
Vista da Casa Daia Foto Thiago Faquineli
Às vezes a vida dá um golpe que nos faz perder o rumo para encontrar um caminho novo. No processo, é inevitável refletir sobre nossas decisões e consequências no nosso próprio corpo no planeta. Eduardo Hargreaves, ex-executivo do mercado financeiro, teve um burnout durante a pandemia e passou por um desses momentos de pausa e revisão. E voltou para o jogo com uma ideia bonita na cabeça: criar um hotel exclusivo, consciente e em sintonia com a cultura local. Um lugar para conectar corpo e mente, sociedade e natureza, sensações e saberes. Um verdadeiro antídoto para a vida frenética e cada vez mais alienada da cidade, uma possibilidade de percepção de novas formas de habitar o mundo.
O lugar escolhido? Uma antiga fazenda de 220 hectares cercada por ecossistemas diversos – da caatinga ao mangue – em Barra dos Remédios, extremo oeste do Ceará. E assim nasceu a Casa Daia, um novo hotel que respeita os tempos da natureza e os ritmos da vida local.

A casa de praia da Casa Daia
Greg Bousquet, da Architects Office, foi o responsável pelo restauro e ampliação da antiga sede da fazenda que conta, hoje, com três suítes. Os interiores ficaram por conta da Black Arquitetos, escritório local que desenvolveu móveis para casa principal e uma paleta que dialoga com a natureza – os terrosos remetem ao barro, os verdes dialogam com a mata e os tons beges e marrons te conectam com a praia. “Um dos grandes desafios desse projeto era escolher móveis e itens do Ceará ou da região. Usei peças do Miguel Delima e da Glória Araújo, além de vasos belísismos do Almir Lemos”, relata Ana Paula Campos, da Black Arquitetos. Símbolo do Ceará e atualmente ameaçada de extinção, a ave “jandaia-verdadeira” aparece representada na obra Arthur Grangeia.

Interiores da Casa Daia

Tons terrosos para compor os espaços
Mas o acesso ao local não é simples e os movimentos e tempos da própria natureza acenderam um alerta: “Quando você está presente num lugar desses, começa a ter uma outra percepção do desperdício de material, energia, comida e água. Eu entendi que era importante encontrar uma solução arquitetônica que afetasse o mínimo possível”, explica Hargreaves. Entre suas pesquisas, encontrou Fernanda Barbara, da UNA barbara e valentim, que havia ganhado um prêmio por uma construção modular em CLT. Os módulos, um sistema construtivos com pensamento industrial, reduz drasticamente o desperdício de materiais e o tempo de obra. E a estrutura de CLT (Cross-laminated timber) não requer a queima de combustíveis fósseis e é feita geralmente de madeira de reflorestamento.

Os quartos combinam texturas e cores que dialogam com a natureza do entorno
Fernanda assumiu, então, a idelizaçào dos 4 bangalôs modulares de eucalipto reflorestado cujos interiores ganharam a assinatura de Mariana Schmidt, da MNMA Studio. Produzidos pela Crosslam e montados no local pela Abaeté Construtora, as construções seguem uma estética essencialista e integra-se ao entorno com estruturas leves, ventilação natural e o mínimo de impacto ambiental e visual. A ideia, afinal, é contemplar o que está do lado de fora!
Toda a operação é regida por princípios regenerativos: a agrofloresta alimenta parte do restaurante, o consumo de plástico é controlado e a captação de água da chuva ajuda no abastecimento do hotel. “Por incrível que pareça, água é um recurso escasso por aqui. Por isso, trabalhamos com o uso mais consciente possível”, pontua.Hargreaves.

Coleta de sururu

Cajueiro na agrofloresta

Apicultura local
O lugar é perfeito para contemplação dos ritmos da natureza. Mas se você precisar movimentar o próprio corpo, a dica é explorar as opções de esportes aquáticos: kite surf, wing foil, stand up paddle, caiaque e wakefoil. É possível, ainda, remar por mangues, caminhar entre carnaúbas, explorar dunas e suas piscinas naturais. Interessados em processos e aprendizados para um cotidiano mais consciente podem participar de oficinas de bioconstrução e visitas guiadas na agrofloresta. Vale participar da coleta de sururu ou da farinhada – entre julho e setembro, a população local se reúne para produzir a farinha e a goma da mandioca de forma coletiva, passando por várias etapas, desde a colheita e a limpeza da raiz até a torração da massa.
O paladar é mais uma ferramenta que conecta o hóspede ao território. Da cozinha, comandada pelo chef Fábio Vieira, você poderá provar ingredientes nativos e receitas ancestrais – caso do arroz caldoso com frutos do mar, do tartar de carne de sol com aioli de jerimum e da arraia gratinada com natas. Reserva feita?