
‘Plant Pulses’ está em cartaz até este domingo (07.12), na praia de Miami Beach, próximo ao Faena (Foto: DIvulgação)
De Miami, nos Estados Unidos*
Miami oferece centenas de atrações na semana da arte, mas Plant Pulses, de Marcin Rusak, se destaca justamente por fazer o oposto: reduzir tudo ao essencial. A instalação traduz dados reais de plantas em som e imagem sem espetacularização e apresenta estresse hídrico e resposta vegetal longe do jargão científico — quase como revelar um processo sempre presente, mas raramente exposto ao olhar público. Não há dramatização, mas informação convertida em experiência, em um formato direto, acessível e curioso.
A obra nasce de uma parceria de dez anos entre Rusak e a Maison Perrier-Jouët, iniciada quando ele venceu o Arts Salon da casa ainda recém-formado, em Londres. As visitas a Épernay (distante 145 km de Paris), onde está o maior acervo de Art Nouveau particular, e a troca contínua com o time criativo consolidaram essa colaboração. “Tudo começou com o meu avô, esse ‘cientista maluco’ que criava orquídeas em estufas em Varsóvia. Cresci cercado de estufas abandonadas. Foi aí que entendi que botânica podia ser matéria de trabalho, não só decoração”, lembra.

Para este projeto, Rusak trabalhou com cientistas da AGH Universidade de Ciência e Tecnologia, em Cracóvia, que coletaram sinais ultrassônicos de três plantas relevantes ao terroir de Champagne (videira, erva-de-colina e trevo-branco), as chamadas axiophytes, usadas como indicador da saúde do ecossistema. O som, um “tic” curto e repetido, corresponde a variações fisiológicas ligadas à hidratação. A partir desse arquivo, Rusak construiu uma trilha dividida em três momentos — desidratação, comunicação e reidratação — acompanhada por uma animação deliberadamente simples, pensada para guiar, não para deslumbrar.
No centro da instalação, um herbário monumental em resina preserva amostras colhidas em Épernay: trevos, videiras no fim do ciclo, solo calcário. As banquetas, impressas em 3D no estúdio de Varsóvia, trazem as mesmas plantas, como uma cápsula de tempo do terroir. “Sempre me fascinou o fato de que, quando compramos flores, estamos comprando algo em processo de desaparecimento. Elas são símbolo de vida, mas também lembram a impermanência. Muito do meu trabalho fala disso”, completa.

No centro da instalação, um herbário monumental em resina preserva amostras colhidas em Épernay (Foto: Divulgação)
EXPERIMENTAÇÃO
As conversas mais recentes com o artista confirmam essa obsessão pelo processo. Rusak fala de um estúdio que funciona como laboratório expandido, onde a equipe cria e adapta ferramentas para traduzir dados biológicos. “Tentamos entender como as plantas armazenam informação. Quando percebemos que algumas espécies funcionavam como fonte de sabedoria, pesquisamos quais seriam as ‘hero plants’ de Épernay, e chegamos justamente às videiras, ao trevo-branco e à erva-de-colina”, diz.
Em Miami, onde tudo disputa atenção, a obra opera na contramão. “Aqui é um ambiente desafiador, mas ontem vi gente chegando por pura curiosidade — e esse era o objetivo”, conta. A instalação está posicionada a poucos passos da praia, em frente ao Faena, vizinha à obra monumental Library of Us, de Es Devlin. Fica em cartaz até domingo (07.12).

NOVO OLHAR
Do lado da Perrier-Jouët, a diretora de Cultura e Criação da maison, Axelle de Buffévent, lê Plant Pulses como extensão de uma agenda mais ampla de experimentação no vinhedo, baseada em práticas de agricultura regenerativa. “Estamos numa fase em que precisamos experimentar outros modos de cultivar. Regenerar o solo significa trazer de volta plantas entre as fileiras de videira, testar combinações, medir os efeitos e aceitar que é um processo de longo prazo”, afirma.
A Maison aplica esse modelo em parcelas de sua área plantada e monitora impactos em biodiversidade, manejo de água e, no limite, no próprio vinho. “Enquanto fazemos experiências no vinhedo, projetos como o do Marcin lembram que as plantas estão nos enviando sinais. O desafio agora é aprender a escutar melhor o que elas estão dizendo”, diz Axelle. “Não somos nós que vamos ‘salvar’ o mundo. Quem traz as soluções são os designers e os cientistas. O nosso papel é criar contexto, apoiar, abrir espaço para que essas ideias apareçam.”
PREMIAÇÃO
Essa postura também aparece no Perrier-Jouët Design for Nature Award, criado em parceria com a Design Miami. O prêmio quer destacar designers que tratam sustentabilidade como método e linguagem, não adjetivo. A primeira laureada é Iris van Herpen, que recebe carta branca para desenvolver uma obra em 2026. “A Iris sintetiza tudo o que queremos com o prêmio: materialidade experimental, pensamento ambiental e uma leitura contemporânea do espírito art nouveau”, complementa Axelle.
À BEIRA MAR
A presença da Maison na Design Miami se desdobrou no jantar Banquet of Nature, criado por Pierre Gagnaire em colaboração com o coletivo Steinbeisser. O encontro funcionou como continuação do mesmo eixo conceitual: culinária, objetos e serviço pensados como investigação sobre material, origem, uso e descarte.
Um detalhe revelado nas conversas de bastidores acrescenta mais uma camada: as placas de resina usadas nas mesas do jantar, como se fossem fragmentos do solo da cidade-natal da maison, serão incorporadas à coleção de Art Nouveau, em Épernay. “Queremos integrá-las à forma como recebemos convidados — clientes, jornalistas, influenciadores, amigos da casa. É sobre fazer as ideias circularem o máximo possível”, diz Axelle. Na ocasião, a Maison lançou também o livro A Banquet of Nature: Cooking Art and Ideas, com Pierre Gagnaire, reunindo vozes de filósofos, botânicos, artistas e cientistas que orbitam essa mesma discussão.

Em conversas de bastidor, Axelle comentou que as placas serão integradas ao acervo da Maison, em Épernay (Foto: Divulgação)
DESIGN MIAMI
Na feira que celebra 20 anos com novo layout e mais de 70 expositores — e onde quase tudo é pensado para ser visto — Plant Pulses se destaca por recusar o caminho do espetáculo. A instalação expõe um processo que raramente deixa o laboratório: o ultrassom das plantas convertido em pulso audível, o herbário encapsulado como documento, a animação como estrutura narrativa. A obra aposta na contenção para mostrar como fenômenos fisiológicos podem se transformar em ritmo, imagem e matéria, convidando o visitante a acompanhar um ciclo vivo que insiste em se manifestar.
Daí surge a pergunta: o que as plantas estão tentando nos dizer — e por que demoramos tanto para aprender a ouvir? Quando Rusak afirma que “adoraria que as plantas não nos vissem como ameaça”, a frase ganha novas camadas. Ele reconhece que a ameaça existe, que precisa ser revertida e que talvez o primeiro passo seja justamente desenvolver essa escuta: observar com atenção aquilo que, por muito tempo, ignoramos. A instalação deixa de ser sobre tecnologia ou ciência e passa a ser sobre relação: como reconstruí-la e o que significa, hoje, aprender a ouvir um mundo que nos envia sinais o tempo todo.
*O jornalista viajou para a Design Miami a convite da Maison Perrier-Jouët


