
Foto: Karl Berg
Por Paula Zarif e Pedro Suaide, de Lisboa
Enquanto o público europeu ainda desconhece artistas como RD da 17, MU540 busca conectar culturas e levar o funk para o mundo. “Tenho que comunicar o funk, assim como outros DJs trouxeram o house de Chicago para o Brasil. Apresento o funk aos portugueses e espanhóis, buscando pontos em comum com a música eletrônica de periferia deles. Dou o xarope na boca do enfermo”, brinca.
O DJ de 29 anos, natural de Praia Grande (litoral de São Paulo), mistura funk com disco, eletrônico e música clássica, e sua habilidade em ditar o ritmo coloca-o como um dos rostos da internacionalização do gênero. “Hoje preciso ser mais diplomático nas ideias, mas ainda sinto raiva e injustiça. Fui entendendo com o tempo.” BAZAAR acompanhou o DJ em sua primeira performance na Europa, onde dança e se diverte no palco, em Lisboa, e, nos bastidores, tirou um tempo para falar com nossa equipe.
As batidas e o gingado do funk já aparecem em colaborações globais. Beyonce usou um sample de Aquecimento das Danadas em Spaghetti, de seu álbum country. Kanye West e Ty Dolla Sign aproveitaram a batida de Faz o Macete 3.0 para Paperwork (2024), e JPEGMAFIA colaborou com DJ Ramemes em It’s Dark and Hell Is Hot (2024). MU540 quer que esse movimento continue: “O Jeeh FDC é o melhor produtor que conheço.”
Filho único de mãe solo, MU540 carrega a influência e parceria da mãe para dentro de seus shows e sets: “A gente é uma gangue, né?”. Dentro de casa, a MÃE540 – apelido carinhoso que a mãe acabou ganhando nas redes sociais – introduziu desde pequeno o filho ao som de divas pop de sua época. O filho respondeu apresentando e curtindo com ela nomes como Ellie Goulding, P!nk, Christina Aguilera e Britney Spears. Essas trocas fizeram o DJ aumentar seu repertório musical e entender como comandar o ritmo de uma festa. “Ela é a melhor ouvinte do mundo, sabe ouvir música. Ela sempre foi uma pessoa de festa e sempre confiaram muito no gosto dela. Ela me ensinou todas essas músicas, então eu sei o DNA da pista. Porque ela me passou a visão.”
A proximidade com a família também aparece no momento de pedir ajuda. Como acontece em tantas relações de pais e filhos por aí, MU540 ficou com a função de baixar as músicas que a mãe quer ouvir, mas não sabe o nome. “Ela não sabe cantar músicas em inglês. Aí pede para eu baixar, e eu sei de todas as músicas que ela gosta. Canta do jeito dela, eu me f… para achar e baixo.” Como resultado, o computador do artista ganhou uma pasta MÃE540, com as músicas preferidas dela. Nos shows, aparecem em remixes com funks e eletrônicas. Assim, Funky Town se une a Automotivo e Funk do Baile a James Brown: “Eu gosto desses polos. O funk é isso aí. O baile é isso aí, são músicas com levada, groove, funk (em inglês).” Para ele, não existe uma pessoa que esteja carregando o funk para fora do país. Se alguém falar: “Ah, o MU540 fez… Não foi.. Foi mó tropa.”

Foto: Pedro Suaide
A humildade em reconhecer ser apenas parte de um movimento muito maior anda lado a lado com o motivo do funk ganhar cada vez mais espaço fora do Brasil. Muito aliado com músicas eletrônicas, o estilo brasileiro dominou cidades europeias no último verão como carro-chefe de festas em diversas capitais. Como MU540 gosta de trabalhar com house, drill e grime em muitas de suas faixas, o encaixe com o gosto gringo foi automático. O resultado é que isso faz dele mais um pontinho em uma linha do tempo de artistas que vai fazer para fora do país, o que já foi feito muitas vezes para dentro, ele explica.
“As pessoas estão descobrindo agora o tempero de funk. Por exemplo, quando o David Guetta veio pro Brasil com Love Is Gone (2007), trouxe aquele house pra gente. Fomos ouvir Dimitri Vegas & Like Mike, e Steve Aoki. Dá 2018, estamos ouvindo Martin Garrix. A Anitta é isso, a Anitta vai chegar com o funk lá nos Estados Unidos, na Europa. Ela vai dançar o funk. A Anitta foi Furacão 2000, ela viu muita coisa. E ela teve uma (boa) leitura. Aí, ela chega lá e vai mostrar esse funk, e aí esse pessoal vai gostar e vai ficar familiarizado com o ritmo. E quando espirrar no algoritmo um outro funk, a pessoa fala: “Puts, ó, pica a música da Anitta, mas ó, tem um negócio aqui, deixa eu ouvir. Aí pá, outro negócio ali, deixa eu ouvir. Do nada, o alemão tá ouvindo RD da 17 já, tá ligado?”
Atento ao que está sendo cantado e tocado para além de seu próprio show, o DJ questiona a motivação por trás da repercussão de letras com mensagens abusivas: “Talvez a pressa para chocar e ganhar o dinheiro faça com que a pessoa diga coisas que ela não pensou tanto. Às vezes pode ser a resposta de um trauma ou da favela, onde acontecem várias coisas. Tem o lado da resposta desse abuso, ou dessa opressão, ou do que causou essa pessoa ter pensado nisso a ponto de falar isso. Tem que olhar os dois e analisar os dois pra que isso não se perpetue, porque aí a gente vai chegar na raiz. Obviamente, você não deve cantar, mas é muito legal parar e olhar o que tem por trás.”
Em paralelo, o artista também reflete e provoca sobre o papel do homem na sociedade, o que muitas vezes é a origem desse tipo de letra que não tem mais espaço. “Ensinam o homem a ser ruim, e, para você ser o chefe da casa, você não pode abraçar, elogiar o seu parceiro e falar que ele é bonito, não pode ter amizade com a mina. Então, ensinam a ser ruim, ensinam a ser um predador, assassino, tudo. Aí a gente tem que, todo dia, pensar pra não ser um assassino.”
Enquanto fazia muito barulho pela Europa, MU540 produziu um feat com uma cantora francesa e se prepara para o lançamento de um novo álbum. Em 2023, a parceria de longa data com o rapper Kyan, com quem fez a turnê internacional, gerou Um Quebrada Inteligente, trabalho que o ajudou a ser indicado pelo Prêmio Multishow nas categorias “DJ do ano” e “Produção Musical do Ano”. Nesses dois meses no velho continente, o DJ e produtor participou de sessões de estúdio com diversos artistas e apresentações em lugares como o Amsterdam Dance Event (ADE), na Holanda, no MaMA Music & Convention, na França.

Foto: Pedro Suaide