
Foto: Leo Aversa
Drica Moraes estava precisando de férias. Foram três anos e meio com apenas 15 dias de pausa. A atriz de 54 anos emendou duas temporadas da série Sob Pressão, gravada durante a pandemia, com a minissérie Os Outros e a novela Travessia. Agora Drica volta às telas com o filme Pérola, baseado na peça de Mauro Rasi, sob a direção de Murilo Benício. O longa foi um enorme sucesso de palco nos anos 1990, com a atriz Vera Holtz no papel principal.
“Muito bonito porque fala sobre o cotidiano de uma família de classe média, de uma forma muito delicada, com mais graça do que humor, misturado com um drama familiar. É um filme com alma. Temos visto muitos filmes de denúncia, que são necessários, mas este faz parte de um gênero que não tem se visto muito. Não me lembro de um recente que fale sobre uma família de classe média brasileira, seus sonhos, seus desejos, suas projeções de futuro, suas expectativas e a realidade que se impõe”, contou a atriz em um hotel em São Paulo, quando esteve na cidade para a premiére do filme.
Pérola, o filme, leva as cores fortes do cinema de Almodóvar para Bauru, no interior de São Paulo, cidade natal do autor. Drica já havia atuado em uma outra peça de Rasi, O Crime do Doutor Alvarenga, nos anos 1990. “A gente ia muito para Bauru, ríamos o tempo todo. O Mauro tinha um ótimo senso de humor. Eu fazia personagens para ele, e ele morria de rir. Ele era muito divertido, culto e crítico. Achava tudo aquilo muito provinciano. Ficavam umas pessoas na porta da casa para aplaudi-lo. Mas, ao mesmo tempo que criticava, gostava daquilo. Era uma figura única”.
Pérola é a matriarca de uma família classe média interiorana que ama as artes, mas preferia que seu único filho homem, Mauro (Leonardo Fernandes), se tornasse advogado. No entanto, Mauro, alter ego do autor, só quer saber de escrever poesia. Além disso, há um pacto de silêncio entre o personagem e sua mãe sobre a homosexualidade do rapaz. Pérola finge não se dar conta, apesar de ter plena consciência da orientação sexual do filho.
Maternidade
Já, Drica, não tem nenhuma expectativa rígida em relação à carreira e a sexualidade de seu filho Mateus, um adolescente de 14 anos que ela adotou quando tinha 39. “Quero formar um cidadão ético, com valores morais legais, de respeito pelo outro, de solidariedade. Quero que ele seja um homem bom, um cara legal. E que seja independente de mim, isso é muito importante, e que cuide da saúde dele. Agora como mãe de adolescente, você fica muito mais alerta nesse sentido. Em relação às tentações que todo adolescente vive, de descobertas. Mas não quero que ele seja nada profissionalmente, nem como orientação sexual. Ele só tem que me dar satisfação, afinal ele tem 14 anos. Eu dou muita liberdade, mas vigiada. Estou sempre de olho”, conta Drica.

Foto: Leo Aversa
O fato de Mateus ser um menino preto vivendo no Brasil levanta imediatamente a questão do racismo estrutural. “Ser mãe de um menino preto é fazer política todo dia. É praticar atitudes afirmativas e antirracistas diariamente. Você está o tempo todo dentro de casa com esse tema. Tento criar nele muita auto-estima. Ele é um menino lindo e carismático. A gente precisa enaltecer a beleza e não ficar nesse lado sombrio e triste. Esse, a gente lida com documentos e advogados quando acontece alguma coisa. Chama um advogado para fechar um estabelecimento, mas sem deixar isso se misturar com suas entranhas. Senão, fica um mundo muito cruel para uma criança. Você tem que criar uma couraça e seguir lutando. Sempre tento nos trazer para um lugar valorizado dentro dessa luta.”
Onda de remakes
Após o sucesso de Pantanal e da estreia de Elas por Elas na Globo , existe atualmente uma revalorização dos remakes de telenovelas. A própria Globo está planejando um remake de Xica da Silva de Walcyr Carrasco (exibida na extinta TV Manchete), na qual Drica interpretava a vilã racista Violante Cabral. Segundo Drica, “Acho ótimo fazermos esses remakes. Temos um arquivo de histórias ótimas da nossa dramaturgia, com plots incríveis. Porém essa história especificamente terá que ser muito adaptada. Os dias de hoje, não permitem que se diga o que dizia na época. É um tema bem polêmico. O anti-racismo hoje é uma luta da qual faço parte. E onde a gente tem uma série de atitudes afirmativas dentro desse movimento. Inclusive em não ressaltar tanto a violência. Se a violência contra os negros só é maldita, você fica reverberando e propagando isso. Hoje em dia fala-se muito em mostrar a beleza do povo negro. Você precisa dar esperança e não só ver os pretos retratados nesse lugar de dor e violência. Eu chicoteava a Zezé Motta na cara! Isso não pode mais. Então, um remake de Xica da Silva vai ser bem espinhoso”.
De volta ao filme…
Pérola traz várias referências cinematográficas do seu autor. O diretor Murilo Benício resolveu entrecortar o filme com algumas delas. Em uma sequência, por exemplo, Mauro está no cinema assistindo ao clássico Bonequinha de Luxo estrelado por Audrey Hepburn. Em uma das sequências mais hollywoodianas, Pérola mergulha na piscina com a qual sempre sonhou. A referência clara são os filmes de Esther Williams. “Filmamos em uma piscina no Rio de Janeiro, em Vasco da Gama, onde fazem mergulhos subaquáticos. Foi uma cena dificílima. A câmera estava submersa a 8 metros de profundidade, e eu tinha que mergulhar e ainda dar um sorrisinho em close. Ficou saindo bolhas da minha cara (risos). Não fiquei tão perfeita quanto a Esther Williams, mas fiquei feliz com o resultado”.
Entre as inspirações para criar sua própria Pérola pairava a memória afetiva de ver Vera Holtz fazendo o mesmo papel nos palcos. “Ela era um estouro. A Vera tem um outro temperamento como atriz. Ela é um trovão. Tem uma voz, um corpo, uma outra dimensão. Eu sou toda mignon, contida, delicada. Foi bonito ver que é possível ter várias Pérolas. Somos várias Pérolas. Mas, não tive muitas referências extras não. O próprio texto já trazia muitas referências”.
Família inventada
Porém, o assunto preferido de Drica é mesmo sua família inventada, como ela mesma se refere. “Falando em referências, você vai buscar no seu baú cotidiano. Quando comecei a filmar Pérola meu filho estava com 9 anos, agora ele está com 14. Ele está entrando na fase do Mauro no filme. Uma referência muito forte foi a minha mãe. Minha relação com ele veio muito forte em milhões de aspectos. E, por ele ser muito diferente de mim, tive essa compreensão de amar e aceitar o diferente, que é justamente a questão da Pérola. Você ter essa grandeza de aceitar o outro como ele é, e não como você gostaria que ele fosse. Minha família foi muito inventada. Uma adoção é uma invenção assim como uma família interracial. E eu adotei ele sozinho, o que também é uma invenção. Só três anos depois ele ganhou um pai (Fernando Pitanga, seu marido à época). Então, não é uma família tradicional, não tem um modelo. Eu pensava muito nisso”.
Ainda curtindo seu período sabático interrompido pela intensa maratona do lançamento de Pérola, Drica sonha em voltar aos palcos. “Minha formação é de teatro. Fiquei por 20 anos na Companhia dos Atores, do diretor Enrique Diaz. Agora estou namorando a ideia de voltar aos palcos”. Drica conta que vai ao teatro todo final de semana, mas ainda não retomou o hábito de voltar aos cinemas. “É, realmente, uma coisa que preciso botar na minha agenda. A gente precisa cuidar do nosso cinema. E por isso a gente precisa de políticas públicas culturais que defendem o artista. Não tem preço você ver um filme em uma tela de cinema escura com outras pessoas. É um ritual ancestral que a gente precisa retomar. Por isso, é tão importante que a gente tenha uma cota de tela para os filmes nacionais. O público merece e nós artistas merecemos”. Pérola chega aos cinemas nesta quinta, 28 de setembro.