
“Os biopigmentos são uma alternativa ecológica e inovadora que pode trazer muitos benefícios para a indústria da moda, especialmente no que diz respeito à responsabilidade ambiental” – Ailton Pereira
Por Diogo Mesquita
O processo começa com resíduos agroindustriais, que são transformados em nutrientes para o crescimento de microrganismos. Esses microrganismos produzem biopigmentos biodegradáveis que podem ser aplicados no tingimento de tecidos de forma eficiente e sustentável. Se assustou com os termos? Calma, isso não é uma prova de biologia… Isso é a Aiper, startup brasileira que nasceu em 2021 para mostrar um outro caminho para o mercado, um caminho consciente e sustentável.
A ideia nasceu da cabeça e da vontade de Ailton Pereira. Formado em moda, não queria apenas mudar os guarda-roupas das pessoas, queria mudar a forma com que elas pensam e consomem. Após completar mestrado em biotecnologia, começou a dar cores a sua iniciativa. Após três anos de existência, a Aiper vem ganhando cada vez mais destaque, oferecendo um tingimento de qualidade altíssima com redução de 68 no uso de gás natural, 61% no uso de energia, 31% na emissão de CO², 59% no consumo de água e 80% na utilização de químicos tóxicos. Esses números representam o impacto direto que esses biopigmentos têm na preservação do meio ambiente e no combate às mudanças climáticas, além de uma evidente queda no custo da operação em um futuro no qual a alternativa vire obrigação.
Na noite do dia 3 de dezembro, Ailton Pereira e Aiper foram reconhecidos pelo Instituto C&A, braço social da gigante de moda e idealizador do Fashion Futures, premiação que destaca iniciativas que repensam a moda com um olhar sustentável e inclusivo. Mesmo com o prêmio na categoria Inovação e novos materiais, Ailton sabe que a sua luta pelo futuro da moda continua.
Harper’s Bazaar Brasil – Quando e como o projeto começou?
Ailton Pereira – O projeto começou com a minha pesquisa de Mestrado em Biotecnologia na Universidade Estadual de Londrina no Paraná em 2020. Foi um período complexo de transição entre o ateliê para o laboratório científico, mas um desafio que me motivou muito na busca pela inovação. Hoje consigo oferecer soluções para a indústria têxtil e da moda unindo minhas duas paixões: o design e a ciência.
HBB – Quais são os benefícios dos biopigmentos para a responsabilidade ambiental?
AP – Os biopigmentos são uma alternativa ecológica e inovadora que pode trazer muitos benefícios para a indústria da moda, especialmente no que diz respeito à responsabilidade ambiental. Ao contrário dos corantes sintéticos, que muitas vezes são derivados de produtos petroquímicos e podem ser prejudiciais ao meio ambiente, os biopigmentos são produzidos a partir de fontes naturais, como microrganismos e resíduos agroindustriais atuando como fonte nutritiva. Eles são biodegradáveis, o que significa que, quando descartados, não permanecem no meio ambiente por longos períodos, como acontece com os sintéticos. Para a indústria têxtil, os biopigmentos representam uma oportunidade de utilizar corantes mais sustentáveis, que não agridem tanto o meio ambiente e a saúde humana, oferecendo uma alternativa viável para um futuro mais verde e consciente.
HBB – O que é necessário para que os biopigmentos sejam amplamente utilizados pelas marcas, para que eles passem de opção para obrigação?
AP – Em primeiro lugar, a viabilidade econômica é fundamental. Embora os biopigmentos sejam mais sustentáveis, sua produção em larga escala ainda pode ser cara em comparação aos corantes sintéticos amplamente utilizados. Reduzir os custos de produção e melhorar os processos de fabricação são passos essenciais para que essas alternativas se tornem acessíveis para as marcas.
Outro aspecto crucial é a educação e conscientização tanto dos consumidores quanto das marcas. A indústria da moda precisa entender as vantagens e a necessidade de mudar para alternativas mais sustentáveis, enquanto os consumidores devem ser informados sobre os benefícios ambientais dos biopigmentos. Campanhas de conscientização e a demonstração de que as alternativas sustentáveis são igualmente eficientes e de alta qualidade podem ajudar a criar uma demanda crescente.
Além disso, a regulamentação desempenha um papel importante. Incentivos governamentais, como subsídios para a pesquisa e uso de biopigmentos ou a imposição de normas mais rígidas sobre o uso de corantes sintéticos prejudiciais ao meio ambiente, podem acelerar essa transição, algo que já vem acontecendo na Europa. A criação de padrões ambientais rigorosos e certificações para produtos que utilizam biopigmentos também pode ajudar a impulsionar sua adoção.
Por fim, o apoio e a colaboração entre empresas, pesquisadores e governos são essenciais para o desenvolvimento de novas cores, especialmente com o uso de resíduos agroindustriais e fontes naturais abundantes. Com essas melhorias na produção, conscientização e regulamentação, os biopigmentos têm o potencial de se tornar uma obrigação no setor, alinhando a moda com a sustentabilidade ambiental.
HPP – Quais são os principais desafios tecnológicos para tornar os biopigmentos uma alternativa acessível para pequenas e médias marcas?
AP – Os principais desafios tecnológicos para tornar os biopigmentos uma alternativa acessível para pequenas e médias marcas incluem o custo de produção, que para esse nicho de mercado pode ser elevado. Além disso, a escalabilidade da produção continua sendo um obstáculo, já que os processos de fabricação precisam de biorreatores industriais com grandes volumes, algo que estamos driblando fazendo parcerias com biofábricas que já possuam toda essa infraestrutura industrial. Outro desafio é a estabilidade e durabilidade dos biopigmentos, que podem não ter as mesmas qualidades dos corantes sintéticos. Estamos exatamente buscando superar esse desafio tecnológico em laboratório para oferecer uma solução completa aos nossos clientes. A falta de infraestrutura adequada para produção e aplicação desses pigmentos também é um problema, especialmente para empresas de menor porte, mas podem utilizar serviços de tinturarias para execução desta etapa do processo. Por fim, a ausência de regulamentações claras e de padronização dificulta a adoção em larga escala, criando incertezas para as marcas. Para superar esses obstáculos, é essencial investir em inovação e estabelecer parcerias entre pesquisadores, fabricantes e empresas do setor.
HBB – O reconhecimento através do Fashion Futures é uma grande vitória?
AP – Demais!! A visibilidade e possibilidade de conexão com a C&A e parceiros é um grande incentivo para continuarmos na luta para uma moda mais sustentável. É um reconhecimento que valida um sonho que começou na minha graduação em Design de Moda e hoje após 4 anos de pesquisa, esse projeto está cada vez mais próximo de entrar no mercado e fazer a diferença com impacto positivo.
HBB – Qual a importância da mídia especializada para que se alcance uma moda mais sustentável e inclusiva?
AP – A mídia especializada desempenha um papel fundamental na promoção de uma moda mais sustentável e inclusiva, ao educar o público e as marcas sobre práticas responsáveis e alternativas éticas. Ela serve como um canal de conscientização, divulgando iniciativas de sustentabilidade, além de fomentar a inclusão, destacando marcas que abraçam a diversidade em seus designs e campanhas. Ao informar consumidores e influenciar empresas, a mídia pode pressionar por mudanças no setor, incentivando a adoção de práticas que respeitem o meio ambiente e promovam representatividade. Dessa forma, a mídia especializada tem o poder de moldar a percepção pública e transformar tendências de consumo em hábitos mais sustentáveis e inclusivos. E obviamente que o Instituto C&A está de parabéns nesses quesitos!
HBB – Como você enxerga o futuro da moda no Brasil?
AP – O futuro da moda no Brasil representa uma transição de velhos padrões da indústria que se estagnou há anos fazendo mais do mesmo para uma moda que une ciência e tecnologia promovendo impacto social e ambiental. Com a crescente conscientização dos consumidores sobre questões ambientais e sociais, as marcas estão sendo desafiadas a reduzir seu impacto, não só no aspecto ecológico, mas também ao adotar práticas inclusivas, que celebrem a diversidade em todas as suas formas. O Brasil, com sua rica cultura e diversidade, está se tornando um campo fértil para inovações no design, com modelos de negócios mais alinhados com a responsabilidade social e ambiental. A popularização de iniciativas sustentáveis e a pressão por transparência nas cadeias produtivas prometem transformar a indústria local, tornando as marcas mais responsáveis e alinhadas com um futuro consciente e ético na moda.