Carmen Lopes foi quem conseguiu enxergar a exclusão atrás dos olhos vidrados e muitas vezes quase sem vida – Foto: Divulgação

Por Diogo Mesquita

“Sentimento que predispõe alguém a desejar o bem de outrem, ou de alguma coisa”. Assim, o dicionário Aurélio define a palavra “Amor”. Esse poderia tranquilamente ser também o resumo do que é e de como trabalha o Coletivo “Tem Sentimento”, organização sem fins lucrativos que oferece capacitação em corte, costura e economias criativas, além de dar assistência para mulheres cis e trans em situação de vulnerabilidade social.

A sede, na Rua dos Gusmões 43, centro de São Paulo, não foi escolhida por um acaso. Entre a Praça Princesa Isabel e a estação da Luz, caminham sem perspectiva milhares de pessoas, que por conta de seus fantasmas, entram em um beco quase sem saída: o crack e o álcool.

Carmen Lopes foi quem conseguiu enxergar a exclusão atrás dos olhos vidrados e muitas vezes quase sem vida. Ela acredita que a recuperação vai além de políticas radicais e agressivas, que muitas vezes mais escondem do que resolvem. A cura pode sim começar com amizade e empatia. “Muita gente olha essa população e acha que ela brotou aqui do chão da Cracolândia. Não, né… Essas pessoas chegam aqui já com histórias de vida, e essas histórias que trouxeram ela até aqui”. 

Combatendo o vício com oportunidade

O Coletivo Tem Sentimento nasceu em 2016. “Meu primeiro grande desafio foi criar vínculos. Como eu vou provar que acredito na pessoa sem antes criar vínculos!?”, lembrou Dona Carmen. 

Optando por um caminho diferente do que a maioria das ONG’s que trabalhavam na Cracolândia, Carmen Lopes apostou na autonomia financeira como ferramenta de inclusão social. Após muitas conversas e histórias compartilhadas, teve a certeza de que, com objetivos na vida, o dinheiro conquistado com esforço não mais iria para a droga e para o álcool. Quem não via futuro, ia para o crack. Esse não era mais o caso das várias mulheres abraçadas pelo Coletivo Tem Sentimento.

Hoje são mais de70 mulheres cis e trans trabalhando diariamente na produção de todo o material que é comercializado na loja física do coletivo e no espaço virtual. Se antes a confecção e a costura serviam como um meio de inclusão, hoje elas se dizem alfaiates mesmo, com peças reconhecidas e apreciadas no meio da moda, e divulgadas através de parcerias como a do Instituto C&A.

O Fashion Futures reconhece Carmen Lopes e o Coletivo Tem Sentimento

Vencedora do Fashion Futures, premiação organizada pelo Instituto C&A, braço social da gigante de moda, na categoria Projetos Sociais advocacy e políticas públicas em 2023, Dona Carmen sabe que a divulgação de seu projeto é fundamental para que ideais como a dela sejam algo cada vez mais normal. “A vitória no Fashion Futures foi muito importante para o Tem Sentimento. É um reconhecimento do nosso trabalho, da credibilidade.”, analisa ela, lembrando que a partir da conquista, passou a receber clientes de outras partes, que conheceram o projeto graças a visibilidade da premiação. 

Sobre o futuro da moda, Dona Carmen acredita que o meio não pode mais se omitir. Não existe mais espaço para a moda vertical, seu caráter tem que ser horizontal. “Estamos dando os passos para uma moda mais inclusiva, mas ainda existe um longo caminho. A moda é resistência, nosso projeto é resistência”, terminou dona Carmen, que enxergou moda e beleza onde a grande maioria se negava a colocar os olhos.