
Foto: Luiz Braga
Por Luiz Braga
Geograficamente, é o maior arquipélago fluviomarinho do mundo, com uma área superior à da Bélgica. Mas não foram os números que me atraíram para esse lugar. Minha primeira visita, ainda na infância, foi ao lado do meu pai — convidado por um ex-paciente agradecido pela cura. Já naquela travessia, senti os ventos e as ondas da temida Baía do Marajó. O mergulho mais profundo nesse paraíso das águas, porém, só aconteceria muito tempo depois, quando, como fotógrafo, já não conseguia mais exercer em Belém a fotografia humanista que exige leveza, confiança e cumplicidade com quem se deixa fotografar. Eu buscava um território onde pudesse exilar meu olhar e o encontrei na Comunidade Quilombola de Pau Furado, em Salvaterra. Ali, fui acolhido com alegria e generosidade. Quadro a quadro, comecei a construir um grande caleidoscópio de histórias de vida que, pouco a pouco, passaram também a fazer parte da minha.
A primeira coisa que me chamou a atenção foi a cadência do tempo. No Marajó, o tempo não corre, ele pulsa com as águas, sejam as marés, os igarapés ou as chuvas. Não é lugar para apressados. Basta lembrar que o bacurizeiro leva cerca de 30 anos para oferecer seus primeiros frutos. Nos campos marajoaras, ao girar o olhar, não há obstáculos. A vastidão do horizonte em 360 graus envolve e silencia. À noite, ergue-se a abóbada celeste estonteante.
Mas tudo isso seria apenas um belo e grandioso papel de parede se não fosse o povo marajoara, com sua força, simpatia e criatividade, que me cativou desde o primeiro encontro. Passados mais de dez anos, percebo o quanto fui absorvido por esse universo encantado e o quanto ele moldou minha obra. São pessoas afetuosas, guardiãs de saberes ancestrais e profundamente conectadas à natureza que as cerca: pescadores, vaqueiros, músicos, pajés, professoras, líderes quilombolas, benzedeiras, dançarinas. Crianças alegres que crescem entre as correntes d’água e os pés de açaí. Ao redor dos tachos em que se torra a farinha de mandioca, giram as narrativas de muitas famílias. Vislumbrar as cores das fachadas na comunidade do Céu é como assistir a uma aula de arquitetura vernacular moldada por exímios carpinteiros e, ao mesmo tempo, uma lição de pintura que envolve qualquer artista. Conviver com essas pessoas e testemunhar suas conquistas renova, dia após dia, minha fé na humanidade. Certa vez, minha filha observou: “O vento de Joanes é o sopro de Deus!”. Desde então, a cada retorno ao Marajó, tenho a certeza de que esse lugar é, acima de tudo, a percepção do divino na natureza.