
Autodidata radicado em Ghent, na Bélgica, ele usa humor e símbolos do luxo para tensionar estereótipos e construir o universo “Mousganistan”. Foto: Divulgação
Algumas imagens chegam com leveza. Outras chegam com atrito. As do Mous Lamrabat fazem as duas coisas ao mesmo tempo, sem didatismo (e mais dadaismo) e sem legenda explicando o que você deve sentir. Ele resgata códigos que reconhecemos – do mercado de luxo, universo pop e mundo da moda – e reposiciona tudo com uma provocação controlada, como quem muda o ponto de vista sem levantar a voz. É desse deslocamento que nasce a assinatura dele.
Nascido em 1983 no Marrocos e hoje vivendo e trabalhando em Ghent, na Bélgica, Lamrabat parte de uma experiência de mundo que já é, por si, um cruzamento de camadas. Antes de fotografar, estudou design de interiores, e isso aparece no modo como ele constrói as cenas: o enquadramento nunca é só “bonito”. Ele organiza corpo, objeto, fundo e cor como quem monta um set de cinema. Autodidata, encontrou na câmera um espaço de liberdade e criação instantânea, e fez disso método.
O centro do trabalho dele é identidade em camadas, não resumida a uma definição. Ele fala, e fotografa, a partir dessa simultaneidade de ser marroquino, africano, árabe, europeu e muçulmano – tudo ao mesmo tempo. Em vez de explicar essa multiplicidade em discurso, ele prefere colocá-la em imagem. O humor entra como ferramenta de fricção gentil, sem deboche. A ternura aparece como contenção para que a provocação não vire caricatura. E existe um eixo bem claro: tornar visíveis tensões humanas e rejeitar a discriminação como leitura pronta.
Esse universo ganhou nome próprio: “Mousganistan”. A palavra tem cara de invenção, e é mesmo, um território imaginário onde símbolos circulam com regras menos previsíveis. É ali que ele subverte estereótipos norte-africanos sem transformar a fotografia em panfleto. Em vez de fechar o sentido, a imagem abre espaço. Em vez de declarar, ela se aproxima. Você achou que entendeu e, na sequência, percebeu que entendeu rápido demais.
Nos trabalhos com marcas, ele já colaborou com YSL Beauty, Burberry, WhatsApp, Nike e Amina Muaddi, levando essa mesma assinatura para dentro de campanhas e narrativas visuais. No circuito de arte, participou de “Just Pictures” (2020), teve individual no FOMU, em Antuérpia (2021), e apresentou “Blessings from Mousganistan” no Foam Museum Amsterdam (2022), junto do lançamento do seu primeiro livro, “Mousganistan” (Lannoo Editions, 2022).
Agora, ele é destaque da Galeria Faces, em Marselha, com “Moustalgia”. A exposição encosta memória e herança no presente, do jeito que o trabalho dele pede: imagem como encontro, não como explicação.










