
Trecho do novo clipe “Berghain” da cantora Rosalia. Foto: Reprodução
Quando Rosalía lançou “Berghain”, a internet parou. A faixa visual reúne Björk, Yves Tumor e a Orquestra Sinfônica de Londres em uma narrativa que transforma o cotidiano em performance. Dirigido por Nicolás Méndez, o vídeo mostra a cantora em casa, limpando, cozinhando, repetindo gestos simples que ganham ares de ritual. A cena doméstica se torna uma metáfora de purificação, um espaço de preparação para a nova fase — “LUX”, projeto que sucede o turbilhão acelerado de “Motomami.”
Mas, como em todo trabalho de Rosalía, o discurso não se sustenta apenas no som. O figurino, assinado em parceria com o stylist Jose Carayol, assume papel central na narrativa. Seguindo um movimento que tem conquistado artistas como Lady Gaga e Kim Kardashian, ela mergulha no arquivo da moda e faz dele parte de sua linguagem. O clipe é, em essência, um tributo a Alexander McQueen. Logo na abertura, Rosalía veste uma versão preta do vestido de mangas bufantes apresentado na coleção de outono 2002. Nos pés, as sandálias adornadas por terços e cruzes da primavera 2003 reforçam o diálogo com a simbologia católica que atravessa a estética de “LUX”.
O roteiro visual segue com outras peças marcantes. Nas cenas externas, Rosalía usa um top de franjas cinza da Givenchy da primavera de 1997, época em que McQueen comandava a maison, combinado a uma saia plissada de cintura baixa. Em seguida, surge em um mini vestido rosa pálido da Balenciaga de 2004, criação de Nicolas Ghesquière. A peça, originalmente usada com um bandeau de neoprene, aparece reinterpretada, em versão mais leve e íntima, numa espécie de transição entre o feminino mítico e o contemporâneo. O vídeo termina com a cantora deitada, vestindo uma regata de botão da coleção de 2003 de McQueen: um fechamento silencioso que transforma o figurino em gesto de confissão.
Essas escolhas não funcionam como simples referência ao passado. Elas resgatam um momento em que a moda ainda tratava o corpo e o sagrado como matéria estética. McQueen explorava a dor e o excesso com teatralidade, enquanto Ghesquière traduzia desejo em estrutura. Rosalía costura essas linguagens para criar uma narrativa própria, onde a fé é imagem, o arquivo é símbolo e o cotidiano é rito.






