
Filipe Ret veste look todo da Dior| Foto: Hudson Rennan
Por Gilberto Júnior
Semanas atrás, Filipe Ret decidiu que iria se desdobrar para colocar em prática quatro metas diárias: treinar, criar, namorar e cuidar do filho, o pequeno Theo. A intenção é progredir e viver, na mesma medida. Não que esteja seguindo à risca a listinha. Às, vezes, é atropelado pela falta de rotina, comum a astros dessa magnitude. Mas ele persiste. O carioca, de 38 anos, fala em doutrina e atitude. Quer ser um exemplo, à sua maneira, para uma legião de jovens que o tem como uma espécie de oráculo, que traduz os anseios de uma geração por meio de letras afiadas e batidas eletrizantes. “Acredito que um dos papéis mais importantes do rap é fazer as pessoas sonharem o mais alto possível. No passado, O Rappa, Racionais MC’s e Planet Hemp me ensinaram a agir; e eu, de alguma forma, sou exemplo para meus fãs. Estou repassando os fundamentos, que não são santos, mas fazem parte da minha cultura. Enxergo com clareza esses preceitos, o caminho. Precisamos de um líder. Gostaria que meu filho entendesse a doutrina de seu pai, a maneira como ando.”
Theo, de 5 anos, fez surgir a melhor versão do rapper. O rebento é uma das razões para Filipe celebrar quando tem um final de semana livre no mês, o que é raro. “Quero me aproximar do meu menino, dos meus pais. Estar com eles em ambientes bonitos e confortáveis. Volta e meia, reclamo com meu escritório que estamos muito na estrada para shows ou com a agenda ocupada com outros compromissos. Não estou reclamando ou enviando uma mensagem para Deus que não desejo subir no palco. Porém, necessito de tempo para criar. Montei um estúdio em casa e estou conseguindo produzir à beça. As folgas melhoram minha dinâmica”, diz o carioca, nome por trás da gravadora Nadamal — Mc Maneirinho, Caio Luccas e TZ da Coronel estão no casting. “Gerenciar artistas é um desafio gigantesco. A rapaziada chega com várias manias e faz parte do meu trabalho detectar o que podemos melhorar. Uso minha experiência para não cometer erros. Apanhei bastante para aprender. Houve uma época em que meu segurança me emprestava sua arma e levava cocaína para mim. Na minha equipe, tinha gente viciada em maconha, cigarro, álcool e sexo. Era uma loucura. Para me profissionalizar, demiti meu tio do comando do escritório porque ele estava reduzindo muito o cachê, prostituindo o negócio. Revi a cadeia inteira para estar aqui hoje.”

Filipe Ret veste calça e casaco Forca Studio e tênis Dolce & Gabbana | Foto: Hudson Rennan
Filipe é um dos maiores expoentes do rap nacional, adorado por colegas de todos os ritmos. Anitta, por exemplo, é fã. “Gente, o que falar desse rapaz? Ele é talentosíssimo, além de ter um coração enorme”, derrete-se a estrela pop, com quem ele gravou “Tudo nosso”, hit que provavelmente estará na badalação dos 15 anos de carreira do carioca. Será um show inédito e grandioso no Rio de Janeiro, que resultará em um DVD, o primeiro do rapper. “Esse espetáculo será uma comemoração. No fim de julho, estávamos com 80% dos 13 mil ingressos vendidos. É uma bênção. Vou cantar músicas de diferentes etapas. Sou um artista que preza pela discografia. Cada álbum que lancei transformou a vida de um fã de alguma forma. Recebo mensagens pelo Instagram de admiradores relatando como minhas canções os ajudaram a mudar a concepção do mundo”, comenta. “Prometi que vou lançar um som para minha namorada, Agatha Sá, nesse show. Aliás, preciso terminar a letra.”
Esse espetáculo é uma oportunidade de avaliar o percurso percorrido até aqui. “Chegamos a discutir internamente se estávamos celebrando a data correta. Há quem diga que tenho duas décadas de estrada e que existem registros das minhas participações em batalhas de rima em 2002. Mas essa conta é errada. Parei durante um período. Concordei que levaríamos em consideração o momento que entrei em estúdio para produzir, em meados de 2008. No entanto, foi somente em 2013 que passei a me sustentar com os frutos desse ofício”, recorda ele. “O Ret surgiu aos 11 anos, quando pichei meu primeiro muro. E usei o nome que ganhei das ruas no início da minha trajetória. Filipe, como fui registado, foi acrescentado depois”, entrega o carioca, que percebeu que levava jeito para a indústria fonográfica aos 12, ao gravar na casa de um amigo um funk consciente de Mr. Catra. “Minha voz bateu nos beats, deu a maior liga. Desde que me entendo por gente, tive facilidade para sentir a música. Cresci ouvindo Titãs, Rita Lee, Cazuza, Caetano Veloso e Milton Nascimento com meu pai. Mas os MC’s sempre me chamaram a atenção. Eu me lembro de vê-los no programa da Xuxa e ficar encantado com as roupas pretas, os cordões. Era algo incrível.”

Filipe Ret veste casaco e saia Moun Off, colares Dolce & Gabbanna e The Fire Inside | Foto: Hudson Rennan
Nascido na subida do Morro Santo Amaro, no Catete, bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro, Filipe costuma usar suas vivências nas ruas como combustível para a arte. “Conheci a maconha aos 14 anos, mas acredito que não dei muito trabalho. Fui um adolescente moderado e vivi de forma equilibrada. Muitos amigos viraram bandidos, tantos morreram. Não fui tão acelerado como eles”, avalia. “Aliás, vai até parecer piada, mas não sou viciado em maconha. Passo dias sem fumar, tranquilamente. Dia desses, estava conversando com um amigo sobre a história de associarmos o palco às drogas e ao álcool. Acho que tem a ver com a ideia de ser algo viceral, de extrair o máximo da situação. Por muito tempo, acreditei nisso e fiz shows apoiado na bebida, mas é algo destrutível. Resolvi performar sóbrio e descobri que poderia estar ali careta; que não precisava beber descontroladamente para estar sociável.”
Ansioso, Filipe, que desenvolveu recentemente uma música sem colocar um cigarro (tradicional) sequer (“O que me deixou muito feliz”), revela que é uma pessoa de hábitos noturnos. Nunca vai para cama antes das quatro da manhã e se levanta por volta do meio dia. “Na maioria das vezes, não consigo ter um sono tranquilo. Estou tomando chá e antialérgico para tentar dormir oito horas”, observa ele, afirmando ser um cara de fé. “Atualmente, me sinto mais conectado com Deus, mas sem o intermédio da igreja. Às vezes, jogo cartas para saber do futuro. Mas confesso que não acredito, sou racional demais. Ouço e crio uma intuição em torno do que dizem. Gostaria de me entregar mais, porém não consigo. Da última vez que estive na macumba, apenas agradeci.” Dono dos hits “Invicto”, “A libertina” e “Good vibe”, o carioca está em uma fase de produção. “Estou sempre pensando no próximo disco. Mudo de casa, de namorada, de equipe… Enfim, muda tudo ao meu redor, só não abandono minha lista de músicas.”

Filipe Ret | Foto: Hudson Rennan