Por Otávio Tronco
Ele já nasceu uma releitura. Explico. O negroni, coquetel cativo em 99% das cartas de bares, teria sido inventado no início do século passado quando alguém, tomando como base o drinque Americano, substituiu a adição de água com gás por uma dose de gim e manteve as partes de vermute e Campari.
A origem, assim como em tantos coquetéis, não é um consenso, mas se a receita de três ingredientes — gim, Campari e vermute — teria sido criada no início do século passado, foi no pós-Guerra, com o fomento do turismo na Itália e a entrada massiva de americanos, notórios apreciadores de coquetéis, que esse drinque ganhou fama.
Essa mudança de comportamento, inclusive, é documentada na cultura da época. A música “Tu Vuo’ Fa’ l’Americano”, de Renato Carosone, lançada na década de 1950 e remixada com batidas eletrônicas nos anos 2010, fala exatamente disso, de como os italianos passavam a emular novos hábitos dos seus visitantes. Versão corroborada também pelo polêmico escritor Alberto Grandi em seu livro “As Mentiras da Nonna”, da editora Todavia. O escritor conclui que a gastronomia italiana — isso inclui nosso drinque — foi manipulada “em nome de um mito a ser construído e do turismo de massa”.
Polêmicas à parte, o negroni caiu nas graças dos turistas e dos locais, superou sua suposta inspiração original e passou a pautar a criação de novos drinques. Uma dessas versões, talvez a mais famosa, o negroni sbagliato, teria sido criada no milanês Bar Basso. Segundo a história, o bartender, por engano, colocou uma dose do italiano prosecco no lugar do importado gim.
A narrativa é fofa, apesar de ser difícil acreditar que um bartender confunda gim com prosecco, mas em certa medida essa releitura exemplifica uma interessante tendência que até hoje pauta a coquetelaria — a utilização de uma receita tradicional, nesse caso o negroni, com a adição de componentes nacionais, nesse exemplo se substitui o gim pelo prosecco.
Circulando pelos bares da cidade, não faltam negronis nesse estilo, só que nesses casos com ingredientes brasileiros. “Demos uma abrasileirada no negroni”, conta Marco Aurélio, chefe de bar do Balaio IMS sobre o drinque Mariô (R$ 48). O coquetel substitui o destilado por cachaça Santa Terezinha Sassafrás, bebida envelhecida em barris de canela. Na boca, a cachaça remete a um vermute, mas sem o dulçor, o que deixa o drinque saboroso sem ser enjoativo. Numa criação com a mesma pegada, o mixologista Pedro Pitón, nome por trás dos drinques do restaurante Animus, em Pinheiros, infusiona o gim com sementes de amburana. O seu Negroni Cearensis (R$ 44) chega com sabor de baunilha e um leve defumado por causa do novo ingrediente.
Nessa mesma ideia de valorização do Brasil, o Tau, na Vila Madalena, faz um vermute de jabuticaba para a sua versão do clássico (R$ 44), enquanto o Seen, bar com vista panorâmica nos Jardins, adiciona café brasileiro infusionado com laranja à receita (R$ 51).
Ainda que sem usar ingredientes brasileiros, tantos outros bares também partem dessa receita para novos coquetéis. O Punch Bar, no Paraíso, comandado por Ricardo Miyazaki, homenageia sua ascendência oriental. “O bar tem essa pegada japonesa”, comenta Miyazaki sobre o seu Punch Negroni. O drinque é perfeito e leva partes iguais de gim, vermute, licor Unicum e um dash de bitter Hinoki, que acrescenta um frescor à bebida.
Já no Oculto, na Vila Madalena, do mixologista Spencer Amereno, há uma releitura que acrescenta Marsala seco ao tradicional, o Negroni Ammaliato (R$ 48), e o sempre cheio Caledônia, de Alison Oliveira e Maurício Porto, replica com êxito o Rosita (R$ 51), um negroni com tequila no lugar do destilado.
Veja abaixo os sete bares que atualizaram a receita do negroni:
Punch Negroni – punch-gim, vermute, licor Unicum e bitter Hinoki

“Punch Negroni” – Foto: Kato
Mariô – Balaio IMS – cachaça Santa Terezinha, vermute e Campari

”Mariô” – Foto: Divulgação
Negroni Cearensis — Animus — gim infusionado com amburana, vermute e Campari

“Negroni Cearensis” – Foto: Thays Bittar
Rosita – Caledônia – tequila Don Julio, vermute e Campari

”Rosita” – Foto: Maurício Porto
Negroni Ammaliato — Oculto — gim, vermute e Marsala seco

”Negroni Ammaliato” – Foto: Ana Schad
Negroni de Jabuticaba – Tau – gim, vermute de jabuticaba e Campari

“Negroni de Jabuticaba” – Foto: Rodolfo Regini
Espresso Negroni – Seen – gim, vermute, Campari e café com infusão de laranja

“Espresso Negroni” – Foto: Elvis Fernandes