”Vejo o futuro da moda no Brasil como uma construção coletiva, feita em rede. Acredito que estamos caminhando para uma moda mais inclusiva” – Celina Hissa

Por Diogo Mesquita 

Movimento social que coloca as mãos e os saberes das mulheres no centro da criação. Isso é a Oficinas Catarina Mina. Premiada na categoria “Projetos sociais na moda” no Fashion Futures, o projeto promove a inclusão, a autonomia financeira e o fortalecimento de mulheres em situação de vulnerabilidade social, especialmente nas comunidades do sertão nordestino. Ao transformar técnicas tradicionais de bordado em peças de moda contemporâneas, a iniciativa ressignifica não só o vestuário, mas também as vidas das artesãs, que se tornam protagonistas de suas próprias histórias.

Cada peça criada é um símbolo de resistência e identidade, uma verdadeira afirmação de que a moda pode ser um meio de transformação social. O projeto não apenas gera renda, mas também oferece dignidade e voz a mulheres que, até então, eram invisíveis para o mercado tradicional. A reconstrução de narrativas conecta saberes ancestrais com o mercado global e desafia a lógica da moda rápida e predatória.

Harper’s Bazaar Brasil – Como surgiu a ideia de criar uma marca com a produção baseada nesses pilares?

Celina Hissa – A Catarina Mina nasceu do desejo de conectar moda e impacto social, valorizando o que temos de mais rico: o trabalho artesanal do Ceará. Sempre acreditamos que a moda pode ser uma ferramenta de transformação social. Desde o início, nosso compromisso foi criar uma marca transparente, que valoriza o fazer manual, incentiva o consumo consciente e promove a autonomia das artesãs. Esses pilares se consolidaram ao longo da nossa trajetória, em projetos que vão além do produto, impactando vidas e fortalecendo histórias.

HBB – Quais são os principais aprendizados e impactos sociais gerados pelas oficinas?

CH – As Oficinas Catarina Mina têm nos mostrado a força do coletivo e o poder das trocas. Cada cidade e grupo que visitamos nos ensina algo novo sobre resistência, criatividade e comunidade. O impacto mais transformador é ver as artesãs se empoderando do valor de seu trabalho, criando conexões entre si e expandindo suas possibilidades. A metodologia que desenvolvemos – desde mapear saberes até criar pontes com parceiros e designers – tem fortalecido grupos associativos, promovido o uso de matérias-primas sustentáveis e dado visibilidade a quem mantém viva a cultura do nosso estado.

HBB – Como vocês garantem que o impacto social das oficinas seja sustentável a longo prazo?

CH A sustentabilidade do impacto vem de um trabalho contínuo de fortalecimento das redes de artesãs e da autonomia de cada grupo. Nos dedicamos a criar conexões sólidas entre as artesãs, o mercado e novos parceiros, promovendo uma troca de saberes e técnicas que perpetua essas tradições. O Travessias Artesanais, por exemplo, mapeou e deu suporte a grupos de seis cidades, valorizando técnicas como labirinto, renda de bilro, filé, crochê e o uso de fibras naturais. Além disso, levamos essas histórias ao público, seja nas redes sociais ou em exposições, mostrando que o artesanal é mais do que um produto – é um legado.

HBB – Qual a importância de valorizar o trabalho artesanal no cenário atual da moda brasileira?

CH – Valorizar o trabalho artesanal é essencial para uma moda mais humana, sustentável e conectada às nossas raízes. Em um cenário onde tudo é rápido, o artesanal nos convida a desacelerar e enxergar a riqueza dos processos feitos à mão. Além disso, ele posiciona o Brasil como um protagonista na moda global, com criações únicas que refletem a cultura e a história do nosso povo. Trabalhar com as artesãs e suas técnicas ancestrais é valorizar não apenas o produto final, mas também a memória e a identidade de quem o faz.

HBB – O reconhecimento através do Fashion Futures é uma grande vitória?

CH  – Sem dúvida, receber o prêmio Fashion Futures na categoria de projetos sociais, pelo Instituto C&A, foi uma grande vitória e motivo de orgulho para todos nós. Esse reconhecimento celebra as Oficinas Catarina Mina e o impacto que elas têm gerado ao longo dos anos. É uma validação do trabalho coletivo que realizamos com tantas artesãs e parceiros, e também uma oportunidade de dar ainda mais visibilidade ao que estamos construindo. Ver um projeto como o Travessias Artesanais sendo destacado reafirma a importância de unir moda, cultura e impacto social.

HBB – Qual a importância da mídia especializada para que se alcance uma moda mais sustentável e inclusiva?

CH  – A mídia especializada tem um papel fundamental em amplificar essas histórias e abrir caminhos para uma moda mais ética e inclusiva. Quando a mídia dá visibilidade a projetos como o nosso, o trabalho das artesãs ganha uma plataforma para alcançar novos públicos e mercados. É assim que criamos mais conscientização e convidamos os consumidores a refletirem sobre o que está por trás de cada peça. A moda sustentável precisa ser uma conversa constante, e a mídia tem o poder de torná-la cada vez mais relevante.

HBB – Como você enxerga o futuro da moda no Brasil?

CH  – Vejo o futuro da moda no Brasil como uma construção coletiva, feita em rede. Acredito que estamos caminhando para uma moda mais inclusiva, sustentável e conectada às pessoas e ao planeta. O trabalho artesanal terá cada vez mais destaque, não só como produto, mas como cultura e memória. Meu desejo é que a moda brasileira continue valorizando suas raízes, inovando e inspirando o mundo com suas histórias. Se continuarmos tecendo essas redes – entre pessoas, saberes e territórios – o futuro será transformador.