
Naomi Campbell usa casaco, vestido e slingbacks Michael Kors Collection, colar e braceletes Bulgari – Foto: Malink Bodian, Styling: Carlos Nazario, Cabelos: Jawara com produtos Hair Rituel by Sisley, Makeup: Pat McGrath e Adam Fleischhauer com produtos Pat McGrath Labs, Manicure: Alexandra Janowski, Casting: Anita Bitton do The Establishment, Produção: Marie Godeau do Ap Studio, Paris, Set design Ibby Njoya
Por Lynette Nylander
Ao entrar na exposição Naomi: In Fashion no Museu Victoria and Albert em Londres, você é recebido por uma montagem de vídeo do icônico desfile de Naomi Campbell nas muitas passarelas ao longo de sua carreira de 40 anos: um gingado flertante de uma Naomi jovem no desfile de Todd Oldham em meados dos anos 1990, uma caminhada sombria em um traje de seda preta para Isaac Mizrahi no Outono de 1997, um passo firme e sério em um smoking preto com lantejoulas da Saint Laurent há poucos anos — todos diferentes, todos distintamente Naomi.
Uma exposição solo no V&A sobre uma única pessoa, especialmente durante sua vida, é rara e muito cobiçada (homenagens anteriores foram concedidas a Alexander McQueen, Frida Kahlo e David Bowie). Também observo, em silêncio, duas meninas negras, talvez com 16 ou 17 anos, que estão hipnotizadas, olhando atentamente para as imagens e trocando histórias sobre a admiração pela beleza e fierceness de Naomi. Sorrio, pensando na minha própria experiência de observar Naomi Campbell de longe nessa mesma idade. Quando eu estava crescendo em Londres, a imagem da modelo e seu monômio estavam tão intrinsecamente ligados à moda que, quando contei ao meu pai, que veio da África Ocidental, um clínico geral sem absolutamente nenhum conhecimento de moda, que eu tinha aspirações de uma carreira na indústria, ele perguntou se eu queria ser Naomi.
A exposição começa com imagens pessoais do arquivo dela. Fotos de bebê, retratos de recital de dança, seus sapatos de balé da infância e uma foto de uma Naomi de sete anos sendo coberta com uma manta por Bob Marley (ela aparece no videoclipe de Is This Love do falecido músico) sinalizam a celebridade que estava por vir. Há uma imagem em particular, porém, que prende minha atenção: uma Naomi jubilante segurando a cintura de sua mãe, Valerie Morris Campbell, enquanto elas dançam e a família se reúne ao redor da mesa da cozinha ao fundo. É estranhamente familiar, talvez porque todos nós temos uma versão dessa imagem em nossos álbuns de fotos de família. Uma imagem de nós delirantemente felizes, um tanto ingênuos e alheios ao que está por vir. Mas, para mim e outras mulheres negras, as imagens de Naomi também nos ofereceram vislumbres de nós mesmas. Resilientes, fortes. Incompreendidas, mas sempre grandiosas. Ela não jogou o jogo; simplesmente escolheu mudálo.
“Eu não gostava de ser a primeira em muitas coisas. Barreiras têm que ser quebradas. Desafios têm que ser enfrentados”, Campbell me conta sobre sua jornada como modelo. “Eu só queria fazer o melhor trabalho que pudesse fazer. [Achei que] se eu decidisse estar neste negócio, eu o abraçaria. Queria dar o meu melhor porque minha família definitivamente não queria que eu fizesse isso.”

Naomi Campbell usa colete, calça e botas Loewe, colares Bulgari – Foto: Malink Bodian, Styling: Carlos Nazario, Cabelos: Jawara com produtos Hair Rituel by Sisley, Makeup: Pat McGrath e Adam Fleischhauer com produtos Pat McGrath Labs, Manicure: Alexandra Janowski, Casting: Anita Bitton do The Establishment, Produção: Marie Godeau do Ap Studio, Paris, Set design Ibby Njoya
Os números de Naomi impressionam. São mais de 500 capas de revistas, incluindo uma para a Time, que a proclamou como o rosto das recém-lançadas supermodelos, um grupo que incluía Linda Evangelista, Christy Turlington e Cindy Crawford. “Elas são as supermodelos e estão mais quentes que uma chapinha de cabelos”, ironizou o artigo de 1991. Há campanhas para tantas marcas quantas existem nos andares da Bergdorf Goodman, Louis Vuitton, Lanvin, Burberry, Valentino, Fendi e mais.
Então, há os momentos da cultura pop, alguns dos mais notáveis (e notórios) dos últimos 50 anos. O clipe de Freedom! ’90 de George Michael está gravado na consciência coletiva, assim como sua dança com Michael Jackson no videoclipe de In the Closet dois anos depois. Sua queda ao usar as plataformas de nove polegadas no desfile de Vivienne Westwood, em 1993, gerou tanta repercussão que, segundo Naomi, outros estilistas depois lhe pediram que caísse durante seus desfiles também (ela recusou). Em 2007, quando completou o serviço comunitário obrigatório após se declarar culpada de uma acusação de agressão leve, ela usou um vestido prateado da Dolce & Gabbana e teve Steven Klein a fotografando por trás do portão. Um vídeo de 2019 que mostrava Naomi limpando furiosamente seu assento de avião com lenços desinfetantes, o que parecia antever a Covid, viralizou no YouTube.
Ela também tem a reputação de ser generosa em relação ao que pode ser referido como falta de pontualidade. De fato, o agendamento para esta matéria de capa foi tão frenético e atrasado que comecei a perder a esperança de que realmente conversaríamos. As possibilidades de uma conversa em Nova York foram frustradas, um encontro noturno na Sardenha durante o show de Alta Moda da Dolce & Gabbana nunca se materializou, e uma visita prometida à sua exposição no Victoria and Albert foi depois cancelada. Estou exausta? Sim. Mas esse é o tipo de história que condiz com um ícone, que condiz com Campbell — uma supermodelo de proporções épicas, à altura das expectativas de ser inatingível (e incontatável). Porque ser um ícone tem múltiplos significados. Nós, o público, queremos endeusar ou vilanizar ícones, e não os esquecemos. Campbell é singular; no ciclo fugaz da celebridade, estrelas como a dela são difíceis de desaparecer.

Naomi Campbell usa vestido assimétrico e botas Phoebe Philo – Foto: Malink Bodian, Styling: Carlos Nazario, Cabelos: Jawara com produtos Hair Rituel by Sisley, Makeup: Pat McGrath e Adam Fleischhauer com produtos Pat McGrath Labs, Manicure: Alexandra Janowski, Casting: Anita Bitton do The Establishment, Produção: Marie Godeau do Ap Studio, Paris, Set design Ibby Njoya
Quando finalmente conversamos, Campbell está de férias em Ibiza com seus dois filhos e um grupo de amigos que inclui as atrizes Eiza González e Michelle Rodriguez. “Não venho aqui há sete anos”, ela explica enquanto se senta para o almoço. “É difícil relaxar porque, sim, eu sou uma workaholic. Eu admito. Mas você precisa fazer isso para ajudar sua mente, para seu corpo. Você precisa se reenergizar para se inspirar, entende o que quero dizer?”
Seu descanso é bem merecido. Aos 54 anos, ela se restabeleceu como uma presença constante nas passarelas, mas, nos últimos anos, também se integrou a uma nova geração de designers, formadores de opinião e talentos, atuando como mentora e guia para uma indústria em transformação — uma que está progredindo, sim, mas ainda marcada por racismo, gordofobia e nepotismo.
Torishéju Dumi, uma designer britânico-nigeriana-brasileira radicada em Londres, teve uma estreia na Paris Fashion Week digna de um conto de fadas da moda, graças, em parte, ao apoio de Campbell. “Foi tão repentino e inesperado”, diz ela sobre a modelo abrir seu desfile de Primavera 2024 — o primeiro de Dumi após se formar na Central Saint Martins, em 2021 — apresentado no salão dourado do hotel Shangri-La. “A resposta foi simplesmente avassaladora. [Ela desfilar] teve um impacto enorme na marca e para mim pessoalmente e ajudou a abrir portas que eu nunca imaginei atravessar. É engraçado porque não há uma primeira memória de Naomi Campbell para mim. Eu só me lembro de sempre vê-la e de ela ser essa mulher negra que eu admiro. Um verdadeiro ícone.”

Naomi Campbell usa vestido Ferragamo, colar Bulgari e sapatos The Row – Foto: Malink Bodian, Styling: Carlos Nazario, Cabelos: Jawara com produtos Hair Rituel by Sisley, Makeup: Pat McGrath e Adam Fleischhauer com produtos Pat McGrath Labs, Manicure: Alexandra Janowski, Casting: Anita Bitton do The Establishment, Produção: Marie Godeau do Ap Studio, Paris, Set design Ibby Njoya
O supermodelo da nova geração Alton Mason a considera seu ideal: “Naomi Campbell é uma enorme inspiração quando se trata de presença e poder como modelo”, ele disse recentemente à Bazaar. “Naomi, Prince, Michael, Tupac. Eu diria que esses estão no topo da minha lista.”
“Quero que eles tenham controle sobre sua imagem”, explica Campbell sobre a nova vanguarda que ela está ajudando a alcançar seu potencial. “Quero que eles saibam que fazem parte de algo também. Não apenas ser contratado para um trabalho. Eles têm uma história e uma jornada a compartilhar. Tudo passa tão rápido em nosso negócio. Adoro que, no meu tempo, tínhamos relacionamentos reais com os estilistas. Não era apenas quando fazíamos shows; nós nos visitávamos, nos importávamos, porque às vezes é um pouco solitário. Houve muitos momentos solitários, mas nos apoiávamos. Quero fazer o mesmo”, diz ela. Enquanto Cindy, Linda e Christy permanecem parte do léxico público, foi Campbell que consistentemente perdurou. Ela é uma colisão de beleza, onde arte encontra comércio: olhos amendoados, pele luminosa e um corpo que Azzedine Alaïa, o falecido costureiro, uma vez chamou de “similar ao de um cavalo de corrida”. Ela pode vender alta-costura da Chanel e comercialismo da Boss, tudo no mesmo ano. Ela pode transitar entre sensualidade, coquetismo, realeza e modéstia se essa for a missão. Ela está acumulando suas capas (não menos que oito em 2024, até
agora, incluindo esta) e campanhas, enquanto suas contemporâneas definitivamente diminuíram o ritmo.
O diretor artístico da Fendi, Kim Jones, mantém uma amizade próxima com Naomi há cerca de 20 anos, escalando-a durante seu tempo na Fendi, Dior Men (que ele também dirige) e Louis Vuitton, quando ele conhecidamente fez Campbell e Kate Moss desfilarem em seu show de despedida de moda masculina em 2018, em trench coats com monogramas coordenados. “Eu a conheci em uma festa através de Lee [Alexander] McQueen. Foi breve, mas ela foi doce”, relembra Jones. “Ela é única. Tem o senso de humor mais brilhante, e quando as pessoas perguntam por que ela teve uma carreira tão longa, é porque tem uma combinação especial de bondade, lealdade, paixão, humor e uma capacidade de se adaptar a qualquer situação.”
A longevidade de Campbell é particularmente impressionante em uma indústria onde ela foi uma das “primeiras”: a primeira mulher negra a abrir um desfile da Prada, a primeira na capa da Vogue francesa, a primeira modelo negra na capa da Time. Elogios imensos foram bem-vindos, mas também vieram com “uma pressão imensa”.
“As pessoas pensam que você quer ser a única, mas não é necessariamente assim”, explica Campbell. “É por isso que quis celebrar todas nós na exposição — Naomi Sims, Beverly Johnson, Iman, Bethann Hardison, Veronica Webb, Karen Alexander — porque elas também vieram antes de mim.” A natureza exaustiva de ser uma das primeiras teve seus efeitos. Ela era um ímã para a imprensa, que documentava meticulosamente seus altos e baixos, mas especialmente seus baixos: os surtos, as condenações por agressão (foram quatro) e sua batalha contra o vício. Isso, infelizmente, não é novidade. Tão implícita é a associação entre mulheres negras e “comportamento ruim”, muitas vezes imposta pela percepção pública e colocada antes de qualquer elogio, que une universalmente as mulheres negras na angústia. Se ela é uma
diva, o que a fez ser uma? É quem ela é ou foi sua circunstância? Naomi já disse que nunca ganhou tanto dinheiro ou tantas campanhas publicitárias quanto suas colegas brancas. Já
em 1991, ela disse: “Eu posso ser considerada uma das melhores modelos do mundo, mas de forma alguma ganho o mesmo dinheiro que qualquer uma delas.” Hoje, Naomi diz: “Muitas pessoas pensam: ‘Ah, ela é muito forte. Ela pode lidar com isso.’ Até certo ponto. Eu tenho sentimentos como qualquer outra pessoa.”
“[As pessoas dizem], sim, ela jogou um telefone. Sim, tudo isso”, diz a ativista e ex-agente de modelos Bethann Hardison, sua “mãe americana”, que conhece Naomi desde que ela tinha 14 anos. “Mas sua autoestima sempre esteve em jogo desde que era adolescente. Acredite em mim, a garota sempre foi determinada e consciente de quem ela era, até certo ponto”, continua Hardison, dando uma visão mais íntima da modelo. “O fato é que todos ficam muito impressionados com ela — o mundo exterior, a mídia, as pessoas — com o fato de que ela é
Naomi Campbell, apenas isso. Ela é realmente uma das poucas [modelos] que é uma estrela, que os paparazzi se importam com o que acontece com ela. A questão é que, quando ela
chega, quando é hora de aparecer, ela tem uma personalidade incrível. E ela é inteligente pra caramba.”
Hardison é uma das muitas figuras mais velhas na vida de Naomi que têm atuado como guardiãs dela e de seu legado. Sua proximidade com Azzedine Alaïa é bem documentada (ela ficou com ele em Paris, com a bênção de sua mãe, quando tinha 16 anos, e ela o chamava carinhosamente de “Papa”. Ela nunca conheceu seu pai biológico). O designer Gianni Versace era um confidente e aliado. Vivienne Westwood também. Campbell elogiou seu amigo de longa data John Galliano em seu recente documentário. Ela fazia viagens regulares à África para visitar Nelson Mandela, que a chamava de sua “neta honorária”. Quincy Jones a chamou de sua “outra irmãzinha travessa”. O falecido Clarence Avant, um proeminente executivo musical, era seu “Tio Clarence”. “Eu não sou uma amiga de conveniência”, diz Campbell. “Isso simplesmente não sou eu, e não vou mudar. Você cresce junto, está em suas jornadas juntos, suas jornadas estão alinhadas. Você constrói sua família fora da sua própria família.”
Além da família escolhida, Naomi fez um anúncio chocante ao mundo quando revelou o nascimento de uma filha em maio de 2021 e de um filho em junho de 2023, ambos por
meio de barriga de aluguel. Eles têm sido mantidos, em grande parte, fora dos holofotes, exceto por um vislumbre de sua filha na capa da Vogue britânica, idealizada por seu amigo próximo Edward Enninful, que, na época, era o editor-chefe da revista. Ela permanece compreensivelmente reservada sobre os detalhes (incluindo seus nomes), mas entra em uma rapsódia afetuosa quando fala sobre como eles a transformaram.
“É a maior alegria”, diz ela. “A maior bênção é ter essas duas almas inocentes e lindas e poder ser a mãe delas. Aprendo muito a cada dia. Eles são bons filhos.” Pergunto se as viagens para os trabalhos foram interrompidas. “Definitivamente não os levo de Nova York para Londres para uma sessão de fotos de dois dias. Isso é demais, mas meus filhos adoram viajar. Eles devem ter sabido disso!” ela diz, rindo. Relembrar quatro décadas — os estilistas, a cultura e suas
próprias histórias — faz um trabalho emocional. “Eu costumava passar de ônibus pelo V&A e nunca pensei que isso aconteceria comigo. Acho que é ainda mais significativo porque é no país onde nasci. É uma instituição, e estou simplesmente além de agradecida”, diz.

Naomi Campbell usa vestido e mary janes Chanel, colar Bulgari – Foto: Malink Bodian, Styling: Carlos Nazario, Cabelos: Jawara com produtos Hair Rituel by Sisley, Makeup: Pat McGrath e Adam Fleischhauer com produtos Pat McGrath Labs, Manicure: Alexandra Janowski, Casting: Anita Bitton do The Establishment, Produção: Marie Godeau do Ap Studio, Paris, Set design Ibby Njoya
A defesa de causas e a filantropia têm sido entrelaçadas ao longo de sua carreira. Ela pediu por maior diversidade de modelos em seu trabalho com a Diversity Coalition de Hardison, foi nomeada embaixadora global da Queen’s Commonwealth Trust, em 2021, e foi homenageada pela amfAR por seus 31 anos trabalhando com a Fundação para impulsionar a pesquisa sobre AIDS. “Meu propósito é maior”, diz Campbell. “Meu propósito é o Continente Africano. Meu
propósito são os criativos emergentes. É abrir isso para todos. Há tanto talento por aí que simplesmente não tem essa oportunidade.”
No topo da exposição do V&A, você é recebido por um compêndio de alguns dos looks mais memoráveis de Naomi. Aquele vestido da Dolce & Gabbana fica ao lado de seu traje para combater a Covid, de 2020, composto por um macacão de proteção e uma capa de cashmere da Burberry. Rindo deste último, percebo que ela é alguém que sempre abraça toda a narrativa: o bom, o não tão bom, o novo, o antigo, a internet e o analógico, e nos dá carta branca para fazer o mesmo. Frequentemente, aqueles que são considerados icônicos são os mais complexos. Eles são idolatrados além da medida, com seus erros amplificados. Mas a marca de um verdadeiro ícone é como ele avança — se e como ele é capaz de evoluir. Essa é Naomi Campbell: como uma pedra que rola, ela sempre continuou. Ela acolheu membros de uma nova geração que foi reintroduzida a ela por meio da onda de nostalgia dos anos 1990 e 2000 — e, como ela explica, está tão encantada com eles quanto eles estão com ela. “Foi muito divertido. Eu adoro a confiança deles”, ela diz sobre celebridades do TikTok como Sabrina Bahsoon, também conhecida como Tube Girl, e Khaby Lame, com os quais já trabalhou e que, segundo ela, a inspiram. “Eles sempre me perguntam como eram os anos 1990. Fico chocada que eles até saibam quem eu sou!” Isso é difícil de acreditar. Como Hardison diz, “ela estará na passarela quando tiver 75 anos. Nunca haverá outra Naomi!”