Por Guilherme de Beauharnais e Marcela Palhão
Depois de quase dez meses que pareceram intermináveis (quase o dobro do tempo em que Ludovic de Saint Sernin ficou no comando da Ann Demeulemeester), a estreia de Sabato de Sarno na Gucci finalmente aconteceu. Era um dos desfiles (se não, o próprio) mais aguardados da temporada, mas, às vésperas de acontecer nesta sexta-feira (22.09), durante a semana de moda de Milão, o clima ainda era de incerteza. Isso porque, na tarde de quinta-feira (21.09), a marca divulgou que o endereço da apresentação seria movido do elegante bairro milânes de Brera para o Gucci Hub, distante do centro da cidade, depois de alertas sobre as chuvas. “Recomendamos sair com bastante antecedência” foi a mensagem que os convidados presentes, incluindo Patricia Carta, diretora da Harper’s Bazaar Brasil, receberam quase 24 horas antes.
Nas portas do número 77 da Via Mecenate, onde a marca inaugurou, em 2016, seu QG de 35 mil metros quadrados, o agito dos convidados inundou as redes sociais de publicações que não deixaram escapar nenhum detalhe. Do protesto contra o uso de peles exóticas, que rapidamente foi disfarçado pela grife, a uma das listas mais recheadas de celebridades – incluindo Julia Roberts e Ryan Gosling.
Ironicamente, a Gucci fez notícia na última semana ao apagar todas as postagens de seu perfil no Instagram, deixando apenas uma imagem de seu novo diretor criativo com a mensagem “Gucci è l’occasione per innamorarmi della moda, ancora” (“Gucci é a oportunidade de se apaixonar pela moda, mais uma vez”, em português). Ancora, aliás, é a palavra em italiano que o designer escolheu para batizar seu desfile de estreia, ao lado de um tom de vermelho profundo, como aquele que já aparecia na marca já na década de 1950.
Nas mãos de Sabato, há muito do legado e repertório visual da Gucci. A bolsa Bamboo, ícone desde os anos pós-Guerra, por exemplo, retorna em versões reimaginadas como novos clássicos, atualizada com bordados e materiais brilhantes. A ideia aqui, afinal, não era de dar para a marca um ar retrô, como Alessandro Michele, em seus sete anos à frente da marca (até se despedir, em novembro de 2022) fez, com estéticas românticas e dramáticas que pareciam ter sido encontradas em cabides de brechós e outras boutiques vintage. Ao contrário, de Sarno respira e expira modernidade, com um flerte suave pelo passado – um sentimento compreensível ao se tratar de uma marca centenária.
Os arquivos da marca não apenas inspiraram peças literais, como na atualização de bolsas já conhecidas, mas também na forma como de Sarno texturizou a coleção minimalista. O icônico logo GG da marca foi bordado e gravado em saias e vestidos de couro, acrescentando outra camada a peças já conhecidas.
Nos conjuntos de alfaiataria e comprimentos míni, a sensualidade que vibra nesta temporada não é novidade para os fãs da Gucci, que ganharam o apelido de Gucci Gang ainda nos anos Michele. A visão sexy e feminina, longe da fantasia andrógina do último diretor criativo, é reminiscente dos anos de Tom Ford no controle da marca (1994 e 2004) e já estava aparente antes mesmo do desfile. Em agosto, de Sarno compartilhou o primeiro spoiler daquilo que se concretizou na passarela: uma imagem de sua primeira campanha, fotografada por David Sims, na piscina do Château Marmont, em Los Angeles, com a modelo Daria Werbowy. Semanas depois, antecedendo a apresentação, ainda mais fotos (e um vídeo) surgiram nas redes da marca, revelando o primeiro lançamento oficial do estilista para a Gucci: a linha de joalheria “Marina Chain”. As joias, naturalmente, fizeram parte do desfile, completando visuais construidos com minivestidos pretos e tênis.
Nada discretas, as divulgações do début de Sabato na marca incluíram outdoors vermelhos espalhados pela mundo, em Nápoles (cidade natal do designer), Nova York, Londres, Tóquio, Florença, Xangai, Bangkok, Paris, Roma, Chengdu e Seoul. Milão, claro, também esteve entre os destinos e foi alvo do projeto “Gucci Prospettive n.1: Milano Ancora”, uma “carta de amor” à cidade que combinou a direção criativa de Sabato de Sarno à curadoria de Stefano Collicelli Cagol para reunir obras de arte de nomes da Academia de Brera (Valerio Eliogabalo Torrisi, Martino Santori, Naoira Tafeche e Cristiano Rizzo) em uma galeria temporária na Via Fiori Chiari. Tudo acompanhado de uma publicação inédita.
No desfile, inegavelmente, há muito da sensibilidade artística que De Sarno tenta negar. Para ele, formado no Istituto Secoli, a transpiração sempre se sobrepôs à inspiração. Ainda assim, sua visão para a Gucci revela uma mistura equilibrada – resultado de seu início de carreira na Prada, em 2005, sua passagem pela Dolce & Gabbana e seus 14 anos na Valentino como braço direito de Pierpaolo Piccioli, que terminaram com uma festa de despedida emocionante.
Mas, ao mesmo tempo, Sabato é muito prático. Ao assumir uma casa que carrega tanta história – tanto ao longo dos seus 102 anos, quanto da imagem marcante criada pelo seu último diretor criativo -, o designer apresenta uma linha que conversa com as tendências atuais, modernizando o quiet luxury que não dá sinais de fadiga, e, ao mesmo tempo, funciona como um palate cleanser. Sim, de Sarno fixará uma fase mais clássica na Gucci, mas está apenas começando.
Na corrida por atenção nesta temporada de moda, Sabato de Sarno não esteve sozinho. Nos últimos dias, Daniel Lee apresentou seu segundo desfile para a Burberry, Peter Do estreou na Helmut Lang, Ralph Lauren retornou para o calendário de desfiles, Peter Hawkings debutou na Tom Ford, Simone Rocha foi anunciada como a próxima estilista convidada para criar a alta-costura de Jean Paul Gaultier e a Moschino comemorou seus 40 anos com seu primeiro desfile sem direção criativa de Jeremy Scott. Com Paris no horizonte próximo, ainda há muito assunto para a moda. Mas se ontem foi marcado por uma despedida emocionante no finale da Prada, com a aposentadoria oficial de Fabio Zambernardi (depois de quarentas anos na casa, dos quais passou os últimos como diretor de design da Prada e Miu Miu), o frescor da chegada de De Sabato promete muito para o futuro da moda, com desejo renovado e uma nova fantasia com a qual sonhar.