Com estreia em 2016 e sucesso renovado quase uma década depois, o espetáculo conquista novas gerações — e emociona as atrizes, que defendem Elphaba e Glinda com humanidade e coragem

O encontro entre Fabi Bang e Myra Ruiz tem o brilho de um daqueles momentos raros em que palco e vida se confundem. Atrizes de destaque no teatro musical brasileiro, as duas deram voz, corpo e alma às protagonistas de Wicked — o fenômeno da Broadway que se tornou, também por aqui, um marco cultural. A primeira montagem brasileira estreou em 2016; agora, quase uma década depois, o espetáculo volta aos palcos com força total. E o mais impressionante? A resposta do público só cresce.

Em junho, mês do orgulho LGBT+ e também do empoderamento feminino, conversar com as intérpretes de Elphaba e Glinda é como abrir uma janela para tudo que Wicked representa: sororidade, liberdade, coragem e a beleza das escolhas que fogem ao script. O musical, inspirado no livro “Wicked: A História Não Contada das Bruxas de Oz”, de Gregory Maguire, reimagina a narrativa clássica de O Mágico de Oz pela perspectiva da bruxa má do Oeste. Mas aqui, o que é mal, o que é bom e o que é justo são questões em aberto.

“A gente nunca se acostuma”, diz Myra, que interpreta Elphaba. “Cada sessão é muito mágica, para o público e para a gente. Tem o cansaço, claro, mas a resposta que recebemos emociona. Outro dia, a tia do meu namorado veio assistir, e no almoço do dia seguinte me abraçou chorando, dizendo que ainda estava impactada.” A identificação do público é tamanha que há quem assista várias vezes — e em fases diferentes da vida. “Tem gente que diz: ‘Essa cena, em 2016, não fazia sentido para mim. Hoje, é minha favorita’. Isso mostra o quanto a história cresce com a plateia.”

Fabi Bang, que vive Glinda, concorda: “O público é muito diverso — crianças, adultos, idosos. Cada um se conecta de um jeito. E o mais bonito é ver que esse público não para de crescer. As crianças de ontem são os adultos de hoje, e continuam voltando.” A abrangência do musical é um dos seus maiores trunfos. Tem quem se encante pela magia, quem se emocione pelas perdas, e quem se reconheça nos dilemas de amizade, identidade e pertencimento que a trama costura.

Com estreia em 2016 e sucesso renovado quase uma década depois, o espetáculo conquista novas gerações — e emociona as atrizes, que defendem Elphaba e Glinda com humanidade e coragem

Lançado na Broadway em 2003, Wicked é um dos maiores sucessos da história dos musicais — tanto em bilheteria quanto em impacto cultural. Com músicas de Stephen Schwartz e libreto de Winnie Holzman, a obra é, antes de tudo, uma história de amizade entre duas mulheres completamente diferentes, mas unidas por algo maior. “Cada vez que a gente volta, a história faz ainda mais sentido”, diz Myra. “Hoje se fala mais de representatividade, de minorias, de empoderamento. Mas em 2003, isso não era comum. É como se a peça estivesse sempre alguns passos à frente do tempo.”

E essa atualidade tem ressonância direta com a vida das atrizes. Myra confessa que há uma cena, no início do segundo ato, que a emociona todos os dias: “É um momento mais denso para minha personagem, mais reflexivo. Depois de um primeiro ato forte e bombástico, essa volta me exige muito. Mas com o tempo fui entendendo melhor qual é a missão da Elphaba ali. Hoje me sinto porta-voz de algo que também faz parte do meu contexto de vida.”

Já Fabi brinca que a cada fase da vida ela se identifica com uma versão diferente da Elphaba. “Tem gente que pergunta: você é mais ‘O Mágico e Eu’, ‘Desafia a Gravidade’ ou ‘Todo Bem Tem Seu Preço’? E a resposta é: agora, sou todas. ‘Todo Bem Tem Seu Preço’, em especial, fala muito sobre o custo de se posicionar, algo que todas as mulheres enfrentam, especialmente depois dos 30. A trajetória da Glinda e da Elphaba no segundo ato é muito simbólica para mim.”

É impossível falar da história de Wicked no Brasil sem mencionar Fabi e Myra. Elas estiveram nas montagens anteriores, nos bastidores e agora retornam ao palco em meio a uma temporada estendida — inicialmente com data para terminar em julho, agora prorrogada até agosto, graças à demanda. “É um privilégio imenso viver essa história no palco e, ao mesmo tempo, estar envolvida com a divulgação do filme”, comenta Fabi, referindo-se à versão cinematográfica de Wicked, dividida em duas partes e estrelada por Cynthia Erivo e Ariana Grande. Ambas dublam as personagens principais na versão brasileira.

“É engraçado porque quando o trailer saiu, teve gente que achou que já tínhamos assistido. Mas não! A gente dubla sem ver quase nada, só os lábios das atrizes. Não temos acesso à cena toda. Então, quando vimos o trailer no teatro junto com o público, foi emocionante. Para nós também era inédito”, lembra Myra. Esse momento de comunhão com os fãs reforça a conexão construída ao longo dos anos — uma relação que vai muito além do palco.

Sucesso nas redes sociais

As duas são bastante ativas nas redes sociais, especialmente no TikTok, onde compartilham bastidores, coreografias e até versões pagode das músicas de Wicked. “Acho que o público gosta de ver essa nossa energia fora do palco. Mostra que a nossa relação é verdadeira, que somos amigas de verdade”, diz Fabi.

Mas é na porta do teatro que o impacto do musical se materializa de forma mais visceral. “Tem famílias inteiras que viajam de outros estados só para assistir. Outro dia, depois do espetáculo, já era mais de meia-noite e vi um pai, uma mãe e uma filha de 12 anos, vindos de Santos, esperando no frio só para dar um abraço e tirar uma foto. É muito tocante”, lembra Myra.

No mês do orgulho, a lembrança da comunidade LGBTQIA+ também aparece como central na história do espetáculo. “É o público que mais abraça o Wicked, que mais se vê nessa história. A Elphaba voando, se libertando, representa muito para quem passou a vida se sentindo diferente”, diz Fabi. “Já ouvimos relatos muito fortes. Uma vez, uma jovem autista nos contou que estava à beira do suicídio, sem diagnóstico, sem conseguir entender por que o mundo parecia não feito para ela. E ao assistir Wicked, ela disse: ‘Percebi que eu não estou sozinha””. 

 

Legado de Wicked

Fabi e Myra não têm dúvidas de que fazem parte de um legado — e falam disso com uma mistura de gratidão e responsabilidade. “A gente viveu todas as fases. E sabemos que o Wicked no Brasil é reconhecido lá fora. O nosso público é apaixonado, engajado. E isso chega na Broadway, sim”, diz Myra. “É uma história construída a muitas mãos — nossas, dos diretores, do público. E eu tenho orgulho da forma como defendemos essas personagens, não só pelo brilho, mas pela humanidade delas”. 

 

“Acho que o nosso maior trunfo foi nunca transformar esse papel num pedestal”, completa Fabi. “Sempre estivemos junto do público. Não éramos divas inalcançáveis. A gente também chorava, também se emocionava, também vibrava. Essa troca é o que torna tudo mais especial”. 

Com estreia em 2016 e sucesso renovado quase uma década depois, o espetáculo conquista novas gerações — e emociona as atrizes, que defendem Elphaba e Glinda com humanidade e coragem

E mesmo com mais uma temporada em andamento e o filme ganhando o mundo, elas ainda sonham mais alto. “Imagina uma sessão de cinema com apresentação ao vivo do musical? Seria o máximo!”, brinca Myra. Enquanto isso, o público segue enchendo as sessões e se emocionando com uma história que fala de amizade, aceitação e coragem. Porque, no fim das contas, como cantam Elphaba e Glinda em um dos momentos mais icônicos da peça: “Porque eu te conheci, eu mudei para sempre”.