ter desafios, criatividade, tudo isso me levou desde a infância para esse caminho. Depois, um pouco mais velha, comecei a fazer teatro. Também com muita resiliência, porque a gente passa por muitos nãos.
O que o teatro representa na sua vida?
Eu comecei no teatro, né? Então representa conquista, eu sou uma pessoa muito melhor porque sou atriz, tem esse lugar de contar histórias, nossas memórias. Tudo o que eu tenho hoje foi por causa do teatro, todo o meu amadurecimento pessoal, artístico, é uma vida ligada às artes cênicas e agora também ao audiovisual.
Você já fez muitas coisas…
É verdade (risos). Quando as pessoas me pedem para mandar algo, às vezes, tenho que olhar no Wikipedia, porque eu me esqueço, realmente foram muitas coisas.
Como surgiu o convite para fazer “Amor Perfeito”?
Eu estava finalizando as gravações de “Poliana”, que eu estava fazendo desde 2017, primeiro “As Aventuras de Poliana”, depois “Poliana Moça” (SBT), aí eu fui chamada para fazer um teste para “Amor Perfeito”, isso foi entre setembro e outubro, e acabou dando certo. Nunca que eu poderia imaginar que ia emendar uma novela na outra, até porque estava querendo dar uma pausa porque já estava fazendo novela há cinco anos. Voltar para a Rede Globo depois de dez anos, neste momento em que a Globo está, nesta novela especificamente, que tem cenas tão contundentes e importantes… Acho que foi no momento certo.
De que forma compôs sua personagem, a Neiva?
É um misto de vivências, tem um pouco da minha mãe, tem também essa questão do sotaque, estudei prosódia com a preparadora. Eu me permiti experimentar. Um ponto importante também da construção da minha personagem foi a questão do afeto, ela é uma mãe que cria suas duas filhas sozinha, essa mulher que é extremamente afetiva com os seus, é também uma mulher que na década de 1940 foi dona de si, criou suas filhas mesmo sendo abandonada pelo marido.
Como tem sentido a receptividade do público com seu trabalho?
A recepção com a Neiva tem sido ótima. Muita gente reconhecendo o potencial dela, com seu lado afetuoso. A receptividade tem sido maravilhosa por parte do público. Tem a questão também de ela ser contundente, teve até uma cena em que a Zezé Polessa faz um comentário racista para uma das filhas de Neiva, e ela sai em defesa da menina de forma direta. Então é interessante ver como as pessoas neste momento ficam muito com a Neiva também, esse lado dela meio leoa.
Você acha que a representatividade preta no audiovisual está satisfatória?
É uma ótima pergunta. Eu acho que satisfatória ainda não é a palavra, acho que está caminhando, estamos no início de uma mudança muito lenta ainda. Tanto que a gente vê essa representatividade só em determinados contextos. Tem uma questão muito importante que é o fato de só a representatividade não bastar, é importante ter um trabalho contundente por trás das câmeras. O que eu percebo é que estamos no início de uma caminhada e que tem muitas coisas para mudar. Tem de haver muita cultura e muito letramento para cuidar dessa temática. Não está satisfatório ainda não, está no início. Estará satisfatória quando tivermos um núcleo que represente a sociedade real.
Como você analisa o cenário da arte atualmente?
Olha, a gente está em um momento agora de início de uma retomada, né? Toda essa questão governamental… A gente sabe o quanto foi problemática não só para a arte, mas para a educação, para a cultura. Precisamos de um governo que dê mais valor à arte e à cultura. Tem essa questão dos filmes norte-americanos, séries… O Brasil que ser ver cada vez mais na TV, nas telas. É um momento próspero de conquistas, de retomada. Tem algumas políticas públicas que estão sendo retomadas, de paz, de representatividade. Uma coisa que falta, inclusive, é de as empresas perceberem como elas podem ter uma frente nos projetos de audiovisual, investindo, patrocinando artistas negros, produtores negros. O audiovisual é uma indústria muito potente, maior que a automobilística até… Que estão em poucas mãos brancas, principalmente. Acho que essa democratização da arte e da cultura é extremamente importante.
Acha que o etarismo atrapalha a profissão?
Ah, demais, com certeza. É louco isso como o fato de você ir ficando mais velha vai reduzindo suas possibilidades de narrativas, de personagens. Há estudos que dizem que em 2060 teremos mais gente trabalhando com mais de 40 anos que com idades inferiores, o País está envelhecendo. Infelizmente ainda há esse tipo de preconceito.
Acha que o streaming abriu portas para mulheres atrizes, diretoras etc.?
Eu acho que sim, até porque quando a gente fala de streaming se fala também desses grandes players internacionais, eu acho que as portas estão se abrindo. Vemos as mulheres assumindo posições e tendo mais protagonismo negro feminino. E quando falo do negro feminino estou falando também das mulheres retintas. Essa questão do colorismo é tão cruel quanto o racismo. Quanto mais preto, mais retinto, menos oportunidades você tem. Se eu perguntar qual filme ou série nacional que você viu que tinha no cartaz uma mulher preta retinta, haverá uma certa dificuldade para se lembrar, às vezes nem se lembra. Então a gente precisa se atentar para isso.
Fale sobre seu lado empreendedora, você tem sua própria produtora, a Move Maria. Como funciona?
Sou empresária, dona da Move Maria, que é uma produtora de audiovisual que tem um propósito muito claro que é o de construir um audiovisual mais diverso, trazendo narrativas negras, tendo profissionais pretos não só na frente como por trás das câmeras. A gente tem alguns projetos que estão em captação. No ano passado produzimos um talk show chamado “Preto no Branco”, nós tivemos um grande investidor que acreditou na proposta, e fomos ao ar na Band News e no Arte1, chegamos a mais de 10 milhões de pessoas impactadas. Agora estamos reestreando esse talk show no streaming da Claro. Eu também estou como apresentadora, e entrevisto pessoas diversas para falar sobre racismo e finanças, diversidade no mundo corporativo, intolerância religiosa e outros temas.
Como você concilia tantos afazeres gravando uma novela?
Ah, nem eu sei, sinceramente. Eu não sei se trabalho mais quando estou nos estúdios Globo ou se quando estou na empresa. Porque são tantas as frentes para tocar… As redes sociais mesmo funcionam como uma empresa, eu tenho que postar, e tocamos ativamente o Instagram, o TikTok, o LinkedIn.
Quais são os próximos projetos?
Então, nós temos o talk show, que pretendemos fazer uma segunda temporada, temos outros projetos de variedades e de diversidade que já estamos conversando com empresas. Mas basicamente é isso, levar para o audiovisual a diversidade com a pauta da representatividade e narrativas negras. Tem também um outro programa que a gente vai produzir para o canal E!, e outros que eu ainda não posso falar.
Eu li que você no passado, lá atrás, até chegou a pensar em ser freira, é isso mesmo?
(Risos) É isso mesmo, porque eu estudei em um colégio de freiras, quando ainda morava em Salvador. Na época eu tinha muito essa questão católica… Então, nesse período, pensei mesmo em ser freira. Mas acho que não ia ser fácil não, (risos), iam me botar para fora.
Fale sobre a Cia Os Crespos, da qual você é uma das fundadoras.
A companhia nasce em São Paulo, quando eu ainda cursava a Escola de Arte Dramática da USP. Além de mim, entraram outras pessoas pretas, e nós começamos um movimento, era um grupo de estudos sobre nossas histórias negras, e daí acabou virando um grupo de teatro, com o qual fizemos alguns espetáculos. Acho que com o Crespos eu dei uma vazão muito grande para esse meu lado empreendedora. Porque começo a fazer teatro em Salvador, com grupos que tinham esse lado empreendedor, daí eu migro para São Paulo, e lá eu sinto falta de ver referências, pessoas negras nos palcos, no teatro alternativo, progressista, enfim. E aí a gente cria o grupo, com isso tínhamos que ver formas de fomentar, inscrever em editais, esse tipo de coisa. Então acho que foi muito importante para o meu lado empreendedora. Depois eu me mudo para o Rio e vejo uma outra forma de ser empreendedora criando a minha empresa. Com o Crespos foi muito bacana, viajamos para a Alemanha, Espanha, foi muito importante para a minha trajetória ter fundado a companhia, com certeza.
Como cuida da beleza?
Ai, eu precisava até cuidar mais… É aquela coisa, tem que ir ao dermatologista, fazer limpeza de pele. Eu gosto também de cuidar da minha saúde, não só da estética. Tem a questão da academia, que para mim é muito difícil, mas eu tento manter a rotina. Acho que a gente se sentir belo, se sentir bem é o que importa.