Thiago Miguel. Foto: Thom Foxx

Antes de serem em Wonderland, as aventuras de Lewis Carroll para sua ingênua Alice eram no Underground. E assim era o título original, que só mudou mesmo para “País das Maravilhas” quando o clássico infantil foi publicado, em 1865. Os caracteres são curtos demais para explicar a mudança, mas o switch vitoriano aconteceu em boa hora. De lá para cá, a cena underground ganhou dimensões pouco apropriadas para baixinhos. “É cheia de tabus, e eles vão existir sempre, mas também é um ambiente de inclusão, visibilidade e criatividade”, confessa Thiago Miguel, o relações-públicas e guardião dos portões do cool, chic e camp (há de tudo em suas festas) que têm agitado as noites paulistanas da nova geração. Por fora, faz o tipo enfant terrible, meio Boy George, meio Nosferatu, perfumado com Sauvage, da Dior. Vive de preto e “prataria pesada” – acessórios nacionais das marcas Jalaconda e Poison –, mas, por dentro, tem o mesmo charme de uma Pavlova russa: docinha, suave e quase inocente (ênfase “pesada” no quase).

Nas redes, seu nome já virou a hashtag favorita dos insones (#ThiagoMiguelConvida), mas antes de cair na night, foi do time de comunicação da ELLUS por quase dois anos, onde aprendeu a ser society. “Foi meu primeiro emprego e me dediquei por inteiro. Vi e vivi muito lá. Aprendi que o afeto abre todos os caminhos”, lembra, descrevendo a diretora criativa, Adriana Bozon, como uma “madrinha”.

Desde que decidiu inverter a rotina 9am – 5pm por uma 9pm – 5am, não parou mais. Começou na celebrada Heavy Love, com apoio do empresário Franco Frugiuele (“outro padrinho na minha vida”) e, em uma hipérbole para lá de exagerada, nunca mais viu a luz do dia. Os intervalos são poucos durante a noite, onde tudo acontece simultaneamente. Na conversa com Bazaar, às altas horas da madrugada, Thiago estava sentado no chão de uma sala na Fábrica de Impressões, na Barra Funda, em São Paulo, enquanto centenas de clubbers se agitavam no lado de fora ao som do DJ Márcio Vermelho. Foi a noite em que a Versa (festa da qual é sócio) convidou Boy Harsher, banda eletrônica norte-americana, para tocar em solo brasileiro ao lado de outros queridinhos da cena, como NoPorn.

Thiago Miguel. Foto: Thom Foxx

Um verdadeiro enturmado, foi na pista que encontrou lugar para desenvolver sua “personalidade e persona”, com as quais lida de maneiras diferentes. “Não me vejo como ‘o’ Thiago Miguel. Só percebo quando começam a mandar mensagens no dia da festa, de última hora, pedindo para serem incluídos na minha lista.” Ainda assim, admite que encarar a influência (e ambição) não foi um processo rápido. “Tenho uma essência clubber natural, mas demorei para achar um espaço seguro.” Aos 25 anos, recém-completados, conta que omitiu sua idade por muito tempo, com receio de não ser “levado a sério”. “Hoje, entendi que a diversidade que adotei como selo vai muito além de cor, sexualidade e gênero. É também sobre idade. Tenho horror ao etarismo e minha vontade é ver todo mundo na pista.” Muitos, aliás, se tornaram amigos próximos e sabem de uma versão sua quase desconhecida: a pós-festa.

Quando a disposição permite, leva o agito para a intimidade. “Às vezes, de manhã, volto para casa com meus amigos. Sentamo-nos no tapete, ouvimos música e bebemos vinho.” Na maior parte do tempo, porém, precisa lidar com o desafio da quietude, no mesmo lar que serve como cenário para suas after-parties: um duplex industrial, “meio na Santa Cecília, meio em Higienópolis, meio no Pacaembu”, brinca sobre o endereço.

“As pessoas veem meu guarda-roupa, todo preto, e acham que minha casa segue a mesma estética. Na verdade, ela é toda branca, com móveis de madeira e alguns quadros que coleciono.” Na arte, encontra as paletas de cores das quais sente falta na vida. Recentemente, encomendou um quadro de Pedro Brantes, o modelo-artista que, além de presença nas noitadas de Thiago, é seu conterrâneo: ambos vieram de São José dos Campos, no interior de São Paulo. Nas paredes também tem obras de Midi e do carioca Miguel Morgado. “A arte é como uma válvula de escape para mim.” Apesar da rotina frenética, “quando volto sozinho para casa, vivo um silêncio enorme”.

Quem ele adoraria ver junto na pista? “Alexandre Herchcovitch, Johnny Luxo, Márcia Pantera, Eduardo Dugóis e Patricia Carta.” Quem não quer ver de jeito nenhum? “Algumas centenas de políticos.” E alfineta: “Jamais vou ser o tipo de relações-públicas rodeado de celebridades que adorariam estar fazendo qualquer outra coisa, menos estar ali. Mais cafona que isso, só aquelas pessoas que vão para a pista apenas para posar. O close é terrível”.