
Jonathan Ferr – Foto: Mari Patriota
Jonathan Ferr, um dos nomes mais inovadores do jazz contemporâneo brasileiro, lançou recentemente, o EP Livre, pela Som Livre, em parceria com a Orquestra Ouro Preto. O projeto revisita duas faixas icônicas do Charlie Brown Jr., “Céu Azul” e “Lugar ao Sol”, trazendo uma abordagem futurista ao jazz, uma fusão entre tradição e inovação que reflete sua constante pesquisa sonora.
Natural de Madureira, Ferr tem conquistado tanto o público quanto a crítica, com colaborações ao lado de nomes como Criolo, Luedji Luna e Kamasi Washington. Além de seu impacto na música, o artista é uma voz ativa em temas como afrofuturismo e diversidade, transitando também pelas cenas do cinema e da moda.
Jonathan Ferr se prepara agora para uma apresentação no Womex, maior feira de negócios de música da Europa, que acontece em Manchester no dia 27 de outubro, onde será o único brasileiro no evento.
Em uma conversa com a Bazaar, o artista falou um pouco sobre os detalhes do novo momento. Para ilustrar a matéria, fotos de Jonathan feitas pelo projeto “NO Off”, da fotógrafa Mari Patriota, Pernambucana radicada no Rio de Janeiro. No projeto ela fotografa nomes conhecidos do grande público com verdade, sem super produção, só luz natural e seu olhar minimalista e sofisticado.

Jonathan Ferr – Foto: Mari Patriota
Como foi participar do projeto “No Off”, da fotografa Mari Patriota?
Eu já era fã do trabalho da Mari, mas só nos conhecíamos pela internet. Batemos um papo por telefone na véspera do ensaio e nos conhecemos pessoalmente no dia das fotos, quando rolou uma conexão imediata. A Mari é uma artista fenomenal, que, além do olhar sensível, tem uma escuta sensível também. Ela escuta o que você diz e tem uma sensibilidade musical muito grande, o que ajuda a imprimir esse sentimento nas fotos. Baseado nas referências de ambos, conseguimos encontrar um compilado de coisas que fariam sentido para nós dois, e fotografamos muito no freestyle. Eu, que sou um jazzista, um cara que trabalha com uma música cujo foco é o improviso, senti que a Mari e eu fizemos uma grande jam fotográfica, onde ela dava o acorde, o tom, e eu improvisava em cima… Às vezes eu dava o tom, ela improvisava, e a gente foi se harmonizando e se conectando no processo, num ambiente comum, que é a praia, mas conseguimos imagens incomuns.

Jonathan Ferr – Foto: Mari Patriota
Seu som sempre foi uma fusão de diferentes estilos, mas em “Livre” você traz uma nova abordagem com o jazz futurista. Como você descreveria a evolução do seu som ao longo dos anos, e como essa evolução se manifesta neste novo EP?
Bom, muito boa pergunta. Essa questão do Jazz Futurista é algo que tem me contemplado cada vez mais. Para mim, o Jazz Futurista é o Urban Jazz 2.0. O que eu sempre falei sobre Urban Jazz — essa fusão de sons urbanos, experimentações e coisas alternativas dentro de uma linguagem de jazz — é o que eu acredito ser o futuro. O jazz se atualiza e se manifesta nessa relação futurista; ele aponta para o futuro. Eu costumo dizer que o jazz é a música do futuro, e não é por acaso, porque é uma música que vai se atualizando e se reinventando. O jazz dos anos 40 não é o mesmo jazz que se faz agora, nos anos 2000, por exemplo. Então, estamos em plena atualização e eu não poderia fazer o mesmo que fazia no primeiro disco. Eu me pergunto como me atualizar e rever esse processo.
Esse disco traz uma nova abordagem e tem o tema livre exatamente porque, esteticamente e estilisticamente, ele apresenta novas propostas minhas. A começar pela grande orquestra que trouxe comigo, a Orquestra do Preto. Os arranjos são todos escritos por mim, então é tudo pensado a partir das minhas ideias e concepções de música. Além disso, eu inauguro oficialmente no disco algo que já vinha fazendo no palco: o vocoder. É algo que eu só usava nos shows e comecei a usar também no álbum. E o autotune, que já usei no “Liberdade”, agora está mais destacado. Acho isso muito legal porque o autotune, que é algo muito usado no trap, funk e rap, é uma linguagem específica que cabe ali dentro. A minha ousadia foi trazer esse recurso tecnológico, super futurista e emblemático, que divide opiniões — muita gente ama, muita gente odeia — para dentro de uma música com o ar de sofisticação do jazz.
O desafio foi integrar o autotune e essa linguagem ao ambiente orquestral. Além disso, eu peguei uma música de uma grande banda, lembrando o Junior, e a coloquei em uma nova linguagem, com uma nova roupagem e estrutura. Esse processo foi muito desafiador e muito gostoso para mim.

Jonathan Ferr – Foto: Mari Patriota
O EP “Livre” traz releituras de faixas do Charlie Brown Jr. O que o atraiu especificamente para as músicas “Céu Azul” e “Lugar ao Sol”? Como essas canções se conectam com sua visão artística e pessoal?
Trabalhar com a Orquestra do Preto foi um presente incrível, porque eu já era fã da orquestra. Eu queria muito gravar com eles, e quando surgiu a oportunidade de conhecê-los, imediatamente fiz o convite. Eles aceitaram, e eu logo sentei para escrever os arranjos; todos os arranjos da orquestra são meus. Isso foi muito importante para mim e um grande aprendizado, pois foi a primeira vez que escrevi um arranjo para orquestra. Entrar no estúdio e ver mais de 30 músicos gravando o que eu havia pensado, tocando o que eu criei, foi uma sensação emocionante. A orquestra realmente trouxe uma nova vida para o trabalho, acrescentou muito, trouxe sofisticação, brilhantismo e uma beleza imensurável. Estar ali no estúdio, ouvindo a orquestra tocar e, depois, ouvi-los cantar foi incrível.
O resultado final foi muito emocionante para mim. Era um sonho meu tocar com uma orquestra, e esse EP é o resultado desse sonho. Estou muito feliz porque esse EP também me trouxe muitos aprendizados. Comecei a gravá-lo em maio de 2023, no ano passado, e agora já se passou mais de um ano desde que comecei a trabalhar nessa obra. Muitas coisas aconteceram durante esse tempo: tive perdas na minha família, que me impactaram profundamente, e também fiz uma viagem para a Europa que mudou meu mindset em relação à música, ao que eu queria tocar, como eu ia tocar e o que eu queria apresentar. Isso trouxe novas perspectivas, e passei por experiências emocionais muito fortes, quase terapêuticas. Participei de rituais xamânicos para tentar entender a mensagem que eu queria transmitir ao grande público através dessa obra, porque todos os meus trabalhos são muito espirituais para mim.
Eu levo a música muito a sério e acredito que fazer música envolve aspectos espirituais, metafísicos e cósmicos. A partir disso, busquei tudo o que pudesse trazer e li sobre liberdade e ser livre. Fui emocional e filosoficamente provocado por este trabalho. Todo o resultado musical é fruto de muitos questionamentos, filosofias e encontros interpessoais e pessoais.
Enfim, acho que o trabalho resultou em algo muito potente, e trazer a orquestra foi a cereja do bolo, tornando tudo ainda mais profundo e impactante, tanto para mim, quanto para a orquestra, que adorou estar comigo nisso, e para o público.

Jonathan Ferr – Foto: Mari Patriota
Você mencionou que usou vocoder e autotune para criar uma nova linguagem dentro do jazz. Como foi o processo criativo de integrar essas ferramentas tecnológicas às músicas do Charlie Brown Jr., mantendo a essência do jazz futurista que define seu trabalho?
Bom, foi muito divertido. Estou sempre pesquisando coisas novas: novas músicas, novos trabalhos, novos sons. Coisas que me tragam novidades de sonoridade. Eu sou um artista inconformado; nunca quero fazer a mesma coisa. Não quero buscar o mesmo som. Quero coisas que me provoquem, que provoquem o meu ouvido. E, a partir dessa provocação, também conseguir provocar os ouvintes.
O vocoder já fazia parte do repertório de um disco que eu ouvia muito, o “Sun Light”, do Herbie Hancock. Ele usa o vocoder o disco inteiro. É um disco lindíssimo, de 1978 ou 1979, e eu ouvi muito enquanto pensava no processo do meu EP. Eu já curtia muito esse trabalho e queria trazer o vocoder mais para frente, já que ele já estava presente no show.
O autotune veio como uma pesquisa também, contemporânea mesmo. Do que está acontecendo agora. O rap, o trap, o funk usam isso largamente para afinar a voz e criar uma linguagem. É inegável, e não tem como não reconhecer a importância e a linguagem que o autotune trouxe para a música mundial contemporânea. Até a Beyoncé já usou autotune. Artistas como T-Pain, que começou essa onda do autotune, você pega músicas africanas… autotune. Então achava que era o momento de trazer isso para o meu jazz, com coragem. Acho que sou o primeiro artista a usar isso dentro do jazz no Brasil. Sou pioneiro nesse processo. E, enfim, sabia que haveria algumas críticas de quem não gosta desse estilo. Muita gente acha que o autotune matou a música. Acho isso muito engraçado, porque nenhuma tecnologia mata a música.
Muita gente dizia que o disco ia matar a música, que o CD ia matar a música, que os DJs iam matar a música. Sempre tem uma coisa assim, né? Falavam que a guitarra ia matar a música. Sempre tem uma onda da galera achar que a música morre por conta de uma tecnologia, mas, na verdade, a tecnologia só agrega. Transforma e democratiza também a possibilidade de acesso à música para quem quer fazer música, sabe?
Eu trouxe para o meu jazz sonoridades que faziam sentido para mim, timbres que faziam sentido para mim. E, a partir disso, acho que também me leva para o futuro, pois estou pensando lá na frente. Daqui a 20, 30 anos, como esse som vai estar soando? Vai fazer sentido ainda? O cara vai dar o play em 2050 e essa música vai fazer sentido ainda ou vai ser algo datado, que já não faz mais sentido? Enfim, eu fico pensando nesse apontamento e sinto que o vocoder e o autotune levam para essa onda futurista. Eles te levam para outra sonoridade. É meio metafísico, você vai para outra esfera.
E com a Orquestra, acho que isso ficou ainda mais mágico. A Orquestra é tradição, o que é muito interessante. Enquanto eu trago o autotune e o vocoder, que são coisas que te levam para um lugar muito futurista e tecnológico, a banda segura a base, e eu trago a Orquestra, que traz o tradicional. Esse statement do status quo de uma Orquestra, que é uma Orquestra de Concertos, com peças clássicas de 200, 300 anos atrás. Então foi isso que pensei.
Apesar da Orquestra Ouro Preto ser muito contemporânea, tocando com outros artistas e coisas novas, a sonoridade de uma Orquestra está no lugar do tradicional. Então a ideia desse EP, desse disco, foi essa: o futurismo e o tradicional se encontrando para homenagear uma grande banda do rock.