
Os brises do novo edifício, na Avenida Paulista – Foto: Ruy Teixeira, com direção de arte de Yasmin Klein, coordenação de Mariana Simon (KM Studio), produção executiva Zuca Hub e produtora responsável Claudia Nunes
Quando Lina Bo Bardi concluiu o projeto do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), em 1968, praticamente assinou um manifesto: a obra brutalista, feita de concreto armado e vidro, que flutua sobre o espaço e convida a paisagem a se integrar por meio do famoso vão livre, era um tapa com luva de pelica nos casarões da Avenida Paulista e seu passado elitista.

Os arquitetos Gustavo Cedroni e Martin Corullon, sócios na Metro Arquitetos e responsáveis pelo retrofit do Edifício Pietro Maria Bardi – Foto: Ruy Teixeira, com direção de arte de Yasmin Klein, coordenação de Mariana Simon (KM Studio), produção executiva Zuca Hub e produtora responsável Claudia Nunes
É com esse mesmo espírito inclusivo, diverso e plural que o museu acaba de concluir sua expansão. Na falta de espaço vazio na cidade vertical e adensada, encaixou-se perfeitamente no Edifício Pietro Maria Bardi (primeiro diretor artístico do museu e marido de Lina), o antigo prédio Dumont-Adams, da década de 1950, que estava praticamente demolido por uma obra anterior. O desafio de projetar um complemento à obra modernista, cartão postal de São Paulo, coube a Gustavo Cedroni e a Martin Corullon, sócios na Metro Arquitetos, com participação de Júlio Neves, que encararam a missão como uma conversa entre gerações. “Nosso objetivo foi criar um diálogo com o legado de Lina, sem apagar sua força, adicionando uma nova camada ao que ela já havia imaginado”, explicam.
Lina costumava dizer que o MASP não era apenas um projeto, mas um lugar para pensar a cidade de dentro para fora. E esse movimento foi retomado há quase 30 anos, quando Júlio Neves ainda era presidente da Instituição e apresentou um projeto ousado, quase megalômano, que não vingou porque desconfiguraria a construção original (tombada como Patrimônio Histórico) e foi barrado por entraves legais e pela falta de viabilidade econômica. O projeto atual, de 2015 e que será inaugurado agora em março, mais do que dobra a capacidade do museu, com cinco novas galerias, distribuídas em 14 andares (metade das lajes foi removida para criar um ambiente com pé-direito duplo, garantindo maior amplitude). O novo prédio não tenta – e nem poderia – imitar as linhas suspensas, mas traz referências sutis. A transparência radical do projeto original, por exemplo, ganha uma versão oposta: uma pele de alumínio que ora é opaca, ora é translúcida cria um jogo de luz e sombra, que diminui a carga térmica e aumenta a eficiência energética do edifício. “Não é sobre copiar ou reproduzir, mas sobre estabelecer relações – às vezes por similaridade, às vezes por contraste”, explica Corullon.
“Nosso ponto de partida foi responder à pergunta: Como se constrói um conjunto arquitetônico que dialoga, tendo em vista o uso das pessoas e suas experiências, e como ele se apresenta na cidade?”, diz Cedroni. O prédio está equipado com duas áreas multiúsos, salas de aula e laboratório de conservação, além de restaurante, café, depósitos, docas para carga e descarga de obras e uma área de acolhimento para o público. Quando a equipe liderada pelos sócios assumiu a recuperação do edifício original, o MASP embarcou em um processo de resgate físico e institucional. “A ideia era devolver ao prédio da Lina o que ele representava em sua concepção”, explica Corullon. “O desafio foi criar um contraponto que não ofuscasse o original, mas que tivesse caráter próprio”, aponta Cedroni. A verticalização, considerada um desafio por muitos, é vista como uma oportunidade de conexão – a exemplo de museus de Nova York e outras megalópoles do mundo. “Conseguimos criar espaços acolhedores, mesmo com dimensões amplas e materiais brutalistas.”
Concreto aparente, janelões com vista para a cidade, galerias generosas, paredes adaptáveis e iluminação flexível reforçam a vocação do MASP para a inovação expositiva. Mais do que uma ampliação, o anexo representa um marco na paisagem paulistana. “Ao construir este edifício, estamos construindo a cidade”, reflete Cedroni. A nova estrutura dialoga com a dinâmica urbana e contribui para um panorama mais integrado e humano da Paulista. “Queríamos um prédio que fosse, ao mesmo tempo, um contraponto e um complemento ao edifício original”, resume Corullon. A solução mais sustentável foi usar as fundações existentes do edifício, que já estavam no local por causa de intervenções anteriores. Isso permitiu que eles evitassem cavar novas fundações, o que teria sido um processo muito mais caro e complexo. O que torna este projeto ainda mais especial é a matriz de materiais e especificações utilizadas. “Nada disso existia pronto no mercado – tudo foi inventado, criado e desenvolvido especialmente para o edifício. Trabalhamos com elementos que, embora modernos, têm uma conexão com a linguagem arquitetônica da Lina”, pontua Cedroni.
A programação do novo MASP, a partir da abertura do anexo, promete explorar narrativas que conectam passado, presente e futuro da arte e da sociedade. Já está confirmado o tema para 2025: Histórias da Ecologia, com exposições, cursos, palestras, oficinas, seminários e publicações que convidam à reflexão sobre temas urgentes relacionados ao meio ambiente. A escolha da programação parte de duas premissas centrais: funcionar como extensão do edifício principal e estabelecer um diálogo visual e simbólico com a cidade. Mais do que um edifício, o anexo é um convite ao diálogo entre arquiteturas, tempos e pessoas. “Este projeto é sobre acolhimento e transformação”, concluem os arquitetos. “Uma arquitetura que não apenas abriga, mas também inspira.” O mesmo espírito, enfim, que Lina imaginou para seu museu: um lugar para provocar, acolher e conectar – um espaço funcional e, ao mesmo tempo, poético.