Há mais de duas décadas na TV, a atriz Carol Castro (41) é daquelas artistas que provam, a cada projeto, que a reinvenção é uma arte que se cultiva dentro e fora dos estúdios. Na pele de Clarice Dourado, em Garota do Momento, ela não só revisitou suas próprias fronteiras como mulher e artista, mas também encontrou um renascimento pessoal. Foram meses intensos dando vida a uma mulher partida entre memórias roubadas, maternidades reescritas e amores que desafiaram qualquer lógica. Tudo isso, dentro e fora de cena, Carol viveu com a entrega que é sua marca desde o início da carreira.
Agora, prestes a se despedir de Clarice, a atriz saboreia o presente com serenidade: fala de futuro com brilho nos olhos, valoriza as críticas construtivas, celebra parcerias que nasceram nos bastidores e faz da arte seu território mais fértil de renovação. Vêm filme, peça, série e, acima de tudo, o desejo de permanecer em movimento. Para Carol Castro, recomeçar não é apenas profissão: é essência.
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Clarice é um papel que mexeu muito com quem assistiu e, imagino, com quem interpretou. O que mais te marcou nessa mulher dividida entre traumas, segredos e amor incondicional?
Clarice foi, sem dúvida, uma das personagens mais desafiadoras que já vivi. Ela carrega uma dualidade muito rica: é frágil e, ao mesmo tempo, extremamente forte. Personagem com várias camadas de complexidade. Foi vítima de manipulações cruéis, mas manteve dentro dela uma centelha de afeto que nem a violência conseguiu apagar. Isso me fez mergulhar em camadas muito profundas, entender como o amor pode ser uma âncora mesmo no meio do caos. Saio dessa experiência mais madura como artista e com ainda mais empatia por histórias reais de mulheres que resistem em silêncio.
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A maternidade é um tema que atravessa toda a trajetória de Clarice. Como atriz e mãe, como você equilibrou razão e emoção para dar verdade a essas relações tão conturbadas?
Ser mãe, para mim, é o meu papel mais visceral. Então, foi impossível não misturar um pouco da Carol com a Clarice. Ela teve a maternidade roubada, reinventada e, ainda assim, se manteve maternal. Eu precisei encontrar dentro de mim essa dor de perder um filho e, ao mesmo tempo, o amor que renasce quando se reencontra. Isso me exauria em cena, mas também me fortalecia fora dela. Terminei a novela ainda mais grata pela minha filha e consciente de que o amor de mãe é, de fato, inquebrantável — ainda que o mundo desmorone ao redor.
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Ao longo da novela, o público não poupou opiniões — muitas vezes, duras. Qual foi o aprendizado de lidar com essa exposição e com tantas leituras diferentes de Clarice?
Eu costumo dizer que novela é uma obra viva, né? Cada um interpreta a partir das próprias vivências. Algumas críticas foram duras, sim, mas faz parte. O que eu levo disso é que a Clarice provocou discussões importantes: sobre maternidade, sobre perdão, sobre o limite entre vítima e cúmplice. Como atriz, minha missão é entregar a verdade, mesmo quando não concordo cem por cento com o rumo da história. E acho que isso ficou: uma Clarice humana, contraditória, cheia de falhas, mas com muito amor pra dar. O carinho de quem entendeu isso compensou qualquer julgamento.
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Foram cenas de alta carga emocional, crises, descobertas e até violência. Como você se blindava nos bastidores para não levar tudo para casa?
Eu sou muito intensa no trabalho, então preciso ter meus escapes. Música é essencial: tenho playlists para cada personagem e, com Clarice, não foi diferente. Também tenho meu cantinho de silêncio no camarim, meu tempo de meditação. Mas, acima de tudo, é em casa que eu realmente me limpo de toda essa carga: minha filha é minha maior fonte de luz — e meus gatos também! Tenho uma relação de família com meus bichinhos, um deles está comigo há 18 anos. É como se eles fizessem uma “limpeza energética” em mim com o amor incondicional que me dão. E não posso deixar de dizer que o carinho do público também foi um grande combustível. Apesar de algumas críticas mais duras, 90% das mensagens que recebi foram de amor e apoio. Isso faz tudo valer a pena e dá força para eu seguir inteira, mesmo depois de uma cena pesada.
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Clarice se despede, mas a Carol segue com força total. O que vem agora para essa mulher que se reinventa sem medo?
Eu brinco que pareço incansável, mas na verdade sou apaixonada pelo que faço. Agora, depois de uma pausa curtinha para respirar, começo a pré-produção do próximo trabalho, que é um longa. Lanço a série Jogo Cruzado, que estreia em 9 de julho no Disney+! Logo em seguida, tenho ensaios de uma peça que estreia ainda este ano, algo que me deixa com aquele friozinho na barriga delicioso do teatro. E tem uma série para estrear no streaming também, então não paro! Mas, acima de tudo, sigo priorizando meu maior papel: ser mãe. Equilibrar tudo isso é o que me mantém viva e em constante renovação.
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Jogo Cruzado traz sua personagem como protagonista no Disney+, com estreia em 9 de julho. O que o público pode esperar dessa nova trama? Você se adaptou super bem aos conteúdos voltados para o streaming. Qual a grande diferença em atuar para TV e as plataformas?
A TV exige muito mais e tem um ritmo diferente. É tudo mais “acelerado” e por muito mais tempo. Uma novela, por exemplo, são cerca de 10 meses de trabalho, seis vezes por semana, com uma média de 20 cenas por dia, 11 horas diárias. É uma verdadeira maratona! Eu sempre gostei de circular entre teatro, cinema e TV. Quando chegou o streaming, me senti muito adaptada ao formato e instigada pelos novos desafios. Mas a atuação segue o mesmo caminho, o que muda são os tempos e o fato de as histórias já estarem fechadas. A novela tem esse lugar de ser uma obra aberta, viva, em que não se sabe ao certo o meio e o fim. Além disso, às vezes tudo pode mudar no meio do caminho.
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Para dar vida a essa jornalista que confronta um ídolo do futebol, você precisou mergulhar no universo esportivo e na rotina da imprensa esportiva. Como foi o processo de criar essa personagem e quais aspectos dela mais te desafiaram ou encantaram?
Eu “colei” na Daniela Boaventura, que na época ainda estava na ESPN. Conversei muito com ela, acompanhei uma diária dela na emissora: participei da reunião de pauta, observei o momento de se arrumar, a vi em ação ao vivo e depois no processo de se “desproduzir”.
Foi muito enriquecedor, e ela foi extremamente generosa, falando abertamente sobre o machismo na área e contando episódios pessoais. Mergulhei (como sempre faço, rs) fundo nesse universo e embarquei numa busca diária de informações sobre o tema. Passei a seguir algumas jornalistas esportivas e outras mulheres da área, vi entrevistas, assisti a mais jogos de futebol e procurei me inteirar de tudo. Foi uma grande aventura do início ao fim! Estou muito curiosa para ver o resultado. Fiquei encantada, mas também indignada com a “teimosia” necessária, a disciplina, a força de vontade, a presença “imposta”, até o timbre mais potente que a mulher precisa ter para ser ouvida e respeitada num campo que ainda é tão patriarcal e cheio de “alfas”.