Foto: Acervo Pessoal

Se A sangue frio, de Truman Capote, eternizou a frieza de um crime, A sangue quente (Editora Labrador) segue na direção contrária: mergulha no calor. O calor humano, político e afetivo que pulsa no Rio de Janeiro, uma cidade que fala alto, que se acha única — e talvez seja. É nesse excesso que Hermés Galvão encontra matéria-prima para suas crônicas, reunidas em um livro que transita entre observação e confissão, carregado de humor afiado, ironia debochada e libido narrativa. Nesta quinta-feira (28.08), o autor recebe amigos em noite de autógrafos, às 19h, na Livraria Argumento (Rio de Janeiro).

Mais do que retratar personagens, o autor se propõe a investigar a alma carioca. Uma cidade que é, ao mesmo tempo, maravilhosa e delinquente, eterna adolescente e sábia em sua marra. O resultado é um álbum de cenas que beira a confissão, mas também se disfarça de diário coletivo, no qual figuras reais e quase fictícias se misturam. Das peruas de academia que nunca pisaram numa esteira aos velhos meninos que ignoram o tempo e seguem desfilando pelo calçadão como garotões; das socialites que parecem estacionadas em algum ponto entre 1984 e uma taça de champanhe aos atores com projetos intermináveis à espera de um teste de sofá. Há também os gurus que ontem exaltavam o “MD” e hoje pregam o poder do namastê. Todos atravessam as páginas de A sangue quente como peças de um mosaico da vida carioca, retratados com afeto e sarcasmo na mesma medida.

“O Rio de Janeiro nasceu com o rabo virado para a lua. E cresceu olhando para o próprio umbigo”, escreve Galvão em um dos trechos. A frase sintetiza o espírito do livro: um Rio de contrastes, capaz de se manter inesgotável em matéria de histórias. O leitor encontra, aqui, crônicas que não são exatamente ficção, tampouco se pretendem registro objetivo da realidade. São retratos escritos no calor do momento, confissões íntimas o suficiente para soar como segredos, mas distantes o bastante para não virar sessão de terapia.

Ao mesmo tempo íntimo e coletivo, o livro dialoga com quem já viveu — ou ainda vive — o Rio em suas contradições. É um retrato da cidade a partir de dentro, mas escrito com a perspectiva de quem hoje a observa de fora, da distância lisboeta. Esse olhar deslocado acentua cores, excessos e ironias, tornando A sangue quente não apenas um livro sobre o Rio, mas também sobre o ato de narrar o que se perdeu e o que ainda resiste.

Foto: Divulgação

Sobre o autor

Hermés Galvão nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, e hoje vive em Lisboa. Escritor e psicoterapeuta, é colaborador assíduo da Harper’s Bazaar e da Bazaar Man, além de autor de Como viajar sozinho em tempos de crise financeira e existencial e Granado 150 anos. Em A sangue quente, entrega seu trabalho mais visceral até aqui: uma coletânea de crônicas que recusa o distanciamento da análise fria e assume a intensidade como método, revelando um Rio de Janeiro que, entre amor, tédio, tara e teimosia, insiste em existir.