
Thais Losso e Jackson Araujo
Por Diogo Mesquita
Espaço de insurgência criativa contra os excessos da indústria da moda, a Trama Afetiva surgiu com o objetivo de questionar e transformar o seu meio. Unindo design social, pesquisa regenerativa e inovação, a iniciativa ressignifica resíduos de roupas, acessórios e objetos em novos caminhos para a sustentabilidade. Idealizada como um ambiente de diálogo aberto, a plataforma conecta artistas, ativistas, cientistas e empresários em busca de um modelo de moda que seja, ao mesmo tempo, inclusivo, diverso, lucrativo e ambientalmente comprometido.
No coração do projeto está a circularidade: o entendimento de que o descarte da moda não é lixo, mas matéria-prima para novas ideias. Mais do que reciclar materiais, a Trama Afetiva reinventa paradigmas, questionando a lógica linear de produção e consumo. Em vez de soluções rápidas, propõe processos regenerativos e colaborativos, construindo pontes entre criadores e consumidores para repensar o futuro da indústria com ousadia e transparência.
Ao receber o prêmio na categoria “Circularidade de moda com responsabilidade ambiental” no Fashion Futures, a Trama Afetiva provoca uma reflexão urgente: o que mais pode ser transformado em um setor historicamente pautado pelo desperdício? A resposta está em suas mãos — e nos resíduos que ela insiste em transformar.
Harper’s Bazaar Brasil – Como surgiu a ideia de criar uma marca com a produção baseada nesses pilares?
Jackson Araujo – A Trama Afetiva existe como plataforma pedagógica de mudança de pensamento para a moda desde 2016, sempre com foco em upcyling.
Entre 2016 e 2019 atuamos por 4 anos como uma plataforma pedagógica pautada pela ressignificação de resíduos têxteis e educação para o novo varejo, sempre realizando oficinas criativas, exposições, aulas e rodas de conversa com o intuito de formação de uma nova mentalidade para a moda. Em 2020, fomos impactados pela pandemia, aprendemos muito sobre upcycling de guarda-chuvas com Itiana Pasetti, da plataforma de design regenerativo Revoada. Em 2022, Thais Losso apresentou seu desejo de transformar todos aqueles pensamentos e aprendizados em produtos e fomos criando uma metodologia própria de relacionamento, fluxo produtivo e criativo a partir dos descartes têxteis. Hoje temos uma metodologia pronta que pode ser contratada por qualquer marca de moda que queira resolver com dignidade seu problema de resíduos por meio do design social e regenerativo.
HBB – Qual é a maior dificuldade hoje para implementar a responsabilidade ambiental em larga escala na moda?
JA – No sistema capitalista, sempre o dinheiro será o propulsor ou limitador de ações de real impacto para implementar a moda com responsabilidade ambiental. Paralelamente a isso, a educação nas escolas de moda precisa também priorizar disciplinas adequadas a um futuro que já chegou, em que a moda seja compreendida como uma força política capaz de gerar não somente empregos e consumo, mas sobretudo responsabilidade socioambiental.
HBB – Na sua visão, o que os consumidores deveriam priorizar no consumo de moda para causar um impacto mais positivo?
JA – Primeiramente saber quem fez suas roupas, como nos ensina o Fashion Revolution. É preciso também transparência para mostrar a procedência dos materiais utilizados, a cadeia produtiva envolvida, promovendo a democratização do conhecimento sobre pequenas marcas autorais que estão comprometidas com o planeta e as pessoas, que entendemos serem bens inegociáveis.
HBB – O reconhecimento através do Fashion Futures é uma grande vitória?
JA – Uma vitória gigante! Sendo o maior e principal prêmio de moda, o único na verdade, no Brasil, que conta com a capilaridade do nome C&A, acreditamos que esse reconhecimento pode ser expandido para além da premiação, fortalecendo a busca por investimentos financeiros para a realização de mais projetos culturais e educacionais para o mercado.
HBB – Qual a importância da mídia especializada para que se alcance uma moda mais sustentável e inclusiva?
Jackson Araujo – A mídia especializada tem um papel fundamental nesse processo, pois ela é parte da afirmação de um sistema de que se empenha em reforçar padrões de aparência e gosto. Pois, tendo sido o primeiro grande dispositivo a regular aparências, estetizando e individualizando a vaidade humana, a moda faz do superficial um instrumento de salvação e uma finalidade da existência. Nesse contexto, a mídia especializada poderia promover mudanças profundas se mudar o foco da superficialidade do luxo sem responsabilidade socioambiental para o da moda sustentável e inclusiva. Talvez ainda precise surgir de fato uma mídia especializada com esse interesse, que não trate o tema como tendência, mas como fio condutor de sua linha editorial.
HBB – Como você enxerga o futuro da moda no Brasil?
JA – Caótico, plural e atravessado pelas mudanças climáticas. Na Trama Afetiva, gostamos de falar “as modas brasileiras”, visto que nossa espacialidade continental é rica em diversidades de gostos, identidades, estilos de vida e climas. A moda no Brasil não é única e como tal podemos pensar em futuros. A única certeza que congrega as modas dos brasis é a catástrofe climática com as previstas altas temperaturas, aquecimento das marés causando tempestades alternadas a intensas ondas de calor. Pensar moda sobre esses aspectos será cada vez mais complexo, pois as matérias-primas precisam gerar menos impacto produtivo para o planeta, já cansado do sistema linear de produção, consumo e descarte. O futuro (que já chegou!) precisa ser circular e feminino.