Foto: Getty Images

De Santa Monica, Estados Unidos*

James Cameron é fascinado pela ciência e pela exploração marítima, e essa paixão se reflete em suas obras, de documentários a grandes sagas como Avatar, Alien e O Exterminador do Futuro. Em uma de suas maiores aventuras, ele pilotou sozinho o submersível Deep Sea Challenger até a Fossa das Marianas (a quase 11 km debaixo d’água), além de ter visitado dezenas de vezes os destroços do Titanic. Bazaar Man se encontrou com o cineasta canadense, em outubro, em uma visita aos estúdios Lightstorm Entertainment, em Santa Mônica, nos Estados Unidos, onde é possível mergulhar ainda mais no universo criativo de “Jim”, como ele se apresentou no tour.

Além dos filmes, Cameron utiliza o estúdio como base para inovação tecnológica. Ele desenvolve equipamentos de captura menores, conectando diferentes câmeras e dispositivos mais leves para criar sua imersão no cinema tridimensional. “O 3D ativa áreas do cérebro que o 2D não alcança. Cria uma sensação de presença física, tornando as histórias mais imersivas e memoráveis. É mais do que apenas ver, é estar lá”, resume. Em uma conversa paralela, ele conta que “sempre” quer voltar ao Brasil, mas devido à agenda não tem saído da rota EUA > Nova Zelândia, onde filma o novo Avatar.. “Sou membro de uma tribo Kayapó, onde participei de uma cerimônia de iniciação”, recorda

À Bazaar, ele reflete sobre os recentes lançamentos de dispositivos de realidade mista, como o Apple Vision Pro, os óculos holográficos da Meta e o seu Quest, entre outros. “Esses dispositivos são o melhor cinema 3D já criado”, afirma o diretor, que vê essas ferramentas como parte de uma “renascença” das produções imersivas. “Um ensino baseado em realidade aumentada ou virtual pode criar experiências espaciais que transformam como as crianças aprendem, ajudando-as a lembrar melhor.” Abaixo, leia a conversa com o canadense (que transformamos em Q&A), mas, antes, conheça o espaço dedicado à inovação tecnológica e espécie de museu.

*O jornalista viajou aos Estados Unidos a convite de Rolex.


Foto: Steve Jurvetson/Mind the Props

O estúdio multifuncional, com impressionantes 10.684 metros quadrados, é um centro de excelência cinematográfica. A locação conta com uma sala equipada com mais de cem câmeras dedicadas à captura de movimento, utilizadas principalmente na criação da franquia Avatar. “A WETA Workshop cria cada figurino, cada braçadeira, cada peça de joalheria, cada arma fisicamente e de forma prática”, explica Geoffrey Burdick, vice-presidente sênior de produção e tecnologia na Lightstorm Entertainment, que nos guiou na visita.

Jim havia acabado de voltar da Oceania, onde estão finalizando as etapas estruturais de “Avatar 3”. E eles estão desenvolvendo novas tecnologias para aprimorar ainda mais as técnicas de captura de movimento e composição estereoscópica – como o uso de câmeras manuais com peso reduzido e equipamentos projetados especificamente para permitir maior liberdade criativa, como rigs que combinam captura ao vivo e elementos virtuais​. Além disso, comentaram sobre a evolução da linguagem visual entre “Avatar” e “Avatar: O Caminho da Água”, adaptando câmeras como GoPro e smartphones. “Essa mudança reflete como a mídia é consumida e como filmes futuros, como Avatar 3, continuarão a explorar essas tendências para criar experiências imersivas e realistas​”, complementa Burdick.

Em um dos hangares, os atores interagem com ambientes físicos mínimos, enquanto câmeras e sensores capturam seus movimentos e expressões com precisão. O resultado é transportado para o universo digital de Pandora, trazendo personagens e cenários virtuais à vida com realismo. Em outro galpão, forma-se uma espécie de museu, com adereços originais como os trajes dos Na’vi, réplicas das criaturas e modelos usados para construir os cenários digitais. A WETA Workshop é quem produz todos adereços feitos à mão que servem de base para os elementos digitais.

Nesta mesma sala, uma réplica detalhada de partes do Titanic e outros adereços icônicos, como a joia Blue Diamond, podem ser vistas de pertinho. Os visitantes podem observar a precisão com que Cameron recriou elementos históricos, incluindo botes salva-vidas construídos pela mesma empresa que produziu os originais em 1912. Também estão disponíveis materiais relacionados às expedições submarinas feitas pelo diretor, como veículos robóticos e imagens captadas a 4 km de profundidade.

Alien também é celebrado nos estúdios. Um modelo original da nave Alien Scout, utilizada em Aliens: O Resgate, é uma das peças em exibição. O estúdio mantém esses itens para preservar a memória de uma era em que os efeitos práticos desempenhavam um papel crucial na criação de mundos de ficção científica. A nave, assim como outros adereços, destaca o nível de realismo que Cameron sempre buscou em suas produções. Os fãs de O Exterminador do Futuro podem conferir modelos originais dos T-800 e outras peças usadas nas filmagens. O estúdio mantém esses itens como um testemunho da era de efeitos práticos, antes do domínio do CGI, mostrando a evolução das técnicas de Cameron ao longo das décadas.

Em Alita: Anjo de Combate, Cameron explora o uso da captura de performance facial. O estúdio conta com consoles específicos para recriar cada nuance de expressão dos atores, garantindo que a transição para o mundo digital seja impecável. O nível de detalhe obtido no filme reflete a fusão entre tecnologia e emoção, criando personagens que parecem de verdade, mesmo sendo digitais.

Os estúdios também são um espaço de incubação para novas tecnologias e criatividade, com áreas dedicadas a testes de câmeras (há uma sala com mais de 100 espalhadas pelo estúdio), aprendizado de máquina e integração de gráficos em tempo real. Essas inovações são pontos centrais para James Cameron, avant-garde na experiência visual​ e imersiva com seus filmes. O espaço também abriga ambientes de teste para iluminação e superposição de efeitos visuais, além de consoles para ajustes em tempo real das cenas filmadas. Ah, e um cinema privativo para assistir às performances de cada longa antes de chegarem às telonas do mundo todo.


EXPOSIÇÃO

Foto: Getty Images

Até 5 de janeiro de 2025, a Cinemateca francesa (Cinémathèque française), em Paris, apresenta a exposição The Art of James Cameron, que celebra seis décadas da carreira do cineasta e explorador. Com mais de 300 peças, incluindo esboços, pinturas e modelos 3D, a mostra explora sua trajetória, desde sua infância no Canadá até os dias atuais. Além de sua renomada carreira cinematográfica, Cameron é reconhecido como explorador e inventor, tendo pilotado em 2012 um submersível até o fundo da Fossa das Marianas, acompanhado por um protótipo do relógio Rolex Deepsea Challenge. Dez anos depois, a marca lançou uma versão comercial do relógio, celebrando sua parceria com o cineasta.

Ainda no cinema, a Rolex não só apoia as produções artísticas, com personagens icônicos usando seus relógios, mas é parceira da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, é patrocinadora e fundadora do Academy Museum em Los Angeles, patrocina a cerimônia do Oscar, e ainda apoia iniciativas como a The Film Foundation de Martin Scorsese e o programa Rolex Mentor and Protégé Arts Initiative.


BATE-PAPO COM JAMES CAMERON

Foto: Divulgação/Rolex

Harper’s Bazaar: Como você enxerga o futuro do 3D no cinema e em outras mídias?

James Cameron: Os novos dispositivos de realidade mista, como o Apple Vision Pro, são o melhor cinema 3D já criado. Eles têm uma resolução e um brilho superiores até mesmo ao IMAX. A indústria precisa se adaptar. Não estamos criando um novo público, mas integrando o 3D às práticas de produção existentes para criar conteúdos otimizados para esses dispositivos.

HB: Você acredita que o 3D ainda tem espaço no cinema, especialmente com o crescimento do streaming?

JC: O 3D é uma parte importante do sucesso dos meus filmes, mas não é tão demandado nos cinemas como era antes. Com o avanço do streaming – que é quase todo em 2D –, o desafio é encontrar novas formas de integrar o 3D na experiência de entretenimento, especialmente com os dispositivos de realidade mista.

HB: O que você acha que torna o 3D tão especial em comparação ao 2D?

JC: O 3D ativa áreas do cérebro que o 2D não alcança. Ele cria uma sensação de presença física e memórias mais vívidas. Em momentos íntimos e dramáticos, como duas pessoas conversando em uma lanchonete, você sente que está na mesa com elas, captando todas as nuances. Isso transforma a forma como nos conectamos com a história.

HB: Como você vê a aplicação do 3D em outras áreas, como esportes?

JC: O 3D em esportes pode criar uma sensação de presença que o 2D não consegue. Imagine estar no cockpit de um carro de corrida, olhando para os outros pilotos ao seu redor. Estamos propondo um modelo híbrido que mistura imersão total com elementos tradicionais de transmissão, como seguir a bola ou cortar para a torcida.

HB: Você acredita que o 3D pode ter um impacto significativo na educação?

JC: Absolutamente. Um ensino baseado em realidade aumentada ou virtual pode criar experiências espaciais que transformam como as crianças aprendem, ajudando-as a lembrar melhor. Estudos mostram que o 3D aumenta a retenção de memória em até 50%. Quando combinado com inteligência artificial, pode criar ambientes personalizados para cada aluno.

HB: Quais são as barreiras para que a tecnologia 3D seja amplamente adotada?

JC: A aceitação social é uma grande barreira. Esses dispositivos precisam ser mais leves, fáceis de usar e, principalmente, serem considerados ‘cool’. Também precisamos criar conteúdo de qualidade que conecte o público de onde ele já está, como streaming e redes sociais.

HB: Como foi trabalhar com novas tecnologias no desenvolvimento de Avatar e outros projetos?

JC: Avatar foi feito 100% em ambientes internos. As cenas de selva, com raios de luz atravessando as árvores, foram todas geradas no computador. Só precisamos construir o que os atores realmente tocam. Tudo o resto é adicionado digitalmente depois, com precisão técnica.

Foto: Getty Images

HB: Como você encara os avanços na captura de movimento e realidade virtual?

JC: Dispositivos como o Apple Vision Pro estão definindo um novo padrão, mas acredito que ainda podemos melhorar. Estamos trabalhando em equipamentos menores e mais acessíveis, para que o 3D e a captura de movimento possam ser usados em produções menores e até mesmo no dia a dia das pessoas.

HB: Como o 3D pode ajudar no combate a deepfakes?

JC: No jornalismo, o 3D pode ser uma ferramenta poderosa contra deepfakes. É muito mais difícil falsificar profundidade do que uma imagem 2D plana. Antes que o 3D seja amplamente falsificado, seria importante para as agências de notícias adotarem a captação em 3D. Isso ajudaria a garantir que o que vemos seja real e não manipulado por IA.

HB: Qual é a diferença entre o que o 3D oferece e o que a IA faz hoje?

JC: A inteligência artificial trabalha com bitmaps — milhões de imagens 2D para criar padrões. Mas esses sistemas não entendem profundidade ou espaço. No 3D, o cérebro faz a mágica, combinando as imagens para criar uma percepção espacial. Essa é uma vantagem única que o 3D pode oferecer.

HB: Como você enxerga a evolução técnica das câmeras e dispositivos 3D para produções menores?

JC: Estamos trabalhando para tornar a tecnologia mais acessível, reduzindo o peso e o custo dos dispositivos. Nossa meta é criar equipamentos menores e mais leves, otimizados para o público geral e também para produções menores.

HB: Você acredita que dispositivos como os da Meta podem impulsionar o uso de realidade mista no dia a dia?

JC: Acredito que sim. Esses dispositivos estão criando padrões importantes, especialmente para imersão e qualidade visual. O desafio é torná-los leves, acessíveis e socialmente aceitos.

HB: Você pode dar um exemplo de como o 3D funciona bem em esportes?

JC: Filmamos o Masters em 3D e, de repente, o relevo do campo de golfe ficou evidente de uma forma que o 2D jamais capturaria. Esse tipo de detalhe transforma a experiência para quem está assistindo.

HB: Você lembra foi sua primeira reação ao ver o Titanic pela primeira vez?

JC: Minha primeira visão do Titanic foi quase uma colisão. Estávamos navegando em um turbilhão de sedimentos e quase batemos em uma parede de rebites. Foi assustador, mas absolutamente inesquecível.

HB: O que gostaria de ter registrado em 3D se pudesse voltar no tempo?

JC: Há tantas coisas. Acho que qualquer um que já teve uma experiência marcante na vida gostaria de lembrar melhor. Você se lembra que aconteceu, mas a memória pode ficar um pouco nebulosa, e, se conversar com outras pessoas que estavam lá, perceberá que a memória delas é completamente diferente da sua. Eu adoraria ter memórias mais claras.

O interessante sobre o 3D é que ele faz tudo parecer mais real. Você se sente mais presente. E, além disso, ele é completamente objetivo. Não é como você gostaria de lembrar, e sim exatamente como aconteceu. Para conteúdos gerados por usuários, isso significa que as pessoas poderiam compartilhar suas vidas com mais fidelidade, e ver como os outros vivem seria uma extensão natural do paradigma das redes sociais.

Foto: Getty Images