Reconexão é a palavra que melhor descreve o objetivo de Antônio de Castro ao criar a Foz – tanto em nível pessoal, quanto em um convite para o mercado abrir os olhos para os talentos da moda brasileira que atuam além do eixo Rio-São Paulo.
Logo após se formar em Design de Moda pelo Senac SP, em 2018, Antônio se dedicou à criação de produtos para casa, uma alternativa para conseguir trabalhar em parceria com artesãos do Brasil. “Durante os anos de curso, tive uma amostra de como a indústria da moda pode ser nociva e problemática em sua cadeia, ao mesmo tempo em que entendi que muitos dos processos criativos, que tanto me encantavam no curso, se perdiam na vida profissional de uma ‘indústria criativa’ que parece nunca ter tempo para criar”, explica.
Foi também ao longo do curso que o designer entendeu a dimensão cultural do artesanato brasileiro. “Trabalhar com decoração e arquitetura foi um caminho para encontrar esse lugar onde os artesãos brasileiros fazem parte do processo produtivo”, acrescenta. Durante a pandemia, Antônio decidiu reeditar alguns produtos de sua coleção apresentada como TCC (ou seja, trabalho de conclusão de curso) para um lançamento pontual. O resultado conquistou o designer – e o público -, resultando na criação da marca no fim de 2020.
Mesmo sendo o resultado de muita pesquisa e elaboração, foi impossível blindar a Foz de todos os desafios que as marcas nacionais se deparam ao chegarem ao mercado. “Hoje, nosso maior desafio é encontrar um ponto de equilíbrio entre comércio e propósito. Desde o começo, sempre tive muito claro que meu objetivo com a marca era o de criar possibilidades para escoar o tradicional trabalho dos artesãos alagoanos, por meio de produtos e mercados que vão além do que eles já têm acesso. Mas claro que, aliado a isso, precisamos criar uma aura em torno do produto, contextualizá-lo e apresentá-lo”, pontua.
A entrada da Foz no catálogo do Nordestesse, plataforma colaborativa, criada por Daniela e Gabriela Falcão, que tem como missão fomentar empreendedores e criativos do Nordeste, possibilitou uma expansão de cenário para a marca. “[Plataformas como essa] nos dão o alicerce para chegar em lugares onde nosso produto adquire outra percepção”, adiciona Antônio de Castro.
O trabalho da marca expandiu ao encontrar os desafios citados pelo designer, fazendo com que, hoje em dia, a Foz também atue na capacitação de grupos do interior de Alagoas, ampliando o seu conhecimento, baseado no saber tradicional, até as possibilidades de varejo desses itens. “Temos uma preocupação social e cultural com a relação designer-artesão, ao mesmo tempo em que precisamos estar atentos ao teor comercial e financeiro desse tipo de operação, que acontece por meio de uma logística complexa entre estados geograficamente distantes”, explica.
A comunicação da marca é outro desafio. Antônio afirma que é preciso encontrar meios de apresentar, para o público e para a mídia, a complexidade da cadeia e a necessidade de sua existência para a manutenção da relevância cultural do artesanato brasileiro.
Baseada em São Paulo, a marca alagoana trabalha fixamente com quatro grupos de artesãos do Nordeste e, pontualmente, com mais cinco outros. O designer afirma que enxerga seu produto como uma moldura para que o ofício desses criadores possa ter um suporte. “O que fazemos é desenvolver novas ideias com eles, a partir do que já faz parte de seu repertório intelectual e técnico. Não nos apropriamos do que eles fazem, eles não são fornecedores da marca, são parceiros”, explica.
Antônio de Castro afirma que, além dos desafios de logística, fazer com que seus produtos sejam vistos como opções para além da moda praia é desafiador. Com as paisagens de Alagoas como inspiração e o uso de linho puro e palhas nativas, a marca visa fugir do errôneo entendimento de que etiquetas nordestinas produzem apenas para um determinado lugar ou época do ano – objetivo que é conquistado aos poucos e com paciência.
“Acho que minha visão de mundo sempre vai ser enviesada pelo lugar de onde venho e dos estímulos que tive durante a infância e adolescência em Alagoas. Sinto que tive um despertar diferente para a cultura do meu estado depois que saí de lá – nada como olhar de fora para o que sempre fez parte da gente. Sempre que volto (e volto muito), gosto de viajar pelo estado com amigos, que também são artistas e investigam a cultura popular com suas produções. Vai além da produção artesanal, é a forma de viver, beber, comer, celebrar, morar. Vejo como uma grande corrente de costumes e hábitos que dão contexto para o que eles criam. E poder imergir nesse contexto é um grande privilégio”, afirma Antônio.
O fundador da Foz reforça que seu trabalho não busca subverter ou repaginar essas técnicas, até porque, não há nada de errado com o artesanato que persiste há séculos. Ao invés disso, a marca busca novas formas de produzir e escoar esse conhecimento por meio de outros canais, além de outras maneiras de manter as criações e os criadores conectados com a atualidade.
“Estamos tentando construir uma indústria cada vez mais acessível no sentido dos processos. Minha intenção com a Foz é criar uma marca descomplicada, com uma alfaiataria solar e que se relaciona com o clima e o humor do Brasil. Quero transmitir com nosso produto um equilíbrio entre identidade e responsabilidade social. Finalmente, vejo que estamos caminhando para um lugar mais versátil e menos careta na moda masculina. Acho que as conversas que tivemos alguns anos atrás sobre desconstrução de gênero na moda, e que reverberam até hoje, foram cruciais para que os estilistas também se sentissem à vontade para exercitar outras maneiras de fazer esse tipo de roupa”, analisa.
Quando questionado qual conselho daria para novos designers, Antônio afirma que ainda se encaixa nessa categoria e que também busca por dicas. Mesmo assim, acrescentou que cada um tem uma jornada e aconselha aos novatos que olhem para o design como uma maneira de resolução de problemas, já que ele existe para otimizar o mundo ao nosso redor.
“Que seu produto, de alguma maneira, dialogue com algum problema que você considera que existe e que precisa ser resolvido. Na Foz, o que me inquietou foi não ver iniciativas suficientes que incorporem a tradição cultural na moda. Acho que criar um fundamento para o suas criações existirem pode ser a coisa mais poderosa a se fazer. É isso que vai te manter focado quando eventualmente coisas derem errado”, finaliza.