Maria Grazia Chiuri – Foto: Divulgação

“No creo en brujas, pero que las hay, las hay…” Que feitiço é esse que Maria Grazia Chiuri lançou na moda? Christian Dior já era fã de esoterismo, mas a diretora criativa da maison foi ainda além em sua última coleção em Paris. A inspiração, afinal, eram as “feiticeiras” de outros tempos que, sem medo de explorar a feminilidade, eram perseguidas e queimadas na fogueira. Até o calor se repetiu na sala de desfile (sempre uma das mais concorridas da semana de moda), onde cruzaram looks sem nenhuma pitada de cor. Fato é que, de lá para cá, a exploração do “feminino singular” virou mesmo pauta de moda – e por que não deveria? É um caldeirão borbulhante de possibilidades.

Em maio, Bazaar não voou de vassoura, mas foi de avião para a Cidade do México ver de perto a coleção cruise da Dior que, agora, pousa nas boutiques do Brasil. No repertório criativo, Frida Kahlo e o protagonismo feminino na arte marcaram o ritmo, que, mesmo na manhã seguinte à apresentação, ainda fazia efeito em Maria Grazia. Cores, bordados, gotas de chuva… arte em forma de roupa! Com a estilista, não importa a fase da lua e nada eclipsa as histórias que tem para contar.

Foto: Divulgação

Guilherme de Beauharnais: Trouxe um presente do brasil para você, nossa nova edição!
Maria Grazia Chiuri: Que incrível! Agora tenho algo para ler e me divertir enquanto relaxo mais tarde.

GDB: Imagino que precise mesmo relaxar (risos). Foi uma noite intensa e você comentou que foi um dos momentos mais emocionantes que já vivenciou.
MGC: Eu estava muito emocionada, especialmente depois de ter trabalhado com Elina Chauvet. Ela fez uma linda instalação na Itália e, curiosamente, é mais conhecida lá do que no México, apesar de ser mexicana. Sua obra é muito inspirada em outra artista, Pippa Bacca, que também adoro.

Maria Grazia Chiuri no pátio do Colégio de San Ildefonso, onde Frida Kahlo estudou. As modelos usam vestidos brancos com mensagens feministas bordadas pela artista Elina Chauvet – Foto: Divulgação

GDB: Trazer o desfile cruise da Dior para o México foi uma das novidades que mais animaram a moda este ano. Como foi a decisão de organizar uma apresentação aqui?
MGC: Quando visitei o México pela primeira vez, percebi que era um lugar cheio de histórias. Quis traduzir isso de alguma forma, e essa foi a razão pela qual convidei Elina para fazer parte desse projeto. Para mim, o que ela fez é inacreditável. Com cada bordado, ela denunciou um tipo de violência diferente sofrida pelas mulheres. É algo horrível, mas tratado com uma linguagem poética que me tocou profundamente.

GDB: A chuva inesperada foi uma das protagonistas da noite. Quando o desfile terminou, todos comentaram sobre a cena se tornou quase cinematográfica. Você também sentiu dessa forma?
MGC: Honestamente, estávamos todos preocupados nos bastidores. As modelos entraram em pânico e tivemos de descer para confortá-las. Ao final do desfile, quando apareci na passarela, debaixo da chuva, fiquei feliz por tudo ter dado certo.

GDB: Você já havia referenciado o México na temporada cruise de 2019. Por que a decisão de revisitar a cultura agora?
MGC: Acredito que é um reflexo do que faço há muito tempo na moda. Desde que comecei, a indústria passou por uma enorme revolução e isso faz com que tenhamos que refletir constantemente. Nos últimos meses, pensei muito sobre o início da minha carreira e sobre quando visitei uma exposição, em Roma, sobre Frida Kahlo. Isso foi antes de eu me tornar designer e, apesar de ainda não ter educação suficiente para compreender tudo aquilo, foi o bastante para me inspirar.

GDB: Inspirar como?
MGC: Em tudo. Na arte e na moda, existem muitas pioneiras. Frida foi uma delas. Gênero, identidade, colonialismo, acessibilidade… Ela já tocava nesses assuntos antes de se tornarem as pautas que são hoje. Para mim, isso é poder. Ela é a artista mais poderosa, revolucionária e contemporânea do mundo.

GDB: Um ícone, então?
MGC: Absolutamente. Sempre me perguntei o porquê de a moda ser tão interessante para as pessoas e cheguei à conclusão de que é porque ela é uma forma de criar e transformar identidades. Sinto o mesmo sobre o trabalho de Frida.

GDB: Antes de você, John Galliano e o próprio Christian Dior já haviam referenciado o México na maison. Com você, o que há de diferente?
MGC: Tudo está ligado ao tempo. O monsieur Dior criou para as mulheres que passaram pela guerra. A intenção era resgatar um sentimento positivo, de luxo após escassez. Por isso, seus vestidos eram cheios de bordados. Galliano, no meu ponto de vista, é um estilista completamente diferente. Sua ideia é mais teatral. Meu olhar, como designer, é de fazer roupas confortáveis, que possam viajar o mundo. Sou obcecada por simplificar. Penso que as roupas são a primeira casa do nosso corpo.

As peças foram feitas em colaboração com artistas e artesãos locais, como as tecelãs e bordadeiras de Yolcentle, Sna Jolobil e Rocinante – Foto: Divulgação

GDB: Muitos te enxergam como uma revolucionária. Nos sete anos em que você está à frente da Dior, fundada há mais de 75, o que você diria que mudou?
MGC: Antes de assinar o contrato para me tornar diretora criativa da Dior, expliquei a importância que o protagonismo feminino tem para mim. A feminilidade está na essência da maison, mas a narrativa estava ultrapassada. Tudo era sobre silhuetas… E feminilidade não é sobre silhuetas. Ajudei a transformar isso, a trazer sensibilidade para esse tema, que vai muito além de clichês de gênero. É preciso reconhecer que, falar sobre a mulher, hoje, exige conhecimento, educação, diálogo. Nasci em Roma, em uma época em que religião e tradição falavam mais alto do que qualquer outra coisa. Quando estava na escola, esse era um assunto ignorado, diferentemente do que vi acontecer com a minha filha.

GDB: E você levou o desfile para uma escola.
MGC: Exatamente. A educação é o maior poder transformador que existe. É ela quem dá oportunidade para que as pessoas amadureçam, evoluam. O que aprecio na mídia de hoje é a possibilidade de encontrar todos os tipos de informação. Muitos dos problemas que a moda viveu no passado, como a apropriação cultural e a perpetuação do colonialismo, vieram da falta de informação. Moda era assunto técnico, não cultural.

Foto: Divulgação

GDB: O México é rico em manifestações e expressões artísticas coloridas. Talvez, por isso, a expectativa era de que a coleção tivesse paletas elaboradas, ao contrário do minimalismo de brancos e pretos que dominou…
MGC: Ah! (risos) Isso é porque a minha imagem de México nasceu com fotografias em preto e branco, de mulheres fotógrafas como Graciela Iturbide e Lola Alvarez Bravo. Minha “imaginação mexicana” é monocromática.

GDB: A borboleta também foi um elemento emblemático no desfile, como um símbolo de mudança. Como mulher e estilista, sente que está em transformação?
MGC: Completamente. Me transformo todos os dias. Meu corpo muda todos os dias (risos). Acho impossível alguém se manter igual por mais de 24 horas. A transformação é parte da natureza. Mais do que isso, é uma necessidade para mim.

GDB: Uma das principais, talvez, tenha sido sua cor de cabelo (risos). Decidiu abandonar o loiro?
MGC: Eu estava entediada de ser loira. Comecei a descolorir meu cabelo em 2016 e ele estava começando a ficar frágil. Meu sonho mesmo é ficar grisalha, mas até para isso precisa de descoloração (risos). Meu cabeleireiro me disse: “Por favor, Maria Grazia, pare um pouco!”. Então, estou dando um tempo. Quem sabe no futuro…

 

Esta entrevista foi publicada originalmente na edição de novembro/2023 da Harper’s Bazaar Brasil.