Erika Hilton usa vestido Dolce & Gabbana – Foto: Marcelo Krasilcic, com direção criativa de Kleber Matheus, styling por Carlos Esser, maquiagem por Lau Neves, cabelo por Camilla Alves Ferreira, Vanessa Alves dos Santos e Ana Clara Alves dos Santos, produção executiva Zuca Hub, produção de moda por Milena Ricciardi, coordenação por Mariana Simon, retoque Thiago Auge, assistente de foto Gael Oliveira, assistente de vídeo Bruno Bralfperr, manicure: Soninha Lima Nails, camareira Clarisse Aparecida Vieira Lopes, assistente de beleza Julia Boeno e locação estúdio Bob Wolfenson

Nesta segunda-feira (29.01), é celebrado o Dia da Visibilidade Trans, data que marca a luta por direitos iguais, respeito e representatividade de transexuais e travestis. A data foi instituída em 2004, como marco da manifestação de ativistas transgêneros no Congresso Nacional, ato a favor da campanha “Travesti e Respeito”.

À convite da Bazaar, oito personalidades dão seu depoimento sobre a importância da data. Leia a íntegra abaixo:

Indra Haretrava

“É impossível, em um único dia, as pessoas compreenderem nossas especificidades e as complexidades em ser uma pessoa transvestigênere. Esta data nada mais é do que um marco para que a sociedade lembre e relembre de que a gente existe todos os dias do ano. Um lado todo esperançoso meu imagina que, em breve, a cisgeneridade vá entender a importância de ter pessoas como nós a sua volta – a perspectiva de vida, nossa maneira de enxergar o mundo é extremamente importante para a construção de uma sociedade mais saudável.

“Nunca vou esquecer um dia, em que estava em uma papelaria, e veio uma criança correndo, de longe, afoita, para me fazer a seguinte pergunta: ‘você usa roupa de menina e tem pelo de menino, o que você é?’. Ela estava com o avô e a avó, que ficaram um pouco assustados com a falta de filtro da criança, mas eu adorei. Disse ‘eu sou uma travesti. Existe homem, mulher e travesti. É uma terceira possibilidade de identidade, o que você achou?” e ela “ah, eu gostei”. O que me encanta é, primeiro, a pureza da criança, mas acho que sobretudo a curiosidade em querer compreender, entender outras possibilidades de existência.

“Tenho ficado extremamente feliz em ver diversas personalidades trans acessando diversos lugares da sociedade. Seja na política, nas artes, na saúde. Meu processo de transição se deu sobretudo por eu poder me enxergar em outras pessoas, representatividade importa. Isso faz com que a gente adquira algo que eu admiro muito, que é o direito de sonhar. Isso me deixa extremamente feliz, porque é uma contribuição, não só para a geração de agora, mas as que virão também.”

Foto: Felipe Paes

Erika Hilton

“Acho que o dia 29 de janeiro é uma data tanto para refletir quanto para comemorar. Se nós não comemorarmos os pequenos avanços, que temos conquistado ao longo do tempo, a luta não faz sentido e perdemos o reconhecimento das nossas próprias construções. É preciso, sim, os passos que estamos dando, mas sem deixar de refletir tudo ainda que é preciso construir, as perdas, as violências, os retrocessos, os ataques constantes contra a nossa vida, os nossos direitos, os nossos corpos, as nossas famílias e as nossas relações.

“Uma das coisas que mais me tocam emocionalmente quando falamos da pauta trans é, sem sombra de dúvidas, a execução brutal de uma travesti. Como foi o caso de Dandara dos Santos. Lembro com muita ojeriza e também com muita dor. Me toca profundamente a brutalidade, o ódio e a violência que acometeu o corpo de uma mulher daquela maneira, pelo simples fato de ela ser quem ela era.

“Temos muito o que ainda avançar, mas nós chegamos a lugares que eram inimagináveis. Estamos batalhando e brigando cada vez mais pela nossa representatividade, ecoando nossas vozes para gritar pelos nossos direitos. Um dia de cada vez, estamos construindo, colocando novos tijolos de construção na luta por direito. Pensar, por exemplo, em deputadas federais trans, artistas, cantoras que tiveram seus talentos reconhecidos, antes era inimaginável, isso é fruto das nossas batalhas diárias.

“Avançamos consideravelmente até aqui e seguiremos construindo os avanços que merecemos e acreditamos, só não toleraremos mais o mundo sem nós, não aceitaremos mais sermos empurradas, esmagadas e jogadas para fora. Queremos uma cidade que nos inclua e que, nesse dia 29 de janeiro, possa trazer essa reflexão a toda a sociedade. A luta trans não é uma luta apenas de pessoas trans, mas é uma luta também da cisgeneridade.”

Daniel Zezza

“Sou um homem trans e poder falar sobre visibilidade trans na data de hoje, pra mim está sendo bem especial, porque é o primeiro Janeiro que eu consigo, de fato, celebrar minha existência como um todo. Recentemente, fiz a minha cirurgia, retirei os intrusos, comecei a harmonização tem dez meses, então ano passado foi um ano de reestruturação, de grandes encontros comigo mesmo. Porque até então, nem conseguia me olhar no espelho direito. Anos atrás, sofri uma violência que me gerou grandes traumas, e me colocou em uma caixinha de insegurança e medo, que eu não queria de forma alguma externalizar mais quem eu era.

“Ter pessoas que nos apoiam é um dos grandes pilares para a gente conseguir ter nosso equilíbrio, pois sofremos de todos os lados: na rua e com nós mesmos, porque nossas disforias são nossos monstros. Hoje, consigo celebrar, olho para tudo que passei no passado e só consigo agradecer, por estar vivo e com quem estou hoje. Não tem nada que pague a gente ser amado por quem a gente é. Na minha perspectiva, só tenho a agradecer e vibrar, porque poderia ter sido uma estatística e não estar aqui, somente por ser quem eu sou, já que ainda somos, no mundo, o país que mais mata a comunidade LGBT. Os desafios são grandes, mas não mudaria e nem escolheria ser outra pessoa. Mesmo em outra vida, escolheria ser eu, todas às vezes: escolheria ser um homem trans. E é importante lembrar que não estamos aqui só para caber em janeiros, mas para existir todos os dias.”

Foto Acervo Pessoal

Valentina Saluz

“Infelizmente não é um dia de celebração. E sim, um dia de reflexão. Muitas batalhas a serem ganhas, muitas lutas para vencer. Acredito que no futuro podemos celebrar, mas ainda não. O primeiro dia que tomei meu hormônio e comecei a fazer terapia hormonal me marcou demais. Me inspirei em uma amiga minha que me disse que existia felicidade, que era possível ser respeitada, que era possível viver e ter o direito de ir e vir. Acho que é essa a nossa meta, poder ir e vir. O maior desafio para a gente com certeza é a nossa sobrevivência. Na maioria das vezes somos colocadas para fora de casa, expulsas, não temos para onde ir, o que comer, o que fazer, não temos oportunidades. Hoje, a minha conquista, a nossa conquista, é ter voz.”

Foto: Acervo Pessoal

Renata Bastos

“É um momento em que temos que olhar para as nossas ancestrais. Olhar para ela como quem nos deu força para estarmos vivas no presente e no futuro. Construindo um momento em que nossas vidas sejam respeitadas e valorizadas como qualquer outro ser humano. Sejamos livres, nossos corpos transvestigêneres merecem viver.”

Foto: Acervo Pessoal

Assucena

“Sou cantora, compositora e mulher trans. Hoje, 29 de Janeiro, é o dia da visibilidade trans. Um dia muito importante para pessoas trans, travestigêneres e não-binárias. Esse dia traz em si o significado de existência. De trazer à memória e a existência de pessoas que tiveram as suas trajetórias apagadas socialmente, politicamente, que tiveram as suas demandas sanitárias, sociais, apagadas. A gente quer dizer: não, nós não seremos apagadas, nós existimos! Esse dia é para lembrar da nossa beleza, da nossa produção de linguagem, da nossa produção de cultura e de arte. Viva as pessoas trans!”

Foto: Natalia Mitie

Magô Tonhon

“Sou maquiadora e arquiteta da beleza, além de consultora em diversidade. Hoje, venho para dizer que esse dia é sobre refletir e celebrar, ao mesmo tempo, refletir sobre os vinte anos que marcam esse Dia Nacional da Visibilidade Trans que começou lá atrás, há 20 anos, quando um grupo de travestis brasileiras da sociedade civil organizada se reuniu no Congresso Nacional, em busca de uma campanha sobre respeito e sobre direito e acesso à saúde, e também para celebrar. É um dia de celebração, para comemorar, e para ferver também. Fervo também é luta: se reunir, congregar e saber também para onde serão lançadas as nossas pautas, os nossos debates, a nossa atenção e alargamento.

É o dia das políticas do dia a dia, não apenas da política institucional, mas como um todo: da política que vai semear cada vez mais vida, garantir e também produzir vida, para que a gente possa falar de pessoas trans na totalidade, em suas plenitudes, em suas belezas. Diante de uma sociedade que não nos quis durante muito tempo, que nos afastou disso que significa a beleza e que nos quer cada vez mais despotencializadas.

Um momento icônico para mim, no dia que marca inclusive a instauração do dia 29 de janeiro como Dia Nacional da Visibilidade Trans, é Keila Simpson, é Fernanda e tantas outras mulheres trans, travestis, e pessoas trans como um todo, quando elas se reuniram aqui, no Congresso Nacional, em busca de direito à saúde e respeito com a campanha Travesti e Respeito. Elas são precursoras de uma batalha que segue até hoje, mas também para que a gente pudesse correr, elas estavam correndo ainda mais, para que a gente pudesse caminhar, elas estavam semeando esses espaços, esses caminhos para a gente. Então, muito obrigada a toda a nossa transancestralidade que possibilitou que hoje a gente tivesse acesso a um pouco mais de direito, e que a gente possa continuar alargando ainda mais essas noções.”

Foto: Reprodução/Instagram

Sam Porto

Tenho refletido profundamente sobre a falta de representação e os desafios enfrentados pelos transmasculinos, tanto em mídias de modo geral, quanto em eventos e programas de TV. É notório como as vozes e presenças, muitas vezes, são subestimadas, deixadas de lado em uma narrativa que deveria ser inclusiva e diversificada. A sociedade muitas vezes encaixa pessoas trans apenas sob a perspectiva das narrativas de mulheres trans, e raramente esses convites ou olhares também vêm para nós. A falta de oportunidades para os transmasculinos não se deve à falta de existência. Vi amigos frisando, concordo e acho importante, também, ressaltar que apenas visibilidade não é suficiente para garantir sustento financeiro. A visibilidade é crucial, mas sem oportunidades reais e igualitárias, torna-se apenas um vazio simbólico.

Não podemos ignorar a persistência da transfobia, que continua a nos colocar em situações de vulnerabilidade e discriminação, tanto nas ruas quanto nas redes sociais. Os ataques e o preconceito online são uma triste realidade que muitas pessoas trans enfrentam diariamente, destacando a urgência de combater a intolerância em todos os espaços. O Dia da Visibilidade assume uma importância significativa em nossa luta. É uma oportunidade para celebrar nossa diversidade e reafirmar nosso compromisso com a igualdade e o respeito, fortalecendo nossa comunidade e construindo um mundo mais inclusivo e acolhedor. A data serve como um lembrete poderoso da necessidade contínua de avançar em direção a uma sociedade mais justa e compassiva para todas as pessoas trans. Mas, para isso, precisamos do apoio da cisgeneridade o ano inteiro independentemente do mês da visibilidade.

Foto: Acervo