
O trio de curadores Arissana, Denilson e Gustavo
No final do ano passado, coube ao trio de curadores Arissana Pataxó, Denilson Baniwa e Gustavo Caboco Wapichana anunciar as obras que este mês estão na exposição Ka’a Pûera: Nós Somos Pássaros que An- dam, no Pavilhão brasileiro da 60ª edição da Bienal de Artes de Veneza. Neste ano, ganhou o nome de Pavilhão Hãhãwpuá – nome usado pelo povo indígena Pataxó para se referir à terra, ao solo e ao território que, depois da colonização, ficou conhecido como Brasil. O destaque, evidentemente, é a produção artística dos povos originários, em especial a resistência dos habitantes do litoral. “Ka’a Pûera é uma palavra de origem tronco tupi que tem dois significados: um lugar desmatado que se regenera e, também, é um pássaro terrestre que se camufla”, explica Arissana. “Faz referência à resistência e ao reaparecimento dos tupinambás – que foram dados como extintos até 2001. Além disso, é uma metáfora sobre todos os povos indígenas que continuam vivos mesmo após muita violência colonial e que, para sobreviver, precisaram se adaptar e tornarem-se invisíveis até uma oportunidade de segurança”, relaciona Baniwa.
O trio já havia trabalhado junto em outros projetos. “Nós nos complementamos em vários sentidos”, define Arissana. Glicéria Tupinambá foi a primeira artista selecionada. Com um projeto de recuperação de mantos tupinambás que estão, atualmente, em acervos de museus internacionais, ela assina a instalação Okará Assojaba, que faz referência a uma assembleia da tribo indígena. “Devido ao movimento que Glicéria Tupinambá vem articulando, de levantar a problemática da retomada de territórios, vimos que o manto tem um simbolismo que se estende a outros povos”, conta. A obra, construída por um manto produzido de modo coletivo com a família e comunidade da artista, é acompanhada de uma videoinstalação, a Dobra do Tempo Infinito, que traz conexões entre redes de pesca e trajes tradicionais.

Manto Tupinambá, de Glicéria Tupinambá
Para Wapichana, os três curadores se apoiaram na temática da Bienal para escolher os outros artistas brasileiros. Sob o tema Foreigners Everywhere (estrangeiros
em todos os lugares), aborda questões como desterritorialização, marginalização e violação de direitos. Tudo sob a curadoria do brasileiro Adriano Pedrosa. “Conversamos com a Glicéria sobre as ideias que ela querilevar para a frente e começamos a pensar em outros artistas que representam isso. Infelizmente, é a história dos indígenas no Brasil, que se sentem como estrangeiros nas questões de luta por território”, completa.
Foi então que surgiram os nomes de Olinda Tupinambá e Ziel Karapotó. A primeira assina a videoinstalação Equilíbrio, que gera uma discussão sobre a relação destrutiva da sociedade com o planeta do qual depende. Já Karapotó confronta processos coloniais em Cardume, obra que une maracás de cabaça e réplicas de projéteis balísticos em uma rede de tarrafa, com sons de rios, dos cantos do povo Karapotó e de disparos de armas de fogo ao fundo. “Com a criação dos museus de história natural, as artes indígenas foram colocadas nesse lugar de passado, enquanto as artes modernas ou contemporâneas são as pertencentes a outros grupos. Quando propomos nossos trabalhos, é uma forma de atualizar memórias, significados, reler a própria história e contribuir para o senso crítico”, diz Wapichana sobre a importância da atualização do fazer artístico dos povos originários. “Esperamos que, finalmente, uma história inviabilizada pelo estado brasileiro chegue aos sentidos do público de Veneza para que, assim, haja uma espécie de reparação à memória dos povos colonizados no Brasil. A expectativa é que esse seja apenas o começo de uma nova história na arte brasileira”, finaliza Baniwa. Que assim seja.