Elizabeth Bishop: Do Brasil com Amor

Por Paula Jacob

 

A 27ª edição do Festival do Rio começou nesta quinta-feira (02), com sessão especial de abertura do longa de Luca Guadagnino, Depois da Caçada. A curadoria sempre impecável, com sessões disputadíssimas em diferentes cinemas da capital carioca, contempla mais de 300 filmes, entre produções nacionais e internacionais. Um dos destaques deste ano é a Première Brasil, que bateu recorde com 125 filmes (entre longas, curtas, séries e clássicos restaurados), reforçando a importância do cinema brasileiro para o público.

Na sessão documental, títulos recém premiados ou presentes nos principais festivais mundo afora (como Veneza, Cannes e Sundance) olham para conflitos sociais, memória coletiva, meio ambiente e cultura. Aqui, uma seleção de 13 documentários imperdíveis na programação:

 

Elefantes Fantasmas

Werner Herzog volta seu olhar para a fascinante investigação de um cientista que acredita na existência de uma linhagem perdida de elefantes gigantes, possivelmente descendentes do maior exemplar já registrado. A jornada atravessa territórios marcados por guerras, caçadas ilegais e destruição ambiental, mas também por saberes ancestrais e resistência cultural. Com sua narrativa inconfundível, o cineasta alemão transforma a busca científica em reflexão sobre obsessão, memória e a frágil convivência entre humanidade e natureza.

 

 

Cadernos Negros

Inspirado nos escritos de Carolina Maria de Jesus, o documentário revisita a trajetória da série literária que dá título ao filme, criada em 1978 por escritores ligados ao Movimento Negro Unificado. A iniciativa, conduzida pelo grupo Quilombhoje, nasceu como resposta ao apagamento da presença negra na literatura brasileira e se consolidou como um espaço de resistência e afirmação cultural. Entrevistas conduzidas por Joel Zito Araújo com grandes nomes como Conceição Evaristo compõem a narrativa deste resgate histórico.

 


Elizabeth Bishop: Do Brasil com Amor

O documentário mergulha nos anos em que a poeta americana Elizabeth Bishop viveu no Brasil, período em que sua obra alcançou reconhecimento mundial e sua vida se entrelaçou à da arquiteta Lota de Macedo Soares. Entre cartas, poemas e imagens de arquivo, o filme revela uma estrangeira fascinada pela cultura brasileira, mas também confrontada por suas próprias fragilidades. A narrativa não quer se basear em uma biografia convencional, mas, sim, construir um mosaico poético sobre amor, pertencimento e o impacto duradouro que o país teve na sensibilidade literária de Bishop.

 



Os Diários de Ozu

A partir de diários, cartas e registros pessoais, o filme desvenda a intimidade de Yasujiro Ozu, mestre do cinema japonês conhecido por retratar com delicadeza as relações familiares e a solidão. Entre memórias de guerra, perdas e reflexões sobre a vida, emerge o homem por trás do cineasta, cuja sensibilidade transformou experiências dolorosas em obras-primas como Era uma Vez em Tóquio, Flor do Equinócio e Dia de Outono. Com depoimentos de cineastas contemporâneos, este documentário faz um retrato de como Ozu transformou sua própria vulnerabilidade em linguagem cinematográfica universal.

 

Os Diários de Ozu

 

Francis Ford Coppola – O Apocalipse de um Cineasta

Registrado pelas lentes de Eleanor Coppola, este documentário expõe os bastidores caóticos das filmagens de Apocalypse Now, obra-prima que quase arruinou a carreira do cineasta. Entre atrasos, problemas financeiros, crises de saúde no elenco e o clima imprevisível das locações nas Filipinas, o filme mostra como Coppola enfrentou o próprio limite em busca de uma visão grandiosa. O resultado mostra como a fascinação pela arte e o colapso mental podem ruir as fronteiras entre a ficção da guerra e o inferno de uma produção cinematográfica tão megalomaníaca.

O Apocalipse de um Cineasta

 

Mundurukuyü – a floresta das mulheres peixe

Filmado na aldeia Sawre Muybu, às margens do Tapajós, o documentário entrelaça mito e resistência ao narrar a cosmologia Munduruku, em que humanos se transformaram em rios, árvores e animais. Conduzido por mulheres indígenas que assumem a câmera como arma de defesa, o filme dá protagonismo aos jovens Munduruku, mostrando como a tradição oral e o audiovisual se unem para preservar a memória ancestral e fortalecer a luta pela Amazônia. Em ano de COP 30, se torna um registro importante para reavaliarmos a nossa relação com a natureza e a proteção ambiental.

Mundurukuyü

 

Nossa Terra

O filme acompanha a luta da comunidade indígena Chuschagasta, no norte da Argentina, após o assassinato de seu líder Javier Chocobar em 2009, crime registrado em vídeo que se tornou símbolo da disputa por terras ancestrais. Combinando registros do julgamento dos acusados, arquivos fotográficos e vozes da própria comunidade, a diretora Lucrecia Martel investiga a longa história de colonialismo e desapropriação que culminou na tragédia. 

 

A Estrada de Kerouac: O Beat de Uma Nação

Ebs Burnough revisita o impacto de On the Road, romance que fez de Jack Kerouac um ícone da contracultura, para mostrar como sua mensagem ainda ecoa em tempos digitais. Entre depoimentos de artistas e escritores, como Josh Brolin, Natalie Merchant e Joyce Johnson, e histórias de viajantes que vivem hoje o espírito do livro, o documentário dialoga com a busca por liberdade, conexões genuínas e experiências fora da lógica do sucesso material. 

A Estrada de Kerouac

 

O Longo Caminho para a Cadeira de Diretora

Partindo de imagens de arquivo recuperadas, a diretora norueguesa Vibeke Løkkeberg revisita o histórico “Seminário Internacional de Mulheres no Cinema”, realizado em Berlim em 1973 – considerado um dos primeiros festivais feministas do mundo. O filme resgata debates, encontros e entrevistas com pioneiras de diversos países, revelando a energia de um movimento que buscava romper a hegemonia masculina no audiovisual. Quase meio século depois, esse mergulho nos lembra que muitas das lutas por igualdade de gênero na indústria ainda seguem abertas.

 

A marca do tempo

Dirigido por Kateryna Gornostai, o documentário acompanha a rotina escolar na Ucrânia em plena guerra, revelando como a tentativa de manter as aulas abertas se torna um gesto de resistência diante da destruição. Sem entrevistas ou narração, o filme constrói usa a colagem de imagens para expor a vulnerabilidade de crianças e professores em meio a bombardeios e deslocamentos, onde o cotidiano mais simples convive com a ameaça constante.

 

A Vizinha Perfeita

Vencedor do prêmio de Melhor Direção de Documentário Norte-Americano em Sundance 2025, o filme de Geeta Gandbhir revisita o assassinato de Ajike Owens, morta pela vizinha após uma disputa banal na Flórida. A partir de imagens de câmeras corporais da polícia e entrevistas, o documentário expõe como o preconceito racial e a controversa lei de autodefesa Stand Your Ground transformaram um conflito de vizinhança em tragédia.

 

Honestino

Mesclando documentário e ficção, o longa de Aurélio Michiles resgata a trajetória de Honestino Guimarães, líder estudantil da geração de 1968, presidente da UNE e desaparecido político da ditadura militar. A partir de arquivos inéditos, escritos pessoais, depoimentos de familiares e encenações com Bruno Gagliasso, o filme relembra sua militância, prisões e sequestro em 1973, aos 26 anos.

Como Inventar uma Biblioteca

Shiro Koinange e Angela Wachuka estão em missão para reinventar a Biblioteca McMillan Memorial, em Nairóbi, um espaço marcado pelo passado colonial e que até 1958 era exclusivo para brancos. Entre negociações políticas, campanhas de financiamento e dilemas sobre quais memórias preservar ou superar, as duas mulheres buscam transformar o local em um centro cultural vivo e inclusivo. Os diretores Maia Lekow e Christopher King buscam mostrar que a questão não é só sobre o desafio de restaurar um prédio como esse, mas também a complexa tarefa de reimaginar a herança colonial no presente.