
Foto: Ruy Teixeira (Livros gentilmente cedidos pela livraria Gato sem Rabo)
Por Jéssica Balbino
Listas são gostosas de acompanhar e penosas de serem feitas. Sempre fica alguém de fora. Algo que não foi dito. Alguém que poderia estar ali. E sempre marcam nomes que alcançaram algum destaque para a curadoria. Pensar em nove autoras do eixo sul-global foi um desafio e tanto, porque são inúmeras as mulheres escrevendo nesse recorte geográfico e que merecem estar em listas e/ou serem lidas. Selecionar as que mais tocam, emocionam, conversam com os leitores e trazem novidades, contemporaneidades, elementos de vanguarda a serem apreciados foi turbulento. Mas que incômodo gostoso pensar que temos tanta gente interessante publicando e chegando traduzida ao Brasil.
Luciany Aparecida (Vale do Rio Jiquiriçá, Bahia)
Das vozes mais impressionantes da literatura brasileira contemporânea, Luciany é completa. Escreve romance, como o Mata Doce, em que bota o Brasil no divã e conta da vida de mulheres que fugiram do escravismo e de opressões da heteronormatividade. Na obra, entrega uma câmera na mão das personagens do sertão brasileiro que sempre estiveram silenciadas e lhes diz: conte sua própria história. O resultado é um exercício incrível de forma, estética e surpresa. Mas não para por aí. Luciany é também autora do livro de poemas Macala (Círculo de Poemas, 2022), da dramaturga Joana Mina (Paralelo 13S) e também assina, como Ruth du Caso, os livros contos ordinários de melancolia e Florim (ambos publicados pela Paralelo 13S).

Luciany Aparecida (Foto: Divulgação)
Tatiana Pequeno (Rio de Janeiro, RJ)
Natural do Rio de Janeiro, Tatiana Pequeno chama a atenção em uma crescente, com seus livros de poemas, com destaque para Onde estão as bombas (Macondo), Tocar o Terror (Cult Editora) e o mais recente Teoria da ressecção (Patuá). Com imagens do cotidiano, personagens que partem de perguntas sobre si mesmos e ódios comuns, a autora carioca se faz na poesia como expoente contundente da contemporaneidade. Com pausas onde elas são necessárias e ferocidade em momentos indispensáveis, traz, pela linguagem e pelo corte desta mesma, uma opção de enxergar além – ou adentro. E é intenso demais.

Tatiana Pequeno (Foto: Divulgação)
Karin Hueck (São Paulo, SP)
Com A segunda mãe (Todavia), Karin Hueck chega à literatura de ficção com uma obra prima. Em uma distopia, que só se evidencia na metade do livro, em que o mundo não convive mais com homens e é habitado e gerido apenas por mulheres, ela consegue extrapolar os limites imaginativos do leitor e confrontar as verdades postas, as palavras de ordem, os desejos mais íntimos e os projetos de sociedade que desejamos.
No livro, toda contradição fica destacada, em um incômodo crescente e a torna uma das mais empolgantes autoras da atualidade. Karin publicou também livros infantis e o de não-ficção O lado sombrio dos contos de fadas (HarperCollins).

Karin Hueck (Foto: Divulgação)
Natasha Felix (Santos, SP)
Uma surpresa. Assim pode ser definida Natasha. Ela é aquele sobressalto que há depois de uma curva, ou na virada de uma esquina, ou depois de um golpe, de uma queda, de um susto, de um orgasmo, de algo que não sabemos exatamente o que vem a seguir. Santista, de 1996, vive no Rio de Janeiro e é autora do livro Use o alicate agora (Macondo), que como a editora define, é, ao mesmo tempo, um convite e uma armadilha.
Recheado de ironia, erotismo, violência, deboche e sensualidade, o corpo e a voz são os protagonistas de poemas que nos dizem sobre se emocionar ou dormir um pouco mais. Natasha também se destaca não apenas pela forma do texto, mas pela estética com que desenvolve performances, cuja obsessão é “fazer o poema rebolar”. Ela idealizou o espetáculo Apupú, em parceria com artistas angolanos, em que apresenta poemas sobre bases e músicas, com performances de teatro, dança e audiovisual.

Natasha Felix (Foto: Divulgação)
Mariana Enríquez (Buenos Aires, Argentina)
Com uma escrita assombrosa, a argentina que nasceu em 1973 em Buenos Aires é autora dos livros Os perigos de fumar na cama (Intrínseca), As coisas que perdemos no fogo (Intrínseca) e Nossa Parte da Noite, famosa por misturar o horror ao patriarcado e aos traumas da ditadura com questões sociais e contemporâneas, Maria Enriquez é não só aclamada pela crítica, como pelos leitores. Ao brincar com o fantástico, o insólito e as memórias latino americanas por vezes esquecidas, ela se constitui como uma voz impactante do continente e que merece ser mais lida, seja através dos contos, seja através do romance.

Mariana Enriquez (Foto: Divulgação)
Akwaeke Emezi (Umuahia Nigéria)
Nigeriana e não-binária, identifica-se como Ogbanje, que em língua originária significa “um espírito intruso que nasce em forma humana e resulta em um terceiro gênero”. Tem publicados no Brasil os livros A morte de Vivek Oji, em que acompanha a vida dos personagens no entorno da protagonista, cuja morte já está enunciada no título, mas que somente avançando a narrativa o leitor consegue entender por que se dá.
O romance é totalmente atravessado pelas questões de gênero, de forma tão honesta, que perturbaram os leitores que eventualmente reduzem a existência de pessoas trans. Já, em Água Doce, Akwaeke, que nasceu em 1987, conta a história de Ada, uma criança do sul da Nigéria que sempre foi “estranha”, ou com “um pé do outro lado”, fazendo-a ter diferentes personalidades.

Akwaeke Emezi (Foto: Divulgação)
Deepa Anappara (Kerala, sul da Índia)
Com Os detetives da Linha Púrpura (Companhia das Letras), a jornalista e escritora retrata a busca por crianças desaparecidas na Índia metropolitana pelo olhar de um garoto. A obra, que foi publicada em mais de 20 países, traz a narrativa, baseada em fatos reais, a partir de Jai, um menino de 9 anos e que passa a investigar o desaparecimento de um dos colegas da escola e desenvolve para um suspense que escancara as negligências da polícia no país. É uma literatura que acompanha o leitor por bastante tempo e que traz rostos às inúmeras e tristes estatísticas de desaparecimento infantil.

Deepa Anappara (Foto: Divulgação)
Jéssica Au (Melbourne, Austrália)
Com Frio bastante para nevar (Fósforo), seu segundo romance, vencedor do Novel Prize 2021, Jessica Au, de Melbourne, na Austrália, narra nos poucos dias de uma viagem pelo Japão realizada por uma jovem australiana e sua mãe, nascida em Hong Kong. A obra conduz o leitor pelas complexas relações familiares e a impossibilidade de se conhecer verdadeiramente o outro, em um misto entre literatura de viagem, as memórias da filha e a expectativa dela de estreitar o diálogo com a mãe.

Jéssica Au (Foto: Divulgação)
María Fernanda Ampuero (Guayaquil, Equador)
Com brutalidade, afeto e violência, María Fernanda Ampuero, em seu primeiro livro de contos “Rinha de Galos” (Moinhos), se destaca na cena latino-americana como uma das autoras mais interessantes de serem acompanhadas. Em um livro brutal, violento e, ao mesmo tempo, belo, ela traz o cotidiano de muitas mulheres que enfrentam o patriarcado de formas inteligentes – e vorazes. Já, em Sacrifícios Humanos (Moinhos), fica ainda mais evidente a forma como a autora se coloca no cenário latino, ao trazer para as personagens as mazelas, as desigualdades, o desprezo e também o belo, o sagrado, o que ainda vive.

María Fernanda Ampuero (Foto: Divulgação)