O bullying é um fenômeno de violência repetitiva que ocorre entre crianças e adolescentes e pode se manifestar de diferentes formas, desde agressões verbais, como insultos e piadas ofensivas, até agressões físicas, perseguição, difamação, racismo, cyberbullying e assédio moral. O bullying pode causar danos psicológicos e emocionais significativos tanto para a vítima quanto para o agressor. “Antes de caracterizarmos o bullying, em inglês, ‘bully’ significa amedrontar, intimidar, ameaçar; qualquer comportamento que, mesmo em tom de brincadeira, intimide, ofende, agride ou exclui é chamado de bullying”, explica  Eliane Kely Ribeiro, pedagoga, psicopedagoga e psicanalista.

Imersa no cotidiano kids – Eliane atua como coordenadora pedagógica (5º ao 8º ano) do Colégio Ítalo –, ela vê a importância de ações efetivas e do diálogo dentro e fora das salas de aula. “Embora para muitos ainda seja visto como uma espécie de ‘brincadeira’, o bullying traduz um comportamento agressivo sistemático e perseguidor”, revela.

Além disso, segundo a psicóloga Melissa Pomaro, o tipo de agressão pode variar de acordo com o gênero, sendo que, geralmente, as meninas sofrem agressões verbais, enquanto os meninos são alvos de agressões físicas. “A sociedade tende a considerar pesadas as agressões físicas, enquanto as agressões verbais, são vistas como mais leves. Porém, ambos os tipos de agressão são cruéis e têm consequências psicológicas graves, resultando em feridas invisíveis na autoestima e na formação da identidade”, explica.

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Como identificar o bullying?

No caso de crianças que sofrem bullying, sua autoestima e autoconfiança podem ser prejudicadas, levando a sentimentos de inadequação, dificuldade de relacionamento e construção de relações saudáveis. “Os efeitos nocivos são evidentes, causando danos a todos os envolvidos: vítimas, pais e até da própria escola. As pessoas expostas ao bullying apresentam mais problemas de saúde e uma tendência quatro vezes maior ao suicídio em comparação com estudantes que nunca sofreram agressão”, revela Melissa, que prossegue: “Por isso o combate ao bullying e a violência dentro das escolas é tão urgente”.

Vale lembrar que não se deve encarar a violência escolar de forma simplista ou como brincadeira, pois há uma associação direta entre a violência familiar e o bullying. O bullying sofrido na infância ou na adolescência pode perdurar até a fase adulta, resultando em inseguranças e traços de personalidade difíceis de superar. “É uma situação cruel, pois o bullying é uma tortura diária que se estende ao longo do ano letivo. Portanto, não importa se é uma agressão física ou verbal, ambas são graves”, reitera Melissa.

Para Eliane Kely Ribeiro, o bullying nasce de uma incapacidade de se enxergar e aceitar as diferenças do outro. Ou seja, ele surge dos problemas de convivência. “Para o agressor, o bullying pode criar uma dinâmica de poder e de controle, que pode afetar outras áreas da sua vida. Esse comportamento dominador e agressivo também pode prejudicar a capacidade de estabelecer bons relacionamentos”, explica.

É comum que os agressores reproduzam em sua conduta as violências que sofrem em casa e, por isso, nem sempre os pais do agressor conseguem entender o que está acontecendo. “Geralmente, são filhos de pais agressores, mas muitas vezes os pais não percebem a violência presente em seus filhos, pois a família já é desestruturada. Somente quando o filho agressor se torna vítima é que o pai percebe e busca tomar alguma providência junto à escola”, conta Melissa.

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Conduta dentro e fora das salas de aulaPara prevenir o bullying, é fundamental que as crianças aprendam a respeitar as diferenças e desenvolvam habilidades socioemocionais, como empatia, autorregulação emocional e autoconhecimento. É importante que as escolas trabalhem a pauta em suas atividades pedagógicas, promovendo espaços seguros de fala, estimulando a conversa e a conscientização sobre as consequências do ato. Além disso, a família e a escola devem trabalhar juntas no desenvolvimento socioemocional das crianças e dos adolescentes.

Eliane explica que quanto mais habilidades socioemocionais forem trabalhadas com a criança, mais chances há de se reduzir a violência nas relações. “É preciso existir um planejamento para cada faixa etária, utilizando recursos como jogos, textos, dinâmicas e experiências para que o assunto seja trabalhado. Além disso, a escola precisa construir espaços seguros para que todos possam expor os seus sentimentos. O nosso trabalho é incentivar as crianças e os adolescentes a respeitarem as diferenças.”

Relação de confiança

Foi o próprio Antônio, com 15 anos à época, que denunciou as mensagens misóginas, xenofóbicas e com referências nazistas para a mãe, a advogada Thais Cremasco. O caso, que aconteceu durante as eleições de 2022, ocorreu em um grupo de Whatsapp em que alunos compartilharam falas violentas após o resultado da apuração. A relação de confiança entre mãe e filho fez toda a diferença na situação, pois ele se sentiu confiante diante de uma situação de violência. “Eu tentei mostrar que eles não devem se calar em casos de violência, sempre encorajei os meus filhos a responder aquela situação, ter as comprovações do que estava acontecendo e denunciar.”

Não foi a primeira vez que os filhos da Thais sofreram  violência e racismo dentro da escola Porto Seguro, em Valinhos, interior paulista. Sua filha Tayla, hoje com 13 anos, também já tinha relatado outros episódios sensíveis, como quando acabou ficando sozinha no recreio por meses, por ter retirado as tranças e deixado o cabelo curto e naturalmente crespo. “Em algumas ocasiões do passado, troquei os meus filhos de escola por situações de racismo. Mas, depois de um certo tempo, percebi que por vivermos em um país eurocêntrico, o racismo está em todos os lugares. E os meus filhos tinham o direito de ocupar os espaços que são melhores para eles, como uma escola de ponta e bilíngue, que oferecesse a oportunidade de estudar na Europa. Por isso, lutei e vou continuar lutando para que eles sejam aceitos nos ambientes que eles querem ocupar. Quando insistimos em nos manter fazemos com que as pessoas respeitem a diversidade, o que é bom para todos”, finaliza.

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Para ela, a melhor forma de a escola e das famílias se posicionarem em relação à violência é que haja um reconhecimento dessas atitudes. “É importante que a criança, a escola e as famílias entendam o que é essa violência para que haja a orientação correta a seguir. Não podemos ter medo de denunciar, não podemos acreditar que a escola vai se voltar contra à vítima se denunciarmos. O silêncio é prejudicial à vítima, por isso, denunciem qualquer ato de violência.”

Porém, nem sempre as crianças falam sobre o que está acontecendo. “Quando os pais da vítima percebem que algo está acontecendo, é um avanço importante, pois muitas vezes as crianças ficam em silêncio. Nesse processo, é essencial que as famílias cultivem um ambiente de diálogo para que possam perceber quando algo está errado e tomar as devidas providências junto à escola”, reforça Melissa.

É importante ressaltar que não existe uma fórmula pronta de intervenção para o bullying, pois cada caso é único e requer uma abordagem individualizada. Entretanto, é fundamental buscar ajuda especializada, como psicólogos, para auxiliar no processo de enfrentamento e na recuperação das vítimas e para promover a conscientização e a mudança de comportamento dos agressores.

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