
Mostra gratuita em São Paulo conecta jovens estilistas, experiências imersivas e debates sobre o futuro da moda brasileira. Foto: Reprodução
Na Galeria Pivô, no centro de São Paulo, o Moda Tech tira o desfile da lógica passarela e plateia e coloca tudo dentro de uma experiência imersiva. Instalações audiovisuais com LED, obras em impressão 3D, uso de inteligência artificial e uma exposição com 12 coleções autorais transformam a forma de apresentar roupa e abrem espaço para discutir futuro, tecnologia e impacto social na moda brasileira. A mostra, com entrada gratuita, ocupa a Pivô entre 20 e 30 de novembro.
O projeto parte de uma pergunta direta: como a imaginação pode transformar sonhos em ações concretas rumo a um mercado da moda inclusivo e inovador. Ao longo de três meses, o Moda Tech reuniu 12 estilistas selecionados em convocatória nacional e por convite, cada um desenvolvendo dois looks sob mentoria de Vitorino Campos e uma agenda de vivências e encontros. “Abrimos uma convocatória, recebemos cerca de 400 inscritos e todos passaram por uma mentoria ao longo de três meses olhando para o futuro da moda e da sustentabilidade”, explica Gabriela Splendore, curadora e diretora criativa. Ela também reposiciona a ideia de tecnologia dentro do projeto: “Quando a gente fala de Moda Tech, o tec não é sci-fi. É sobre como a tecnologia pode ser aliada do processo como um todo, seja um software novo ou reimaginar uma técnica manual.”
Na exposição, esse laboratório aparece em camadas. As instalações imersivas dirigidas por Olívia Mucida reinterpretam o formato tradicional de desfile em uma experiência de som, imagem e movimento que aproxima público e roupa. Em vez de ver o look passar em segundos, o visitante acompanha as criações em outra escala, em diálogo com as fotografias de Ivan Erick e com as peças físicas que ocupam a galeria.
Para Vitorino Campos, a mentoria foi construída em cima de troca real. “Foi um processo muito importante de troca. Tentei passar o máximo de informação que eu conheço e que poderia somar no trabalho, e também aprendi muito com eles”, conta. As orientações aconteceram em encontros presenciais e on-line, individuais e em grupo, refinando cada proposta em cores, texturas, volumes e shapes. “Quando a gente une moda e tecnologia para pensar um futuro que muitas vezes se apresenta incerto, o coletivo ajuda a encontrar uma forma de conforto no meio de tudo isso”, resume.

Mostra gratuita em São Paulo conecta jovens estilistas, experiências imersivas e debates sobre o futuro da moda brasileira. Foto: Reprodução
Entre os trabalhos apresentados, o de Jal Vieira amplia o entendimento de sustentabilidade. Em vez de se limitar à dimensão ambiental, a coleção entra em camadas sociais, econômicas e raciais. “O Moda Tech provoca esse movimento de se perguntar que moda a gente quer para o mundo”, diz Jal. “Não acredito em uma moda que só pensa em estética. Ela precisa estar enraizada em um discurso que promove mudança na prática.” Na peça exibida, o navalhado é tratado como intelectualidade manual, frequentemente confundida com impressão 3D. Um quadriculado que remete a um tabuleiro aparece como comentário sobre estratégias de sobrevivência de um corpo negro no mundo.
Já o trabalho de Marc Andrade conecta artesanato amazônico e resíduos têxteis a partir de couro de pirarucu e escamas de peixe. “Os looks nasceram da iniciativa de trabalhar matérias-primas que ainda não tinham sido experimentadas como roupa no ateliê”, conta. “A ideia das escamas veio depois de ver o trabalho da Sereia da Penha, mulheres que trabalham só com escamas de peixe e fazem acessórios, e com o Moda Tech tive a oportunidade de unir isso ao couro de pirarucu, que é resíduo têxtil, em dois looks.”
A dimensão territorial e afetiva surge com força em propostas como a de Erico Valença. Vindo de Natal, Rio Grande do Norte, ele apresenta dois looks construídos a partir de bordado e crochê manual desenvolvidos com uma artesã nordestina, inspirados na transformação de um pé de jambo ao longo do ano. “Quis trazer essa transformação do jambo para dentro de uma estética urbana, que conversa com São Paulo e com a identidade da marca”, explica. As modelagens de jaqueta de aviador e calça fazem referência aos anos 1960, período em que sua avó era costureira e pianista, costurando memória familiar e rebranding da marca no mesmo fio. “Foi uma experiência muito boa, porque senti que o meu trabalho estava sendo reconhecido”, diz.

Mostra gratuita em São Paulo conecta jovens estilistas, experiências imersivas e debates sobre o futuro da moda brasileira. Foto: Reprodução
A relação entre manualidade, casa e sustentação do trabalho autoral aparece na pesquisa de Maria Cristo, recém-formada em moda pela FAAP e criadora da marca Ponta. Seu processo parte do interior da própria casa, onde objetos e artes acumulados se transformam em base de coleção. Crochê, macramê, tricô, tapeçaria e feltragem se sobrepõem em peças amplas, que lembram cobertores e fragmentos que se encontram. “Percebi que ali tinha muito da minha história. Fui juntando pedacinhos que já existiam no meu dia a dia e criando os looks”, conta.
Na mesma sala, a coleção de Sofia Wasserman aproxima futurismo, gênero e natureza em uma cartela inteira de verdes. “Sou estudante de design de moda e cresci em uma família do ramo têxtil, então sempre tive contato com esse universo”, diz. “Quis criar uma coleção monocromática que misturasse a calmaria da natureza com o universo de ‘Matrix’, para falar de futurismo e dessa desconexão com o gênero, trabalhando tudo isso na modelagem criativa.”
Já a pesquisa de Cassiane Gloria parte de outra paisagem: o Vidigal e os carnavais brasileiros. “Sou designer, artista e expografista, e a minha trajetória com moda começou na Casa Geração Vidigal, um projeto de moda dentro da favela”, lembra. Hoje ela leva essa experiência para a impressão 3D com materiais naturais. “Estou migrando para uma sustentabilidade com impressão 3D e materiais que vêm de trigo e mandioca, com impacto bem menor na natureza. O look fala do Brasil, do carnaval e dos nossos festivais, trazendo isso para dentro da moda com outros aparatos tecnológicos, sem perder a sustentabilidade do material.”

Mostra gratuita em São Paulo conecta jovens estilistas, experiências imersivas e debates sobre o futuro da moda brasileira. Foto: Reprodução
Em outra chave, o trio formado por Amaral Adams, André e Savana leva para a Pivô a experiência de um ateliê focado em figurinos e vestidos de festa, conhecido por vestir drags de diferentes franquias de “RuPaul’s Drag Race”. Para o Moda Tech, o ponto de partida é “Frankenstein”, de Mary Shelley, lido como metáfora da Revolução Industrial e reaproximado da revolução tecnológica atual. “Criamos esses dois vestidos pensando nessa revolução tecnológica que estamos vivendo”, explica André. “Tem muitas técnicas, muitos tecidos e modelagens diferentes para valorizar a manualidade, o trabalho que só nós, seres humanos, conseguimos fazer.” Os modelos, apelidados de monstros, funcionam como contraponto às tecnologias digitais e à inteligência artificial, com tecidos reaproveitados de figurinos anteriores. Em comum, as narrativas que atravessam o Moda Tech tratam a manualidade como tecnologia, território como pesquisa e sustentabilidade como estrutura. O projeto usa o formato de exposição phygital para conectar pessoas, processos e ferramentas agora e transformar imaginação em ação no presente da moda brasileira.

