Raw Design: Ries Studio

Mesa por Ries Studio – Foto: Divulgação

Por Livia Debbané

Em 2017, o designer inglês Max Lamb criou uma série de cadeiras a partir de grandes blocos de granito. Incisões únicas desenhavam nos volumes brutos as conchas que iriam acomodar o corpo. Não havia, neste projeto, preocupações típicas que guiam o design industrial – ergonomia, reprodutibilidade –, nada que desviasse do simples fato de que uma pedra pode ser, com grande naturalidade, um assento. Lamb reverenciava a força do elemento natural, lembrando o fascínio provocado por monolitos, que Isamu Noguchi também cultuou em tantas de suas esculturas de pedras.

Raw Design: Bram Vanderbeke

Cadeira por Bram Vanderbeke – Foto: Divulgação

Nos últimos anos, esse tipo de abordagem está em evidência no design de mobiliário, nadando contra a corrente da tecnologia. “Cru” parece ser um adjetivo adequado para qualificá-lo. Assim como “raw food” refere-se à culinária que usa os alimentos em seu estado puro, falaríamos em “raw design” para classificar o que aprendemos com nomes como George Nakashima e Zanine Caldas e seu olhar generoso para as formas naturais de troncos de árvores. O que parece novo é a transposição dessa ideia para as matérias-primas minerais. É como se cadeiras, poltronas, bancos e mesas tivessem surgido de um acontecimento geológico ou metereológico – a lava que escorreu e se solidificou em alguma brecha do solo, tomando emprestada a sua silhueta; o pedaço de rocha que desabou e foi lenta e persistentemente esculpido por intempéries. As próprias palavras no inglês e no português tem algo de onomatopeico, pela sonoridade rústica do erre que domina as sílabas únicas.

Raw Design: Formsophy

Mesa de Formsophy – Foto: Divulgação

Tal qual no raiar da nossa humanidade, em que o domínio de elementos minerais deu nome aos períodos históricos da Pedra Lascada e do Neolítico (a Idade dos Metais), os designers adeptos dessa conduta utilizam modos de produção artesanais e até mesmo rudimentares. Aproveitam as formas e as texturas in natura, e procuram eliminar quaisquer detalhes que exijam mais etapas de produção, como junções e acabamentos. Muitos artefatos arqueológicos parecem ter nascido justamente da leitura de fragmentos encontrados, que, com poucas intervenções (que, naquele momento, deviam ser extenuantes e demorar muito), foram adaptadas a alguma função, como lâminas ou pilões.

Gustavo Neves

Vasos de Gustavo Neves – Foto: Divulgação

As criações contemporâneas que remetem a essa “pré-história do design” fazem uma cisão com a evolução da disciplina. Ou melhor, são seu contraponto, passando ao largo de novas técnicas, novos materiais e tendências. Enquanto o futuro aponta para o “soft”, termo que define objetos de superfícies lisas, sem fricção e que, tamanha sua adequação e facilidade de uso, são um design invisível, o “raw” tem presença, peso, é áspero, imperfeito, inacabado e, até mesmo, inadequado. Em um planeta que se dissolve em crises naturais e humanitárias, monolitos e artefatos arcaicos talvez nos lembrem que há coisas que resistem, e nelas podemos, de alguma forma inconsciente, nos ancorar.