
Erika Hilton usa vestido Dolce & Gabbana – Foto: Marcelo Krasilcic, com direção criativa de Kleber Matheus, styling por Carlos Esser, maquiagem por Lau Neves, cabelo por Camilla Alves Ferreira, Vanessa Alves dos Santos e Ana Clara Alves dos Santos, produção executiva Zuca Hub, produção de moda por Milena Ricciardi, coordenação por Mariana Simon, retoque Thiago Auge, assistente de foto Gael Oliveira, assistente de vídeo Bruno Bralfperr, manicure: Soninha Lima Nails, camareira Clarisse Aparecida Vieira Lopes, assistente de beleza Julia Boeno e locação estúdio Bob Wolfenson
Por André Aloi e Marcela Palhão
Em uma edição em que falamos sobre identidade, uma das maiores potências da política brasileira não poderia ser esquecida: Erika Hilton. A primeira Deputada Federal negra e trans eleita na história do Brasil chegou à Câmara para mostrar ao que veio, representar corpos, narrativas e direitos que na maioria das vezes são apagados nesses espaços.
“Ser esta representação é fruto da minha luta, da minha história, mas eu também sei o peso que é essa responsabilidade. Estou entendendo, aprendendo a lidar, com esse paradoxo ao mesmo tempo que é uma honra, uma alegria e uma delícia. Pretendo continuar sendo essa luz no meio das trevas, do ódio e do terror”, reflete.
Em entrevista exclusiva, Erika Hilton dividiu sua sabedoria sobre identidade, pertencimento, entre outros assuntos, com a Bazaar. Leia abaixo:
Identidade
“Muitas coisas são identidade. É a descoberta de si mesma, a busca pela sua história, o pertencimento. Identidade é ser, é estar, é saber… ‘Identidade’ são muitas coisas. De gênero, racial, de uma série de camadas. Quem somos, onde estamos e de onde viemos? Não tem uma palavra ou resposta simples e objetiva para definir identidade. É esse conjunto de coisas, ser e estar, foi, irá…”
Quem é Erika Hilton
“Eu sou resiliência, coragem e loucura. Sou uma pessoa mais madura, mais consciente, buscando ainda me entender e descobrir. Quais serão os próximos rumos que eu tomarei ao longo dos outros anos da minha vida.”
A jornada de autoconhecimento
“Durante muito tempo, demorei para ser, para descobrir a minha identidade enquanto pessoa. E aqui não falo sobre gênero, falo enquanto sujeita. Quem era um corpo que vagava pelas ruas sem pertencimento social e que, de repente, se torna uma representante, uma porta-voz de tantas outras identidades. Essa Erika Hilton de agora chega mais fortalecida, mais ancorada e mais fortificada para desbravar, cada vez mais, o mundo.”
Influência e responsabilidade
“Uma honra ser o espelho, a inspiração para outras mulheres, meninas, jovens de um modo geral. Mas, ao mesmo tempo, é uma responsabilidade gigantesca. Porque a gente está falando de uma sociedade que empurra a minha comunidade para a mazela, abjeção, negação e, ali, elas olham para mim e depositam muita esperança.
“A possibilidade de errar também diminui. Não posso errar porque não é mais sobre mim, é sobre o sonho de meninas, mulheres e pessoas que querem sonhar. Para mim, é honroso. Quando era uma adolescente, não tinha para quem olhar. Não pude imaginar que uma travesti pudesse existir para além da prostituição, para além do programa de piada – fazendo ela de caricata –, para além da manchete policial. E hoje, sei que semeio no coração dessas meninas, e dos meninos também, porque a comunidade LGBTQIA+ é gigante. Para ter a certeza de que podemos ser e estar aonde quisermos, da forma que quisermos. Isso tem um peso gigante, não é tão simples assim. E cada pessoa tem o seu percalço, sua trajetória. Muitas vezes atravessadas por vivências duríssimas.”
Representatividade
“Me sinto muito gratificada e honrada. Ser esta representação é fruto da minha luta, da minha história, mas também sei o peso que é essa responsabilidade. Estou entendendo, aprendendo a lidar com esse paradoxo, ao mesmo tempo em que é uma honra, uma alegria e uma delícia. Pretendo continuar sendo essa luz no meio das trevas, do ódio e do terror. Sei que não é tão simples quanto parece na teoria.”
O fazer político
“A política ainda é uma coisa densa, que eu levo leveza, eu faço se tornar leve. É difícil, mas eu tento fazer com que seja o mais palatável, com que seja mais divertido. E que se adeque à minha linguagem.
“Sempre disse isso e vou continuar dizendo: eu não irei me moldar e não irei me adequar à política. Ela terá que ser preparada para lidar com a inovação, com a chegada de corpos que fazem política diferente. Não fazemos a política de casta, de homens brancos, aquela política blasé, chata, cafona, ultrapassada e que não dialoga com as massas e nem com as pessoas. Que não intersecciona com outros universos. Isso traz leveza e fazer política com leveza, e sofisticação, interseccionando com outras camadas. Faz a política ser mais real e de verdade.
“Eu só suportarei e sobreviverei a aquele espaço e a todo horror que aquilo representa se puder fazer política do meu jeito. Tem dado certo, tenho conseguido fazer política séria, com responsabilidade, de qualidade, porque, às vezes, pode dar a impressão de que, quando falo isso, estamos falando de política de brincadeira. Não é fazer política de brincadeira, muito pelo contrário, é fazer política mais séria do que eles fazem. Mas é fazer política com a linguagem que a gente acredita que faz sentido. É fazer política com a cara que a gente acha que a política tem que ter. Não é mais essa cara das caravelas, não é essa cara obsoleta, ultrapassada, que fede a naftalina. É uma cara jovem, bonita com glow, com élan. É uma cara que tem conexão real. Fazer política desse jeito faz com que o meu fazer se torne mais leve. Mas não acho que tornou a política em si mais leve. Segue densa, e sigo tentando trazer leveza para ela para conseguir sobreviver.”
Amadurecimento
“Ainda tenho muito a amadurecer, sou sagitariana, sou meio louquinha. Mas chego mais forte, mais bem preparada para a vida para pensar nesta Erika Hilton de agora, que está se preparando para a dos 40 anos, dos 50. Acho que estou indo por um bom caminho.
“Não trocaria a Erika de 18 anos pela de agora. Porque a Erika de 18 anos era desesperançosa, desumanizada, submetida a uma realidade muito dura. Muito perdida por conta de todos os processos de violência a qual o corpo dela foi submetido. E foi responsável pela Erika de agora, quem sou hoje. Adoraria o colágeno daquela Erika de 18 anos, mas a mentalidade, a certeza do ser, o pertencimento, a beleza de agora não se compara com aquela. Então, sou muito feliz e agradeço a ela, também, por ter suportado, por ter resistido, por ter aguentado firme no momento que era possível acreditar que a Erika de hoje existiria. Ela aguentou, inclusive, para que eu pudesse abraçá-la, acolhê-la e dizer: tá tudo certo, vamos curar essas dores, cicatrizes e feridas.”