
Pat McGrath | Foto: Divulgação
por Vanessa Rozan
Se você está aqui é porque certamente foi impactado pela beleza do desfile de alta-costura da Maison Margiela, que aconteceu embaixo da ponte Alexandre III na última semana de moda de Paris. A comoção foi tamanha, e, hoje, a gente mede isso pelo impacto dela nas redes sociais – que era o único assunto no meu feed. Vi vídeos engraçados de pessoas imitando o caminhar das modelos, um jeito bem peculiar e cenografado de andar e grupos recriando os formatos de corpos refeitos no desfile como tema de fantasia.
Muito se falou sobre as roupas e, também, sobre a redenção do estilista, mas o que qualquer pessoa que já segurou um pincel na mão queria mesmo saber era como Pat McGrath, maquiadora do desfile, tinha criado um efeito de porcelana sobre a pele dos modelos. Surgiram teorias sobre possíveis produtos e testes de todo tipo, de aplicar cola branca (aquelas de material escolar) sobre o rosto até divulgar prints de trocas de mensagens com membros da equipe de Pat que diziam ter usado uma mistura secreta parecida com um enxaguante bucal, meio azulada. Ninguém sabia o que era aquilo, mas era certo que tinha transformado o jeito que criamos e vemos maquiagens de desfiles.
Atualmente, Pat McGrath é a maquiadora mais influente da minha geração. Ela gerou inúmeras imagens que inspiraram muitos profissionais, lançou uma linha de beleza em 2015 que quatro anos depois já valia um bilhão de dólares, assinou diversas capas de revistas com modelos e celebridades. Essa mulher é um acontecimento. Lendo esse pequeno currículo acima, fica difícil entender sua dimensão na indústria da moda e da beleza. Antes mesmo de lançar a sua grife, chamada Pat McGrath Labs, ela desenvolveu produtos para muitas marcas, incluindo a linha completa de beleza da Giorgio Armani, em 1999. Por muitos anos, ela foi diretora criativa global da Procter&Gamble Cosmetics, com rumores de que chegou a receber um salário acima de um milhão de dólares. Dizem que ela viaja com mais de dez malas de maquiagem para as semanas de moda e leva sua equipe toda de férias quando a maratona acaba.
Pat mudou-se para Londres em 1980, onde conheceu John Galliano e Alexander McQueen. Foi dessa parceria com Galliano que nasceram diversos de seus visuais mais icônicos. Recomendo fortemente o documentário “Ascensão e Queda – John Galliano”, produção sobre Galliano lançada em 2023 e que chega em breve ao catálogo da plataforma online MUBI – cine bibliografia básica para entender a nossa conversa aqui. O documentário apresenta um repertório imenso das imagens de beleza dos desfiles, e dá pra ver quão importante o trabalho da maquiagem é para contar a história de cada um dos shows do estilista durante os quinze anos em que trabalhou na Dior.

Maquiagem para o desfile de alta-costura da Maison Margiela | Foto: Foto / Instagram @patmcgrathreal
Só que, na contramão da velocidade criativa exigida por uma grande marca para o calendário anual de moda, o desfile de inverno 2024 da Maison Margiela teve um tempo de preparação que permitiu tanto Galliano quanto McGrath trabalharem em uma alquimia única. Logo após o desfile, surgiram tantas teorias sobre a maquiagem e a histeria foi tamanha que Pat resolveu contar tudo em uma live no Instagram, alguns dias depois do evento. Por lá, ela relatou estar a três anos misturando produtos para desenvolver a química ideal que construiu o efeito vítreo na pele das modelos. A preparação da equipe de beleza que fez esse desfile começou semanas antes, com muitas sessões de testes e treinos para que nada saísse do controle no dia. Ela mencionou na live que eles trabalharam em esquema militar, com doze horas de preparo total, entre chegada dos profissionais e modelos prontas.
Enquanto ela e equipe revelavam todo o passo a passo da maquiagem-desejo, eu via a indústria da beleza em peso acompanhando nos comentários e vibrando a cada novo produto usado. Para resumir aqui (vale assistir a live, que ficou gravada em seu perfil do Instagram), a maquiagem começa com formas inspiradas na beleza dos anos 20 mas traz cores e brilhos metálicos que lembram tons de pedras preciosas, só que cada modelo tinha uma combinação de cores e texturas diferentes. E por cima da maquiagem “normal” vem o tal milagre: uma mistura de diversas máscaras faciais tipo peel-off diluídas em água e aplicada em camadas com um aerógrafo. A cada camada, era preciso secar a face das modelos com secador. Conforme ela ia mostrando no vídeo, as pessoas ficavam mais enlouquecidas nos comentários, todo mundo ali sabia que presenciava uma espécie de evento histórico da indústria da beleza. Dois produtos foram colocados antes dessa parte, uma cola nas partes mais flexíveis do rosto, para que a máscara brilhante não soltasse, e uma camada de um tipo de gloss líquido da Kryolan.
Pat McGrath dando um salve pra maquiagem muito elaborada, bem distante da grande trend da #CleanGirl que assumiu as redes sociais no ano passado, ela inaugura uma nova técnica de pele de boneca nada real, separando maquiagem artística de social e estabelecendo um novo padrão de beleza que vai no caminho de algo que quase só poderia ter sido criado por uma inteligência artificial, a maquiagem como ferramenta de escapismo da realidade. Depois de Mermaid Core, Barbie Core, Angel Core, trends que devolveram a possibilidade de sonhar outro mundo através de uma beleza não-humana, em breve a linha Pat McGrath Labs lançará um produto vai dar esse mesmo efeito da mistura secreta e todos nós estamos aguardando ansiosamente para ir até a padaria com nossa pele glaceada e brilhante como a criada por Pat.