Por Paula Jacob

Um ano cheio para o ator Josh O’Connor. Além de estrelar no drama The History of Sound, ao lado de Paul Mescal, empresta a sua personalidade quase blasé para outro drama de época, The Mastermind, escrito e dirigido por Kelly Reichardt. Aqui, ele vive James, um carpinteiro desempregado, sem muitas perspectivas de trabalho por ter uma vida confortável como filho de um importante juíz de Massachusetts. Em busca de alternativas para fazer dinheiro fácil e manter a vida com a eposa e os dois filhos, ele vê na possibilidade de roubo de obras de arte uma saída. 

 

A família costuma frequentar um museu na Nova Inglaterra metodicamente como parte do lazer herdado dos pais – que são apoiadores da instituição. Durante os passeios, enquanto as crianças conversam sobre assuntos aleatórios e Terri (a sempre irreverente Alana Haim) admira as obras com calma e precisão, o protagonista colhe informações importantes para o seu plano ainda embrionário. Ele observa a atmosfera, quais salas possuem mais movimento, quais horários o segurança sonolento está escalado e como seria possível sair com telas histórias sem ser notado.

 

Ele contrata dois amigos para ajudá-lo nesse projeto bem caseiro de planejar um roubo à luz do dia. Os três se encontram no porão da casa de James, provam meias-calças para deformar o rosto e combinam um troca de rota e carros alugados com certeza matemática. A preocupação maior dos terceiros é como fazer dinheiro com uma ação tão inesperada, numa comunidade que se conhece tão bem. Contudo, James garante: “O mercado paralelo se interessa por todo tipo de arte”. Então, repete o passo a passo e com a confiança e serenidade que a vida lhe deu, garante a eles entrada e saída tranquilas do museu. Uma ousadia que poucos conseguem sustentar. 

 

À medida que acompanhamos cada ponto deste assalto, as coisas já começam a se empilhar numa sequência de erros. O primeiro: um dos amigos desiste e coloca em seu lugar alguém fora do ciclo de amizade e confiança de James. Instável, esse homem que já havia cometido outros delitos, decide aparecer armado sem a menor necessidade. O plano segue assim mesmo e eles vão para o destino. James fica no carro enquanto espera a ação nada discreta dos outros dois. Flagrados por duas meninas que estavam ali para uma atividade escolar, eles agem de maneira efusiva e aí tudo desmorona.

 

 

Os quadros roubados são de Arthur Dove, artista americano tido como um dos primeiros pintores abstratos dos Estados Unidos. Ele estava em alta nos anos 1970, mais de vinte anos após a sua morte. Em artigo publicado no New York Times na época, o crítico Hilton Kramer descreve seu trabalho como “uma visão lírica e pastoral temperada por uma certa solidão e misticismo”. Um fato hipnotizante em suas telas. Nunca sabemos, de fato, o motivo específico – até porque o protagonista não tem um comprador já garantido –, mas é visível sua admiração pelas obras. Seria um ato passional, apenas?

 

Faria sentido já que os erros da ação descoordenada só foram se somando até o “mastermind” por trás de tudo ser descoberto com certa facilidade pela polícia local. E no lugar de proteger a sua família, decide fugir, andarilho, por outros cantos do país. Kelly Reichardt usa como pano de fundo as manifestações contrárias à Guerra do Vietnã para criar a atmosfera do filme, com estética atenta ao período histórico e a sobreposição de cenas com inspirações artísticas. 

 

A diretora ironiza esse zelo do protagonista pelas obras e o quanto lhe falta o mesmo consigo e com a mulher, os filhos, os pais. Ele anda sem rumo, demora a dar notícia, encontra velhos amigos, mas segue procurado. A ironia vem do destino, em um final que tira o riso interno até dos menos empolgados com a história em tons terrosos. Apesar de não ser uma obra de dimensões exuberantes, The Mastermind é um filme bonito para assistir em dias chuvosos.

 

“The Mastermind” é destaque da programação do Festival do Rio e estreia nos cinemas brasileiros dia 16 de novembro.