Mike Hill criando uma das próteses usadas na caracterização da criatura de "Frankenstein"

Mike Hill criando a Criatura para “Frankenstein” – Foto: John P. Johnson/Divulgação

*Por Paula Jacob

Se tem uma criatura que ganhou status pop no inconsciente cultural, esta é o monstro de Frankenstein. O personagem de Mary Shelley ganhou vida cinematográfica diversas vezes, mas foi a de 1931, com a adaptação de James Whale, que grudou no nosso imaginário. O monstro de altura impressionante, cabeça quadrada, franjinha interrompida pelos grampos de ferro e pinos no pescoço foi criado pelo artista Jack Pierce, maquiador da Universal. A força da caracterização veio de estudos sobre anatomia e até práticas funerárias, com um processo que durava quatro horas para modificar os traços já marcantes de Boris Karloff.

Quase 95 anos depois, o personagem ganha nova interpretação, no filme estilizado de Guillermo Del Toro, em cartaz nos cinemas selecionados de todo o País – chega ao catálogo da Netflix dia 7 de novembro. Nele, Jacob Elordi incorpora a dualidade visionária de Shelley em uma versão mais apaixonada da criatura. “Infelizmente não tive tanto tempo com o ator quanto gostaria depois que o primeiro ator desistiu. Mas acabei usando muito os olhos de Jacob, grandes e expressivos, e seu maxilar forte, que auxiliou bastante na aplicação das próteses”, conta Mike Hill em entrevista exclusiva à Harper’s Bazaar Brasil. “Ele também tinha o físico ideal: alto, magro, atlético. Só precisei aumentar algumas áreas, como os ombros.”

Jacob Elordi caracterizado como a Criatura, personagem principal de "Frankenstein"

Jacob Elordi como a Criatura em “Frankenstein” – Foto: Ken Wororner/Divulgação

O artista de efeitos especiais, maquiador e escultor já havia trabalhado com Del Toro em “A Forma D’Água” (2017), justamente com a criatura humana-marinha. Seu background de especialista em histórias de terror, monstros e super-heróis foi essencial para apresentar uma nova visão para a criatura, que acompanha a ternura do diretor em sua interpretação do livro. “Eu li o romance da Mary Shelley pela primeira vez quando tinha uns sete anos, depois de assistir aos filmes clássicos da Universal. Quis saber mais sobre Frankenstein, mas não entendi muita coisa, então pulei direto para as partes da criatura. Desde então, virou uma obsessão, especialmente porque eu também era muito fã dos filmes da Hammer dos anos 1960 e 1970, como ‘A Maldição de Frankenstein’, com Peter Cushing”, conta Mike. Desde pequeno, ele já brincava de criar os próprios monstros, cavava argila do rio próximo a sua casa para fazer interpretações da criatura e do King Kong. “Foi Frankenstein que me fez querer ser um desenvolvedor de monstros – e, bom, acho que consegui”, brinca.

A criatura na pele de Boris Karloff, inclusive, era uma de suas preferidas e a comparação com o seu trabalho atual, segundo ele, era inevitável. “Mas tanto Guillermo quanto eu sabíamos que essa visão não caberia no filme. A nossa versão se baseia no romantismo do roteiro de Guillermo, portanto busquei formas de trazê-la à vida como algo que parecesse intencional – com formas geométricas, proporções planejadas, algo claramente moldado por mãos humanas. Não queria que parecesse um acidente de estrada remendado com cicatrizes.”

Jacob Elordi caracterizado como a Criatura, personagem principal de "Frankenstein"

Jacob Elordi como a Criatura em “Frankenstein” – Foto: Ken Wororner/Divulgação

A pesquisa para desenvolver o visual final da criatura foi interpretada com os erros médicos cometidos na época em que se passa o livro, no século 19, “como um primeiro rascunho de algo nunca antes feito”. “Quando estou trabalhando, gosto de ficar no meu ateliê, deixar as luzes apagadas, só com uma lâmpada acesa, colocar sons de trovões ao fundo e me fazer sentir em 1800”, compartilha o profissional.

O trabalho começa com uma escultura em tamanho e dimensões reais para depois serem criados os moldes e as aplicações de borracha. “Jacob usava 42 peças no corpo em uma maquiagem que levava 10 horas para ser aplicada – todos os dias.” À medida que o filme avança, e a criatura perde a postura de um “bebê” novo no mundo, agregando vestimentas ao figurino, o tempo de preparação foi reduzido para 4 horas. “Jacob nunca reclamou de nada, foi incrível em todo o processo.”

Mia Goth como Elizabeth e Jacob Elordi como a Criatura em “Frankenstein” – Foto: Ken Wororner/Divulgação

Apesar de departamentos distintos, maquiagem e figurino precisam estar interligados nos bastidores, ainda mais num caso como este, para garantir a melhor versão final possível do personagem. A figurinista de Frankenstein, Kate Hawley, era a responsável pelo guarda-roupa diminuto do monstro. “Trabalhamos lado a lado testando coisas juntos. O interessante neste filme é que a criatura recebe roupas inesperadas – então nem sempre sabíamos o que ele iria usar, tornando o processo de design mais dinâmico.” Segundo Mike, a equipe de figurino ajudou a criar uma silhueta poderosa para Jacob Elordi usar, com casaco longo e botas de pele, dando um peso para o personagem. “No caso da maquiagem, essa transformação de ‘criança’ para ‘adulto’ veio através do crescimento do cabelo.”

O roteirista e diretor Guillermo del Toro com Jacob Elordi como a Criatura, no set de “Frankenstein” – Foto: Ken Wororner/Divulgação

Com um resultado surpreendente perante as antigas referências, a criatura de Guillermo, Mike e Jacob parece mais amável, apesar de saber logo de cara a sua esquisitice perante aos humanos. “Guillermo é um diretor que abraça a beleza na imperfeição. Por isso, o resultado é também visualmente poético. Já Jacob me fez perceber que a escultura que eu tinha feito não era apenas perfeita fisicamente. O melhor momento no set, para mim, foi ouvi-lo falar a primeira vez, ele tornou a criatura real a partir da sua atuação.”