Por Cibele Maciet, de Paris

Olá, caro leitor da BAZAAR. Há estações em que Paris parece suspensa entre passado e presente — e o outono é uma delas. A cidade ganha outro brilho, mais baixo e mais denso, como se a luz escorresse pelas fachadas em tom de memória. As exposições se multiplicam, os cafés voltam a ser refúgio, e até os perfumes parecem falar mais devagar. É o momento em que a arte respira pelas esquinas, os livros renascem nas vitrines, e o luxo se reinventa em gestos pequenos: o traço de um pintor, o toque de um tecido, o vapor de um espresso recém-tirado. Nesta edição, seguimos esse fio de encantamento — das ladeiras de Montmartre às florestas de Eva Jospin, dos aromas do novo Lancaster Le Café ao brilho silencioso do Hermès Cut. No fim, cruzamos o Atlântico para encontrar o mar — e um chef extraordinário — no Fairmont Rio. Um mosaico de histórias que, juntas, contam o que Paris e o mundo têm de mais raro: alma. Dessa vez, de passagem pelo Brasil, conto tudo isso diretamente do Jardim Paulista, em São Paulo, que chamei de casa até dezesseis anos atrás. Porque, afinal, o bom filho à casa torna. Curieux(se)? Écris-moi: @cibelemaciet.

L’École de Paris – O retorno a Montmartre

Cartaz da expô L”‘École de Paris” / Foto: Divulgação

Há algo de comovente em ver o Museu de Montmartre voltar às suas origens com esta exposição dedicada à École de Paris (17 de outubro de 2025 a 15 de fevereiro de 2026). É ali, entre as ladeiras e ateliês da Butte, que tudo começou: um caldeirão de línguas, exílios e pincéis que reinventaram a arte moderna. A mostra reúne 130 obras da coleção privada de Marek Roefler, com nomes que formam uma constelação da modernidade — de Modigliani e Soutine a Chana Orloff e Tamara de Lempicka. Cada quadro, cada escultura, conta um pedaço dessa Paris onde os artistas estrangeiros encontraram liberdade e uma nova forma de pertencer. Mais do que uma retrospectiva, é uma volta à humanidade desses criadores — judeus, poloneses, russos, italianos — que transformaram a dor do exílio em cor e movimento. Entre o Cubismo e o Fauvismo, é a própria alma de Montmartre que reaparece, feita de inquietude e beleza. Musée de Montmartre, Paris – até 15 de fevereiro de 2026. museedemontmartre.fr.

Grand Palais – A temporada onde a arte respira

Eva Jospin, vista da exposição Palazzo, 2023, Palais des papes, Avignon ©Benoît Fougeirol ©Adagp, Paris, 2025

O outono parisiense começa a brilhar no Grand Palais com uma temporada que parece escrita à pena e luz. De setembro a dezembro de 2025, as salas ganham ritmo, respiração e espanto. Pierre Soulages abre o baile com Soulages, Une autre lumière (17 set – 11 jan), um diálogo com o negro que se torna claridade — uma meditação sobre o invisível. No mesmo fôlego, o Museu de Cluny revisita o fascínio romântico pelo passado em Le Moyen Âge du XIXᵉ siècle (7 out – 11 jan). Em dezembro, o Grand Palais vira um sonho em movimento: Eva Jospin ergue florestas e grutas de papel em Grottesco (10 dez – 15 mar), enquanto Claire Tabouret, em D’un seul souffle, colore os vitrais de Notre-Dame como se pintasse o ar. No mesmo compasso, Dessins sans limite (16 dez – 15 mar) abre o ateliê do mundo — de Klee a Basquiat — revelando o desenho como pensamento em gestação. A dança chega com Sylphides (Revisited) (17 – 18 dez) e a irreverente Revue des Tumerels (20 dez), que encerram o Festival d’Automne em puro delírio poético. E, porque a arte também é memória, Niki de Saint Phalle e Jean Tinguely dialogam até 4 de janeiro em uma coreografia de máquinas e corações, enquanto Marion Pinaffo e Raphaël Pluvinage criam, nas Voûtes & Volutes, um universo de transparência e vento grandpalais.fr.

Lancaster Le Café — Paris em aroma e detalhe

Fachada da Lancaster Le Café / Foto: Divulgação

Há novos lugares em Paris que não se visitam apenas para um café, mas para uma pausa estética. O Lancaster Le Café, recém-inaugurado na rue des Pyramides, é um desses refúgios. O espaço mistura design, savoir-faire e um perfume de tradição que escapa à pressa moderna. O café vem de pequenos produtores selecionados pela torrefação artesanal Liperli, e o matcha, da casa japonesa Kiji, chega em versão cerimonial — verde denso, quase meditativo. O cardápio é breve e preciso, com bolos caseiros e bebidas que mudam conforme a estação. No canto, um ateliê-boutique revela a alma da marca: mini-bolsas e carteiras gravadas na hora e produtos exclusivos, como se cada cliente pudesse levar um fragmento de Paris no bolso.  4 rue des Pyramides, Paris – aberto de terça a domingo, das 10h às 18h lancaster.com.

“Au petit matin” – A doçura que desce as escadas do Saint James Paris

Bûche Au petit matin / Foto: Divulgação

bûches que são simples sobremesas, e há aquelas que contam histórias. No Saint James Paris, a jovem chef pâtissière Coline Doussin faz da sua criação de Natal uma lembrança viva da infância: “Au petit matin”, o momento mágico em que se desce correndo as escadas para abrir os presentes. Inspirada pelo grande escadão do hotel — coração da maison —, Coline transforma emoção em textura: baunilha do Taiti, notas frescas de rosa-mosqueta, um crocante de amêndoas e uma mousse leve como uma manhã de inverno. Aos 27 anos, formada pela Ferrandi e com passagens por nomes como Maison Pic e Cheval Blanc Paris, ela domina a técnica, mas prefere falar de afeto. Sua bûche não busca o espetáculo: ela sussurra. Disponível sob encomenda de 23 a 25 de dezembro, essa delícia natalina prova que, às vezes, o verdadeiro luxo é apenas um instante de ternura. Saint James Paris – 110 €, para 6 a 8 pessoas.

Suite 1835 – Sonho elétrico no Le Meurice

Suite 1835 do Le Meurice / Foto: Divulgação

No coração de Paris, o Le Meurice — esse palácio que já foi refúgio de Dalí — abre as portas para um experimento entre arte, design e tecnologia. A nova Suite 1835, criada em parceria com o label franco-argentino Things From., transforma o luxo clássico em uma experiência sensorial futurista. Pisos de alumínio que brilham como água, luzes que respiram, sons que parecem guiar o visitante por um sonho lúcido. No centro, um cubo espelhado reflete uma obra digital gerada por IA, viva e mutante. Ao redor, móveis criados em Buenos Aires pela arquiteta Jessica Solnicki e a stylist Géraldine Boublil equilibram o artesanal e o cósmico. Entre a herança e o amanhã, o Le Meurice mostra que a hospitalidade também pode ser uma forma de arte contemporânea. Uma experiência passageira, mas que promete ficar na memória. Suite 1835 disponível de 8 de outubro a 31 de dezembro de 2025. A partir de 6.300 € a noite dorchestercollection.com.

Les Artisans du Paradis – As vozes do Éden

Podcast Les Artisans du Paradis / Foto: Divulgação

O lendário Hôtel du Cap-Eden-Roc troca o murmúrio do Mediterrâneo por histórias contadas ao ouvido. Desde setembro, o palácio lança sua primeira série de podcasts, Les Artisans du Paradis, uma coleção de sete episódios em francês e inglês que revela as almas por trás da “Grande Dame” de Antibes. No microfone, a diretora Sophie Volant conduz conversas íntimas com quem transforma o cotidiano em poesia: o chef pâtissier Tarek Ahamada, o diretor geral Philippe Perd, e tantos outros que, com gestos silenciosos, fazem do paraíso um ofício. Mais que bastidores de um ícone da hotelaria, os episódios são uma declaração de amor à dedicação, ao savoir-faire e ao tempo bem vivido — esse luxo raro que o Eden-Roc domina como poucos. Les Artisans du Paradis disponível nas principais plataformas desde 10 de setembro, com novos episódios todas as quartas-feiras podcasts.apple.com.

Mon Paris de Toujours – O mapa afetivo de Marin Montagut

Livro “Mon Paris de toujours”, de Marin Montagut / Foto: Divulgação

Marin Montagut transforma a cidade em confidência. Em Mon Paris de Toujours, o artista e explorador sentimental francês reúne mais de 475 endereços que contam um outro Paris — o dos encadernadores e antiquários, dos cafés com alma, dos jardins secretos e dos gestos que resistem ao tempo. Com suas aquarelas feitas à mão e gravuras antigas dos anos 1900, o livro é um convite a vagar sem pressa por essa capital que se revela em silêncios e detalhes. Cada página parece ter o perfume de um papel antigo ou o som de uma porta que range para revelar um ateliê esquecido. Mais que um guia, é uma carta de amor — delicada, pessoal e poética — escrita por quem vê Paris não como cenário, mas como um ser vivo, cheio de memória e de luz. Mon Paris de Toujours, de Marin Montagut – Editora Flammarion, lançamento em 5 de novembro de 2025 (também em inglês em 2026) marinmontagut.com.

Typology x Palais de Tokyo – Arte que se espalha na pele

Collab da Typology com o Palais de Tokyo / Foto: Divulgação

A Typology, marca francesa conhecida por transformar o essencial em luxo, se une ao Palais de Tokyo e à artista Vivian Suter para o Natal de 2025. O resultado? Dois coffrets em edição limitada que misturam arte contemporânea e cuidado da pele com uma delicadeza quase ritualística. Inspiradas pela exposição Disco, as embalagens trazem obras criadas por Suter em meio à natureza da Guatemala — telas onde vento, chuva e terra se tornam pincéis. Dentro, o essencial: cremes, séruns e óleos minimalistas que refletem a filosofia da marca. Esses “presentes para a pele” parecem carregar o mesmo gesto de uma pintura: puro, livre e natural. Um lembrete de que beleza e arte nascem do mesmo lugar: o encontro entre o humano e o orgânico. Coffrets disponíveis a partir de 3 de novembro de 2025 em Typology.com e no Printemps Haussmann, Paris.

Fantasmagory – Ilusões em frasco

O novíssimo Fantasmagory, da LV / Foto: Divulgação

Os fracos de perfume da coleção Les Extraits da Louis Vuitton são pura folie. O novo Fantasmagory, da Louis Vuitton, é um deles. O grande nez Jacques Cavallier Belletrud parte da baunilha — essa nota tantas vezes banalizada — e a transforma em luz. Há nela algo de pele e de sol, uma lembrança de verão que se dissolve no ar. Um sopro de gengibre desperta a composição, enquanto as amêndoas italianas adoçam o silêncio. O frasco, esculpido por Frank Gehry, parece feito de vento: um movimento que captura o instante antes que ele escape. Mais do que um perfume, Fantasmagory é um devaneio que cheira a claridade. Nas lojas da marca desde o de 16 de outubro (100 ml, €510) louisvuitton.com.

Les Boîtes Abracadabrantesques – Magia em cena

A blue box da Officine Universelle Buly / Foto: Divulgação

Quem me conhece sabe que eu adoro essa marca francesa de nicho, a Officine Universelle Buly, onde até o gesto de presentear vira uma arte. As novas Boîtes Abracadabrantesques são pequenas cenas de encantamento — objetos que se abrem como um teatro íntimo, onde cada detalhe parece feito para o prazer dos sentidos. Entre papéis tipográficos antigos, dourados discretos e perfumes que já anunciam o que está por vir, esses cofres revelam a alma poética da casa: o prazer de oferecer é, afinal, um presente em si. Em formatos octogonais, elas guardam tesouros escolhidos à medida — pomadas Virginale, águas Superfine, velas em mármore, fósforos perfumados e sabonetes envoltos em papel artesanal. Há edições especiais como Escale Marocaine ou Mon Doux Visage, que combinam rituais de beleza e fragrâncias em pura harmonia. Um convite para transformar o cotidiano em maravilha. A partir de 70 €, disponíveis na Officine e em buly1803.com.

Hermès Cut — o tempo com sotaque francês

Hermès Cut / Foto: Divulgação

Há relógios que marcam horas, e há os que mudam o ritmo do tempo. O novo Hermès Cut pertence a essa segunda categoria. Com seu mostrador azul-céu e pulseira bleu brume, ele parece feito para quem gosta de silêncio elegante , o tipo de luxo que não precisa se anunciar. No coração, pulsa o movimento suíço H1912, discreto e preciso, guardado numa caixa de 36 mm que reflete a luz como se o aço respirasse. Pode vir cravejado de diamantes ou com pulseira de borracha, porque até a elegância, às vezes, quer conforto. Mais do que um acessório, essa preciosidade é uma pausa: um lembrete de que, entre um e-mail e outro, ainda existe beleza no simples ato de olhar as horas com muito luxo hermes.com.

L’objet du désir – a escolha que faz oh là là!

Bolsa Divicam, da francesa Sessùn / Foto: Divulgação

Achei impactante. Parte da coleção Image Maker, a nova Divicam da label francesa Sessùn nasce do mesmo espírito poético que atravessa todo o inverno 2025 da marca: o olhar curioso e sensível de uma mulher que se move pelo mundo como quem registra instantes. Inspirada nas câmeras analógicas das fotógrafas dos anos 1970, a Divicam mistura estrutura e leveza em um design atemporal. Feita em couro patinado à mão, com fecho metálico e costuras aparentes, ela tem o charme das peças que atravessam estações — sólidas, mas cheias de alma. Disponível em tons tabaco, âmbar e azul mineral, a bolsa traduz a paleta da temporada: terrosa, sofisticada, com aquele toque frio de luz invernal. Fiel ao savoir-faire artesanal da marca, cada Divicam é produzida em couro certificado e finalizada com precisão quase joalheira sessun.com.

O personagem extraordinaire do mês

Eu e o chef Jérôme Dardillac / Foto: Arquivo pessoal

Passando uma temporada no Brasil para visitar a família, finalmente fui conhecer o Fairmont Rio de Janeiro Copacabana — esse refúgio elegante do Posto 6 onde o tempo parece dançar entre o glamour dos anos 1950 e o presente solar da cidade. Entre piscinas, spa e o refinado Fairmont Gold (um hotel dentro do hotel, com um serviço de concierge impecável), tive o prazer de jantar duas noites no Marine Restô. No terraço, o restaurante comandado pelo chef francês Jérôme Dardillac vibra no ritmo das marés e das comunidades que vivem delas. Recém-premiado com o título Chef do Coração pela Colônia dos Pescadores, Dardillac transforma cada prato em gesto solidário e poético. O menu é um mergulho no Brasil: o Peixe do Dia com purê de banana grelhada e farinha de amendoim, o Polvo confit ao alho assado, a Moqueca de pupunha e o Ragout de cogumelos com arroz de castanha de caju são pura delicadeza. Entre o luxo e o ofício, há algo de comovente: ver um cinco estrelas se comprometer com a vida real das águas que o cercam. No Fairmont, o mar não é cenário, é vizinho, alimento e alma fairmontrio.com.