
Nicole Calina usa look Foz – Foto: Carlos Davi, com direção de Filipa Bleck, beleza por Adriel Lucas
Por Simone Quintas
A moda brasileira está finalmente entendendo que o universo criativo não termina nas fronteiras da região Sudeste. Estilistas de outras partes do País, especialmente do Nordeste, vêm ganhando notoriedade ao beber de fontes regionais, mostrando o Brasil para os brasileiros e o mundo – um movimento sem precedentes, que engloba design (de produtos a interiores e arquitetura) e faz valer, com força, a ideia de que, para ser global, é preciso ser local.
O alagoano Antonio Castro, 29 anos, nome por trás da marca FOZ, faz parte dessa nova geração de estilistas digna de atenção. São eles, afinal, os responsáveis pela estrada que se abriu no caminho para a brasilidade moderna. Estrada esta, diga-se de passagem, que sempre existiu, mas está sendo trilhada há pouco tempo. A FOZ é um manifesto à artesania e aos conhecimentos de tradição: não apenas em estampas que homenageiam um único processo artesanal, ou uma sessão de fotos feita em uma comunidade local. Ao contrário, Antonio traz a cultura para o holofote, divulga e valoriza histórias, técnicas e pessoas, movimentando, com respeito, uma economia criativa e circular.

Nicole Calina usa chapéu de palha da nova coleção da Foz, apresentada no SPFW – Foto: Carlos Davi, com direção de Filipa Bleck, beleza por Adriel Lucas
Nascido em Maceió, capital de Alagoas, mudou-se para São Paulo aos 19 anos, onde cursou Moda no Centro Universitário Senac. O grande estalo em busca de sua identidade artística se deu na exposição A Casa Bordada, em 2017, do designer têxtil Renato Imbroisi. Na ocasião, Antonio se lembra de ler uma frase de Leon Tolstói: “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. Ali entendeu que o artesanato era uma importante expressão do lugar de onde vinha e que esse fazer popular tradicional poderia trazer a identidade que buscava para seu trabalho. Ainda assim, deixou de lado a moda depois que se formou para focar em design de produto, uma conexão íntima com o artesanato. Percebeu que esse lugar ainda não existia na moda e, como ele mesmo diz, “criei pra mim o emprego que não encontrei”. Nasceu assim, em dezembro de 2020, a FOZ, marca original que levanta a bandeira nordestina. São roupas que valorizam bordados de tradição das cidades alagoanas de Entremontes, Marechal Deodoro e Capela, e os trançados de palha de Ouricuri, em Coruripe. Eventualmente, também trabalha com objetos em madeira feitos em parceria com artesãos da Ilha do Ferro, comunidade às margens do rio São Francisco.
Na 56ª edição da São Paulo Fashiom Week, Antonio levou a plateia a uma viagem surreal em seu desfile Alambique Fantasia, alusão brasileira ao filme A Fantástica Fábrica de Chocolate. Como convite, um bilhete dourado e um tijolo de rapadura foram o passe, marcando a conexão entre o pop e o popular. Nos 30 looks, bordados livres, redendê, filé, cerâmica, patchwork, entalhes em madeira, trançados em palha e crochês – além de tipologias cheias de identidade, inspiradas na cana-de-açúcar e seus derivados: rapadura e cachaça.
Por trás do tema, a crítica. “O Brasil foi inventado para enriquecer a colônia e não para andar com as próprias pernas. A cana foi trazida para fornecer açúcar, mas o brasileiro se apropriou disso e criou a rapadura e a cachaça”, diz o estilista. Nas roupas, o “efeito da cachaça” aparece nos pontos do bordado e da renda (que não se encontram), e nas letras desiguais. Antonio Castro, com seu alambique fantástico, traz a sobriedade necessária para refletir sobre as origens nacionais e se apropriar do orgulho pela identidade plural.