
Foto: Eduardo Alonso
Por Elda Priami
Com sensibilidade e ousadia, Luiz de Freitas antecipou de maneira visionária a transformação da moda masculina, na década de 1980, no Rio de Janeiro. Sem caricatura. Com estilo autoral, nunca fez uma moda para todos, mas para todos os irreverentes de alma que não temiam expor suas ambiguidades com elegância inusitada. E fez muito sucesso! A intelectualidade contemporânea e os artistas de vanguarda logo entenderam seu humor e divulgaram sua genialidade. Era tão influente que fez a cabeça de muita gente que estava fora do circuito de moda.
A história incomum deste provocador incorrigível está nas 418 páginas de uma autobiografia, muito bem editada, que confirma seu glamour energético. Ele abriu caminho para outras identidades se expressarem livremente. O tempo confirmou isso. Nesta quarta-feira (07.08), na Travessa de Ipanema, Eu, Luiz de Freitas, nosso Mr. Wonderful, estará na vitrine da livraria mais antenada da cidade. Quem não viveu a época de ouro da moda carioca, poderá passear pelas incontáveis histórias narradas com espontaneidade, tanto por ele como pelos muitos amigos em depoimentos cheios de humor. Quem o conhece vai reviver todas as transgressões deste fashion designer, que sempre foi exceção. O livro é fundamental para história da moda brasileira!
No colorido das roupas que criava, nas texturas extravagantes, na mistura incomum de estampas, nas modelagens perfeitas, ele ia ao encontro das mentes livres e encantou personalidades como Caetano Veloso, Fernando Gabeira, Gianne Versace, Freddie Mercury, Madonna… Era cultuado também por um público feminino com atitude independente e sofisticada informalidade. Verdadeiro fã clube. Os spencers, paletós, camisas e camisetas eram colecionados como peças preciosas.
Encontrá-lo em plena forma depois de tanto tempo foi emocionante. “Estou com 83 anos de idade com físico de 52, a mente de 32 e o emocional de uma criança. Não senti o tempo passar”, conta com o sorrisão que é sua marca registrada. Os amigos sabiam que sua história extravagante merecia ser contada para as próximas gerações. “Idealizei uma vida e consegui realizá-la. Abracei a ideia de fazer um livro como uma oportunidade de realizar mais um projeto, mas não vou parar por aqui. O Brasil tem memória curta e, o que não está registrado tende a desaparecer e eu não quero desaparecer. Guardei muita coisa para o próximo!”, avisa.
Para sacudir a caretice masculina, no começo da década de 1980, Luiz criou a Clínica de Moda, loja decorada com objetos hospitalares, sua maior irreverência. “Minha intenção era realmente escandalizar, pois o homem brasileiro precisava de terapia para superar o machismo”. Não era uma loja exclusiva para gays, mas para todos os homens que desejavam mudar seu visual”. Os desfiles que fez eram performances que cutucavam o bon chic bon genre sem constrangimento.
Hoje, com tantas siglas sobre sexualidade, se relançasse a marca Mr. Wonderful, ele acredita que seu público seria muito mais amplo. “Uma transgressão atual? Aceitar todo tipo de diversidade existencial. Minha proposta seria trabalhar mais a igualdade dos gêneros para acabar com todos os preconceitos. Esta seria uma grande revolução. E incentivar o homem a mostrar mais o seu corpo. Por que não?”
Desafiar o convencional ainda faz parte de seu senso de liberdade. “Mas tudo está mudando. Como usuário do metrô carioca, tenho visto cenas antes inviáveis. Outro dia, um suposto executivo de terno e gravata fazia tricô, naturalmente, com toda a destreza e sem nenhuma afetação. Sei que vivi muito antes do meu tempo cronológico. Fernando Gabeira me dizia nos anos 1970: ‘Você tem tudo para dar certo: pobre, interiorano, gay e preto’. A profecia se cumpriu!”

Foto: Divulgação
Eu, Luiz de Freitas, Mr. Wonderful teve edição possível via Lei Paulo Gustavo, em edital da Prefeitura de Magé, Rio de Janeiro. A Editora Bem Cultural imprimiu o livro, cujo valor é de R$ 80,00.