Gabriel Leone – Foto: Denny Sachtleben

Por Duda Leite

Aos 32 anos, a carreira do carioca Gabriel Leone está a todo vapor. Além de ter ganhado duas indicações ao Prêmio Grande Otelo (anteriormente chamado de Grande Prêmio de Cinema Brasileiro) pelas séries “Senna” (2024) e “Dom” (2024), Leone participou da superprodução hollywoodiana “Ferrari” (2023), dirigida por Michael Mann. Agora, o ator volta às telas em “O Agente Secreto”, novo filme de Kleber Mendonça Filho que ganhou dois prêmios em Cannes e chega aos cinemas nesta quinta-feira (06.11).

No filme escolhido para representar o Brasil no próximo Oscar, Leone interpreta o enigmático e lacônico Bobbi, um dos agentes da repressão no Brasil cheio de pirraça de 1977, época em que o filme se passa.

Para além das telas, Leone se prepara para lançar no início do ano que vem seu primeiro álbum como intérprete, com lados B, garimpados por ele, de compositores como Caetano Veloso, Djavan, Antonio Cícero e Wally Salomão. O álbum foi produzido por Marcus Preto e Tó Brandileone.

Em entrevista à BAZAAR, realizada durante o lançamento de “O Agente Secreto”, em São Paulo, Leone falou sobre seu gosto musical eclético – que vai de Donna Summer a Faggner –, seus próximos planos (que incluem a segunda temporada da série “Citadel”), a atmosfera do Brasil em 1977, sua admiração por Kleber Mendonça e porque só gosta de ouvir o que está a fim na hora.

Leia abaixo a íntegra:q

Harper’s BAZAAR – Bobbi é bastante sisudo, completamente diferente da sua personalidade. Como foi para você entrar nesse personagem?

Gabriel Leone – Para mim, é sempre um prazer fazer personagens que me possibilitem trabalhar o silêncio. Quando a gente tem a palavra, isso naturalmente já traz uma comunicação mais imediata. Mas, no silêncio, você passa a jogar um pouco mais com os sentimentos. E com a leitura da câmera, com o que está sendo mostrado e o que não está. E o Bobbi é um personagem muito silencioso – o que está a serviço do filme. Ele e seu parceiro, Augusto [interpretado por Roney Villela], são uma dupla dinâmica. Eles representam um lado muito pesado, agressivo e opressor daquele período da ditadura, que estava acontecendo no Brasil em 1977, quando se passa o filme. Mas quisemos construir isso não de uma forma maniqueísta, como se eles fossem a representação do mal, e sim tendo uma função dramatúrgica. Foi muito interessante para mim ter a possibilidade de construir um personagem que fala mais pelos olhares, pelo silêncio e pela respiração. E o Kleber é muito bom em capturar esses momentos. É um filme muito atmosférico que trata sobre a memória do povo brasileiro.

HB – Você nasceu em 1993, e a ação se passa no Brasil de 1977. Como você fez para mergulhar nessa época?

GL – Por coincidência, já tinha feito um trabalho sobre a mesma época em uma série da Globo chamada “Os Dias Eram Assim”, em 2017. Fazia um jovem músico e compositor da época. De alguma forma, fazendo referência a tantos dos nossos ídolos da música brasileira que foram presos, torturados, exilados, etc. O meu personagem é preso pela ditadura, é torturado, fica traumatizado e entra em uma forte depressão por causa disso. Na época, foi um mergulho absolutamente intenso. Assisti a quase todos os filmes brasileiros produzidos sobre o assunto, li os livros de história, pesquisei todos os relatos da época. Então, já tinha essa bagagem comigo, o que foi muito bom para o filme. É óbvio que fica tudo muito claro pelo ano em que o filme se passa, pelo contexto, por referências visuais do que está acontecendo naquele período. Mas é um filme onde queríamos antes de tudo trazer essa sensação da época, de como era viver naquele período. Da atmosfera, do clima que existia nas ruas. E, claro, paralelamente, a trama fala sobre a memória do povo brasileiro que infelizmente parece às vezes que se pulveriza diante de uma situação tão absurda como foi o período da ditadura. O Kleber passou anos escrevendo o roteiro, então ele tinha tudo muito bem desenhado na sua cabeça.

Gabriel Leone – Foto: Denny Sachtleben

HB – Você é um cara que gosta muito de música. Chegou ao ouvir alguma específica para entrar no clima do personagem e te transportar para uma outra época?

GL – Tenho uma relação curiosa com a música. Já tiveram alguns momentos de precisar tentar achar algum estado emocional e recorrer a alguma canção específica. Mas, em geral, minha relação com a música é muito de acordo com o que quero escutar naquele segundo, sabe? Aquela coisa, por exemplo, vou escutar música com batidão para correr ou para fazer exercício, tenho zero isso. Escuto exatamente o que quero naquele exato momento. Se é o ritmo mais lento do mundo, se é uma ópera, seja lá o que for, escuto o que vai me dar prazer naquela hora. É quase como se fosse uma atividade paralela. Independente do que estou fazendo. Nos meus trabalhos, faço a mesma coisa. Não vou lembrar exatamente o que estava escutando, mas deve ser o que estava amarradão na época – não necessariamente algo de época. Agora, já que estamos falando de música, acho interessante ressaltar a trilha sonora do filme. O Kleber, assim como eu, é um colecionador de disco, e é fanático por música. Inclusive, a gente tem uma troca muito bacana nesse aspecto musical. E as trilhas sonoras deles são sempre espetaculares, mas acho que a trilha de “O Agente Secreto” é um capítulo à parte. Desde as descobertas, umas músicas muito obscuras que ele botou ali. Aliás, no roteiro, já tinha menção a algumas músicas, que, quando li, fiquei em êxtase. “Caraca, vou estar num filme com essa trilha sonora”. Quando o filme estreou em Cannes, o Kleber escolheu as músicas para tocar quando estávamos subindo o red carpet. De repente, começou a tocar Donna Summer (“I Feel Love”) e ele me disse: “essa é a sua trilha”. E eu falei: “Uau, que incrível”. Realmente é um momento maravilhoso onde você junta imagem e som, como só o cinema possibilita. A trilha sonora dando tantas outras camadas para aquilo que a gente tá assistindo. A música certamente é um dos pontos altos do nosso filme.

HB – Só mesmo o Kleber para misturar Zé Ramalho com Ennio Morricone e Donna Summer com a Banda de Pífanos de Caruarú.

GL – É o tipo de coisa que certamente eu poderia estar escutando na minha playlist. Essa variação de sons sem ter uma linha específica. É assim que me relaciono com música.

HB – O Kleber é um cineasta bastante cinéfilo. Ele chegou a te mandar alguns filmes para você assistir para se preparar para o papel?

GL – Cara, também não. Fui muito aberto para receber o que o Kleber tinha para trazer para a gente. O que mais me guiou foi o roteiro, que é, sem sombra de dúvidas, um dos melhores que já li. É muito completo, desde as referências às músicas, as imagéticas e até, eventualmente, um desenho de uma decupagem para que a gente entenda como ele quer filmar aquela cena. Tudo isso já estava no papel. Já nas nossas primeiras conversas, ele falou que o Bobbi era um personagem que precisava muito ter uma presença. O Kleber tinha visto meu trabalho em “Ferrari” e tinha ficado muito surpreso com a minha presença na tela. Rapidamente entendi aonde ele queria chegar. Mas não teve nenhum filme que ele tenha me passado como referência. Minha referência maior foi o próprio Kleber, com toda a sua cinefilia.

Gabriel Leone – Foto: Denny Sachtleben

HB – Você tem planos de voltar a trabalhar em produções de Hollywood?

GL – Já fiz mais um projeto falado em inglês no final de 2024, em Londres. Fiz a segunda temporada de uma série norte-americana do Prime Video, chamada “Citadel”. É uma série dirigida e produzida pelos irmãos Russo, com um baita elenco: Lesley Manville, Stanley Tucci, Richard Madden, Priyanka Chopra Jonas, uma galera incrível. A temporada será lançada no primeiro semestre de 2026 e foi minha segunda experiência atuando em inglês, numa produção americana que, curiosamente, também não foi filmada nos Estados Unidos. [“Ferrari” foi filmado na Europa]. Tenho uma equipe trabalhando nos meus projetos fora do Brasil. Mantenho essas portas abertas, quero fazer mais projetos lá. Mas não costumo dividir minha carreira como nacional e internacional. Tenho uma carreira única e sigo correndo atrás dos projetos que me interessam, independente de onde forem.

HB – Como estão os planos de lançamento do seu álbum de estreia?

GL – Tenho uma relação com a música que começa em paralelo ao teatro e à atuação. Sempre fui apaixonado por música. E mais tarde vim estudar e fazer musicais, depois fiz projetos no audiovisual que estavam vinculados à música, em que eu tive que cantar. [Leone interpretou Roberto Carlos em “Minha Fama de Mau” (2019), e estrelou “Eduardo e Mônica” (2020), inspirado pela canção do Legião Urbana]. Sempre tive um desejo muito grande de fazer algum projeto pessoal com música. Conheci o Marcus Preto, que é um dos produtores do disco, num projeto musical, o filme “Meu Álbum de Amores” (2021), onde canto músicas originais do Odair José e Arnaldo Antunes, compostas para o meu personagem. Meu disco é produzido pelo Marcus e pelo Tó Brandileone. Durante muito tempo fiquei esperando ver se iria compor alguma coisa. Até que um certo momento me deu um estalo e falei: “Não, vou montar um repertório e fazer um disco de intérprete”. São canções que eu amo, mas que não são as mais conhecidas desses compositores. Tem João Bosco, Ivan Lins, Guilherme Arantes, Caetano Veloso, Djavan, enfim, uma galera da pesada. São músicas muito lindas, que quem é muito fã de cada um deles certamente conhece, mas que não são seus maiores sucessos. Estou muito feliz com o resultado. Esse ano a gente lança um primeiro single do disco, mas o disco em si sai pela Som Livre, no ano que vem. Eu estou muito realizado de finalmente estar tocando este projeto com música. É uma das grandes paixões da minha vida.