Por Orlando Margarido
Ailton Krenak recebeu presentes preciosos ao completar 70 anos em setembro de 2023. O mais celebrado veio no mês seguinte, com a eleição para a cadeira número 5 da Academia Brasileira de Letras. Mas a condição de “imortal”, alcunha dada aos quarenta nomes ali reunidos, não o encanta tanto. Ou melhor, encanta na acepção com que o primeiro indígena a entrar para a entidade compreende a imortalidade. “Na nossa tradição, não falamos que morremos, e, sim, que nos tornamos encantados”, diz à Bazaar, da aldeia onde mora, em Minas Gerais.

Ailton Krenak na cerimônia de posse da Academia Brasileira de Letras, neste sábado (05.04) – Foto: Divulgação
É ali, no cotidiano do núcleo dedicado às raízes originárias comandado por ele, que o escritor, filósofo e ativista organiza projetos, a exemplo da direção de um longa-metragem previsto para o próximo ano, sua estreia no ofício. Até lá, seguirá no espírito de reflexão e transformação já trabalhado em sete publicações e com o qual pretende atuar na ABL. “Vejo minha chegada como a chance de mostrar mais de nossa cultura em um ambiente que sempre coube aos brancos desde os tempos coloniais e agora tem se aberto aos grupos excluídos.”

Na biblioteca de sua casa, na reserva Krenak, em Minas Gerais, próximo a Resplendor, onde vivem 160 famílias indígenas – Foto: Fe Pinheiro
Para tanto, Krenak quer lançar mão de outra surpresa de aniversário feita por amigos, uma biblioteca online com seu nome, onde se pode acessar documentos, entrevistas e registros audiovisuais de sua trajetória e das múltiplas etnias do País. “São 170 línguas que podem vir a integrar o acervo da entidade e, portanto, a memória do Brasil”, acredita. Ele lembra que a escrita, ela sim, se eterniza. Por isso, tem privilegiado a vertente literária para pensar o mundo e os problemas entornos, a partir da visão indígena, em especial os ambientais e de preservação dos povos da floresta.
No início do ano passado, publicou “Um Rio, um Pássaro”, relato pessoal em dois tempos – o primeiro, sobre a jornada nos anos 1990 pela Amazônia, período inicial do movimento indigenista no Brasil. Pouco antes, em 1987, Krenak protagonizou o célebre protesto na tribuna da Assembleia Constituinte, quando pintou o rosto com tinta de jenipapo. Por causa do ato, muitos pensam que ele teve um cargo legislativo. “É um equívoco comum; mas eu sempre preferi outras frentes, como a do ativismo.” Na mesma década, por exemplo, ele ajudou a fundar a União das Nações Indígenas e a Aliança dos Povos da Floresta, esta idealizada por Chico Mendes.
As parcerias rendem experiências inesquecíveis, como a viagem com o fotógrafo japonês Hiromi Nagakura, um velho amigo. Foi ele quem registrou as falas de Krenak e clicou a jornada do livro recém-lançado. Publicadas no Japão, as imagens estão em mostra inédita no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, até 4 de fevereiro. O próprio Krenak fez a curadoria das fotos. “Foi outro belo presente; Nagakura é um veterano da cobertura de guerras e ninguém mais sensível para entender o nosso conflito.”
Uma das variantes desse embate estará no filme a princípio batizado de “O Dono do Sonho”. Híbrido de documentário e ficção, registra o choque cultural vivido por um xavante e a doutrinação de padres salesianos, ocorrido há mais de um século em Mato Grosso. “Ele era uma espécie de xamã e representa o mundo do sonho como instituição; naquela época, e como sempre seria, isso não era compreendido pelos brancos.”