Por Giovanna Ribeiro
O diálogo entre adultos e crianças tem um papel crucial na jornada de superação, uma vez que o impacto de tragédias consegue ser ainda mais catastrófico para aqueles que ainda estão construindo a sua percepção de segurança e de proteção.
É preciso criar um ambiente seguro – escutar suas emoções, validar seus sentimentos e manter a rotina familiar inalterada o máximo possível. “Sugiro abrigar as crianças sem julgar, sem impor e sem prescrever, propondo um acolhimento à sua própria maneira de ser”, diz Sandra Djambolakdjian, professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Guerras, deslocamentos forçados e catástrofes como as recentes enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul são exemplos de tragédias que exigem atenção redobrada de pais e de educadores/ Foto @trueartist_official
Maria Luísa Nolasco Dal Molim, psicóloga e residente da rede de atenção especializada em saúde mental de Porto Alegre, cita o conhecimento popular africano – de que é preciso uma aldeia inteira para criar uma criança –, para explicar o que é a tragédia na vida dos pequenos cidadãos. “Para garantir a vida emocional saudável da garotada é imprescindível o investimento de muitos profissionais. Toda criança deveria poder conhecer os bichos, respirar ar limpo, comer comida de qualidade, receber amor e carinho, poder brincar e inventar, estar protegida de violência e de discriminação, ter a segurança de que sua família, sua casa e sua comunidade estão intactas (…). Estas são algumas dentre muitas noções que participam da constituição de um quadro de saúde mental. A tragédia é exatamente o momento em que, por diversos motivos que têm efeito cumulativo, tudo isso falha.”
Ela também destaca que não há uma relação direta entre o evento traumático e o trauma; essa conexão depende da forma como a “aldeia” consegue auxiliar uma criança a atravessar a experiência do desastre. Essa comunidade pode ser representada pela família, por voluntários ou experts da saúde. Neste sentido, a literatura aponta que é minoria a população exposta a tragédias que desenvolve quadros psicopatológicos. “As infâncias carregam consigo grande potência inventiva. É o momento do desenvolvimento que acomoda a flexibilidade por excelência, é exatamente o período de maior abertura à transformação. Por este motivo, as crianças têm muito a nos ensinar.”
Maria Luísa compartilha ainda que, no mural de desenhos do abrigo onde trabalha atualmente (com desabrigados do Sul), está escrito, com letra infantil e rodeada de desenhos coloridos: “Todos nós queremos voltar para casa, mas só conseguiremos se formos persistentes e acreditarmos em nós mesmos!”
Sandra, que também faz o atendimento de crianças e adolescentes em um abrigo montado numa universidade gaúcha, ressalta que é na possibilidade de a criança se comunicar que ela pode expressar não só o seu sofrimento, mas também o seu empoderamento. “Muitas vezes as crianças têm uma potência para enfrentar que até ensinam os adultos.”
Com a gurizada o trabalho geralmente é feito através do saber lúdico, utilizando brincadeiras e histórias que servem como suporte para elas expressarem sentimentos através dos personagens – sem que elas precisem falar diretamente sobre a tragédia. Sandra usa como material didático a história dos “Três Porquinhos”, um clássico conto infantil, que explora a narrativa de Cícero, Heitor e Prático, que perdem as suas residências e têm o trabalho de reconstruí-las. “Por meio desta ferramenta, as crianças vão se encaixando no enredo e criando outros finais para os protagonistas.”
A psicanalista Laura Votrich destaca que o luto – fase comum enfrentada por quem passa por uma catástrofe –, mesmo em crianças e adolescentes, não se manifesta sempre como um comportamento deprimido. “Pode aparecer como agressividade, aumento de conflitos e violência e, portanto, é necessário buscar formas para auxiliar que os mais jovens expressem as emoções pela palavra ou até mesmo pelo xingamento. Os adultos contribuem criando contornos e bordas para que isso não extravase a ponto de machucá-los fisicamente.” O rabino Moti Begun, diretor das escolas Lubavitch e Gani, enfatiza que a melhor maneira de lidar com o luto infantil, principalmente em contexto de desastres, é demonstrar solidariedade e altruísmo, oferecendo apoio emocional. “Resta demonstrarmos a nossa melhor versão diante das adversidades.”